– Quer dizer
que a primeira Semana Espírita de
Astolfo Dutra foi em 1946?
Antenor –
Foi, e contou com a presença de
Chico Xavier e de Leopoldo
Machado. Chico recebeu umas
mensagens muito bonitas. Depois de
um certo tempo, outras cidades
começaram a realizar também suas
Semanas Espíritas.
– A primeira
Semana Espírita de Astolfo Dutra
foi realizada na Fundação
Espírita Abel Gomes?
Antenor –
Sim. Foi realizada aqui neste
barracão, que era ainda tosco,
não tinha forro, uma construção
primitiva. No início, se
realizavam aqui as pregações. As
reuniões se iniciavam na beira do
rio, aqui perto. Embora eu tenha
vindo com Leopoldo Machado, ele
voltou dois dias depois. Eu
permaneci mais dois dias e fui
embora.
– Eram
diferentes as Semanas Espíritas
daquela época?
Antenor –
Ah, sim. As nossas Semanas
Espíritas tinham um ritmo muito
mais fraterno, mais unido...
Cantávamos o hino "Alegria
Cristã". Leopoldo preparava
peças de teatro para encenação
nas Semanas...
– Leopoldo
esteve presente na primeira Semana
de Três Rios?
Antenor –
Parece-me que não. Ele teria que
falar lá, mas não tenho certeza
se ele foi ou não. A lembrança
que tenho é ter ele pedido ao
Henrique Andrade que o
substituísse.
– Sabemos
então que a idéia das Semanas
Espíritas surgiu em Três Rios
(RJ), no ano de 1939. Quem a
inspirou?
Antenor –
O Assis Faria, o Cerqueira e
outros resolveram fazer um ciclo
de palestras, de domingo a
domingo.
– Juiz de
Fora parou de realizar suas
Semanas Espíritas?
Antenor –
É. Juiz de Fora não as realiza
mais. Realizou durante vários
anos, mas não realiza mais.
– Por que
razão, ao contrário de Minas,
Rio e Bahia, que realizam Semanas
Espíritas memoráveis, nos
Estados de São Paulo, Rio Grande
do Sul e Paraná isso não
acontece?
Antenor –
A razão talvez seja a dificuldade
financeira, porque antes nós
abrigávamos nos nossos lares
quatro, cinco pessoas, e nas
instituições também as pessoas
ficavam. Havia, então, aquele
aconchego. Havia muita alegria
porque era uma novidade; naquele
momento era a coisa mais
importante do Espiritismo.
Ninguém tinha realizado coisa
parecida até então.
"A
FEB foi contra as Semanas
Espíritas"
– Qual foi a
posição da Federação Espírita
Brasileira com relação às
Semanas Espíritas?
Antenor –
Sempre contrária.
– Por quê?
Antenor –
Porque o deles era um Espiritismo
conservador, um Espiritismo que
não tinha muita fraternidade e
que não realizava um trabalho que
devia ser realizado, porque, se é
fato e digno de nota que não se
deve aceitar, a priori, tudo
aquilo que aparece com o rótulo
de Espiritismo, também não se
pode negar tudo.
– Depois as
coisas parecem ter mudado, não?
Antenor –
Depois, foi indo, a situação foi
mudando. Surgiu o Congresso de
Mocidades. Mas nem ao Congresso a
FEB deu apoio. Então o Leopoldo
pegou um avião e foi a Alagoas e
trouxe o presidente da Federativa
de lá, que é o Estado menor,
para fazer parte da presidência,
ele e o Castro. A Federação não
dava o menor apoio. Vinícius de
Vasconcellos era o intermediário
então, o bom-senso encarnado
naquela situação.
– O Leopoldo
tentava a aproximação ou se
mantinha distante?
