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Entrevista
Ano 1 - N° 11 - 27 de Junho de 2007
MARCELO BORELA DE OLIVEIRA
mbo_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)


Antenor de Souza:
"Como surgiram as Semanas Espíritas
no Brasil"

A primeira Semana Espírita ocorreu em 1939 na cidade
de Três Rios, no estado do Rio de Janeiro
 

Antenor de Souza, de Cruzeiro (SP), uma lenda viva do movimento espírita brasileiro, estava com 82 anos quando nos concedeu esta entrevista. Não há em todo o país um dirigente espírita de expressão que Antenor não tenha conhecido pessoalmente. Amigo de Leopoldo Machado, a quem se ligou pelos laços afetivos logo que se viram pela primeira vez, Antenor acompanhou o surgimento das Semanas Espíritas e foi para falar delas que o ouvimos, na sede da Fundação Espírita Abel Gomes, por ocasião de uma das Semanas Espíritas realizadas em Astolfo Dutra (MG), evento que em julho próximo estará em sua 56a versão.

– Quando surgiram as Semanas Espíritas?

Antenor – A primeira Semana Espírita foi realizada em 1939 na cidade de Três Rios (RJ). Vários oradores ali compareceram para as suas pregações; depois Três Rios parou com esse movimento. Em 1944, Leopoldo Machado sugeriu que nos reuníssemos e fizéssemos uma espécie de Liga Hanseática, que é, salvo engano, algo parecido com as Nações Unidas de hoje, em que cada um defenderia os interesses dos outros. Leopoldo lançou essa proposta juntamente com a idéia de cada cidade assumir o compromisso de realizar uma Semana Espírita por ano. Então, passaram a ser seis Semanas Espíritas: Cruzeiro (SP), Nova Iguaçu (RJ), Macaé (RJ), Juiz de Fora (MG), Três Rios (RJ) e Barra do Piraí (RJ), que não conseguiu realizá-la. Por causa disso, Barra do Piraí saiu do circuito e entrou Astolfo Dutra (MG). Havia naquela época companheiros que achavam que realizar mais do que duas Semanas Espíritas por ano era um exagero, um absurdo...

– Que ano foi isso?

Antenor – 1944. Depois, em 1945, viemos em companhia de Leopoldo Machado para realizar a Semana Espírita de Juiz de Fora, quando lançamos a pedra fundamental do Instituto Maria. Era o dia 8 de setembro de 1945, salvo engano, e no lançamento da pedra fundamental tomamos  conhecimento  da  turma  de  Astolfo

Pierre Ribeiro foi um dos responsáveis pela continuidade das Semanas Espíritas de Macaé-RJ, que se realizam em julho de cada ano

Flagrante da Semana Espírita Macaense realizada em julho de 1988

Londrina também promove desde 1992 sua Semana Espírita

Mencionada na entrevista de Antenor de Souza, a Semana Espírita de Astolfo Dutra realiza-se há 56 anos

Dutra (MG), de que eu conhecia algumas pessoas. Mas ficamos intensamente ligados nos dias que passamos juntos na realização da Semana Espírita de Astolfo Dutra,e eu sempre ligado ao Astolfo, ligado à Anita e a outros. (N.R.: Antenor se refere aqui ao casal Astolfo Olegário de Oliveira e Anita Borela de Oliveira.) Depois, no ano seguinte, aconteceu a primeira Semana Espírita de Astolfo Dutra...
 

– Quer dizer que a primeira Semana Espírita de Astolfo Dutra foi em 1946?

Antenor – Foi, e contou com a presença de Chico Xavier e de Leopoldo Machado. Chico recebeu umas mensagens muito bonitas. Depois de um certo tempo, outras cidades começaram a realizar também suas Semanas Espíritas.

– A primeira Semana Espírita de Astolfo Dutra foi realizada na Fundação Espírita Abel Gomes?

Antenor – Sim. Foi realizada aqui neste barracão, que era ainda tosco, não tinha forro, uma construção primitiva. No início, se realizavam aqui as pregações. As reuniões se iniciavam na beira do rio, aqui perto. Embora eu tenha vindo com Leopoldo Machado, ele voltou dois dias depois. Eu permaneci mais dois dias e fui embora.

– Eram diferentes as Semanas Espíritas daquela época?

Antenor – Ah, sim. As nossas Semanas Espíritas tinham um ritmo muito mais fraterno, mais unido... Cantávamos o hino "Alegria Cristã". Leopoldo preparava peças de teatro para encenação nas Semanas...

– Leopoldo esteve presente na primeira Semana de Três Rios?

Antenor – Parece-me que não. Ele teria que falar lá, mas não tenho certeza se ele foi ou não. A lembrança que tenho é ter ele pedido ao Henrique Andrade que o substituísse.

– Sabemos então que a idéia das Semanas Espíritas surgiu em Três Rios (RJ), no ano de 1939. Quem a inspirou?

Antenor – O Assis Faria, o Cerqueira e outros resolveram fazer um ciclo de palestras, de domingo a domingo.

– Juiz de Fora parou de realizar suas Semanas Espíritas?

Antenor – É. Juiz de Fora não as realiza mais. Realizou durante vários anos, mas não realiza mais.

– Por que razão, ao contrário de Minas, Rio e Bahia, que realizam Semanas Espíritas memoráveis, nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná isso não acontece?

Antenor – A razão talvez seja a dificuldade financeira, porque antes nós abrigávamos nos nossos lares quatro, cinco pessoas, e nas instituições também as pessoas ficavam. Havia, então, aquele aconchego. Havia muita alegria porque era uma novidade; naquele momento era a coisa mais importante do Espiritismo. Ninguém tinha realizado coisa parecida até então.

"A FEB foi contra as Semanas Espíritas"

– Qual foi a posição da Federação Espírita Brasileira com relação às Semanas Espíritas?

Antenor – Sempre contrária.

– Por quê?

Antenor – Porque o deles era um Espiritismo conservador, um Espiritismo que não tinha muita fraternidade e que não realizava um trabalho que devia ser realizado, porque, se é fato e digno de nota que não se deve aceitar, a priori, tudo aquilo que aparece com o rótulo de Espiritismo, também não se pode negar tudo.

– Depois as coisas parecem ter mudado, não?

Antenor – Depois, foi indo, a situação foi mudando. Surgiu o Congresso de Mocidades. Mas nem ao Congresso a FEB deu apoio. Então o Leopoldo pegou um avião e foi a Alagoas e trouxe o presidente da Federativa de lá, que é o Estado menor, para fazer parte da presidência, ele e o Castro. A Federação não dava o menor apoio. Vinícius de Vasconcellos era o intermediário então, o bom-senso encarnado naquela situação.

– O Leopoldo tentava a aproximação ou se mantinha distante?

Antenor – Um dia o telefone tocou: "Antenor, liga pro Batuíra; eu quero falar com ele". Era o Leopoldo Machado. Eu