Antenor –
Um dia o telefone tocou:
"Antenor, liga pro Batuíra;
eu quero falar com ele". Era
o Leopoldo Machado. Eu então
liguei pro Batuíra:
"Batuíra, o Leopoldo quer
falar com você". O Leopoldo
então convidou Batuíra para
cortar a fita simbólica de
inauguração do Lar de Jesus, no
dia 25 de dezembro de 1942. Quer
dizer: só se faz um gesto desses
para uma pessoa amiga, por quem se
tenha muita consideração. Eles
falaram, conversaram e Leopoldo
lhe disse: "Batuíra, é
justo que a gente faça algumas
modificações nas coisas da
gente, porque tudo evolui, tudo
tem que progredir". Mas o
Batuíra ficava sempre naquela
situação.
– Ele aceitou
o convite?
Antenor –
Aceitou.
– E foi?
Antenor –
Foi, e eu estive lá também.
– Será que
essa divergência entre o Leopoldo
e o pessoal da FEB não decorria
da polêmica sobre Roustaing?
Antenor –
Em parte sim, pelo seguinte: o
Leopoldo sempre foi muito
independente. Ele dizia assim:
"Primeiro a Doutrina
Espírita, e explicarei bem:
primeiro foi a Doutrina Espírita
que me fez compreender Deus, e
como Deus está em primeiro lugar
e a Doutrina Espírita colocou-me
dentro do conhecimento de Deus,
então eu coloco a Doutrina em
primeiro lugar". Mas a FEB
gostava daquele cabrestinho de
"faça isso, faça aquilo,
veja isso, veja aquilo...", e
Leopoldo, espírito independente
acima de tudo, realizava o seu
trabalho.
– O Leopoldo
tinha um colégio em Nova Iguaçu.
Ele também lecionava?
Antenor –
Sim, ele não era professor
formado, mas dava aula de
História e outras coisas mais.
– A Marília
Barbosa também dava aula?
Antenor –
Sim. Ela era professora formada.
Leopoldo
Machado e a ditadura de Vargas
– Como foi a
tão falada polêmica entre
Leopoldo e o padre de Nova
Iguaçu?
Antenor –
Isso foi em 1936. O padre Jacó
Slater, ao chegar à cidade,
perguntou por que a Igreja
permanecia vazia, já que Nova
Iguaçu não era uma cidade
pequena. Aí disseram: "É
que existe o professor Leopoldo
Machado, que faz uns trabalhos de
milagres a semana toda, e trabalha
com albergue e tantas outras
coisas..." Leopoldo já tinha
também idéia de fazer uma casa
para crianças. Aí o padre
resolveu fazer um desafio ao
Leopoldo para uma polêmica.
Desafiou o Leopoldo, como
presidente do Centro, e o pastor
protestante, que declinou, não
aceitando o convite. O Leopoldo
estava doente do fígado, porque o
Leopoldo era muito espírita mas o
fígado era protestante... (risos).
Então, ele mandou dizer:
"Diga ao padre Jacó Slater
que eu aceitarei, com uma
condição: não quero que seja no
Centro Espírita nem na
Igreja". O local escolhido
foi o "Filhos de
Iguaçu", um clube de futebol
que abriga mais de duas mil
pessoas. Leopoldo, muito pontual,
foi o primeiro a chegar.
– O encontro
foi divulgado na cidade?
Antenor –
Foi divulgado, e o recinto ficou
pequeno para conter o povo. Aí o
Leopoldo chegou e ficou ali
esperando. Daí a pouco chega o
padre. Ao serem apresentados, o
padre lhe pergunta: "É o
senhor o sábio professor Leopoldo
Machado?" "Não, sábio
é Vossa Reverendíssima; eu sou
um simples professor de roça que
vim ouvir Vossa Reverendíssima
arrasar o Espiritismo." Aí o
padre lhe disse: "Dê-me seu
braço para que não escape".
"Se eu quisesse escapar, não
teria vindo a Vossa
Reverendíssima." Aí subiram
a escada e foram para a mesa.
Ficou combinado que quem falasse
primeiro falaria mais, o que é um
absurdo...
– Quem
começou a falar?
Antenor –
O padre. Ele começou a falar que
a lei do país deveria condenar os
espíritas no artigo 157 do
Código Penal. Ele falou uma hora.
Leopoldo, então, estava
familiarizado com aquele assunto.
Quando veio sua vez, ele disse:
"Meus amigos, nós estamos
aqui para uma polêmica, uma troca
de idéias, de esclarecimento, mas
estamos reunidos em nome de Deus.
Por isso eu convido a todos os
irmãos presentes a orarmos, a
agradecermos aqui neste ambiente
social de Nova Iguaçu a Deus.
Façamos a prece". E pediu a
Jesus que o adversário dele fosse
bem iluminado, esclarecido, para
conseguir o seu intento, porque,
acima de tudo, ele queria era mais
luz sobre o assunto que estavam
debatendo. No final, os argumentos
de Leopoldo foram tão fortes, que
o padre disse que não convinha
mais competir. Alguém na platéia
gritou: "Três a zero!"
Leopoldo disse ao padre: "Meu
amigo, dê-me um abraço. Estude o
Espiritismo".
– Essa
polêmica ficou registrada em
algum livro?
Antenor –
Consta do livro "Julga,
Leitor, Por Ti Mesmo" e
"Sensacional Polêmica",
com artigos que o padre escreveu
distorcendo os preceitos do
Espiritismo e com a resposta de
Leopoldo. Leopoldo publicou as
duas opiniões para criar
justamente o "Julga, Leitor,
Por Ti Mesmo".
– Já que
você residia em Cruzeiro desde os
anos 20, como foi seu primeiro
contato com os espíritas do Rio
e, em especial, com Leopoldo?
Antenor –
O primeiro contato foi através do
jornal ("Sensacional
Polêmica em Nova Iguaçu").
Eu lia vários jornais espíritas
e comecei a tomar noção do
Espiritismo naquele tempo. Leonor,
minha esposa, estava tomada por um
Espírito e deitava-se assim de
costas, e eu via aquilo ali, mas
não entendia nada. Achando que
devia ser um Espírito, disse:
"Saia, vamos comigo..."
Depois tomei conhecimento,
através de jornais, que o
Leopoldo também escrevia livros e
lhe escrevi uma carta dando os
parabéns pela grande realização
em prol da Doutrina e pedindo-lhe
que me enviasse o livro, dizendo
quanto era para que eu pagasse.
Leopoldo mandou o livro e não
cobrou nada. Aí começamos a
trocar cartas e ele veio a
Cruzeiro em 1939. A partir daí
continuamos uma amizade cada vez
mais intensa.
– O Leopoldo
escrevia para muitos jornais
naquela época?
Antenor –
Sim, o Leopoldo tinha artigos
semanais em cinco, seis jornais.
Uma vez o Leopoldo leu um artigo
de um médico sobre controle de
natalidade, que o médico apoiava.
Como ninguém respondeu ao
médico, Leopoldo resolveu
responder ao artigo. Ele dizia que
a pessoa nasce e não quer deixar
o outro nascer, quer dizer,
pratica a imoralidade de
aproveitar a oportunidade da
reencarnação, mas depois que sai
beneficiado aqui, salve-se quem
puder... Quer ser beneficiado
disso sem levar benefício para os
outros também. Aí ele publicou
"Sensacional Polêmica"
e outra que aconteceu em 1943,
mais ou menos, quando Getúlio
Vargas determinou o fechamento dos
Centros Espíritas.
– E os
Centros foram fechados mesmo?
Antenor –
Foram fechados, sim. Então, para
os Centros funcionarem eram
necessárias autorizações,
precisavam de carteirinhas... A
fiscalização vinha, entrava,
assistia à reunião. Aí o
Leopoldo começou a trabalhar para
resolver o problema, porque não
podia acontecer aquilo, o Estado
leigo garantia o direito de
religião. Felizmente pouco tempo
depois a medida foi revogada.
– Dos muitos
casos ocorridos com Leopoldo,
você pode nos contar algum?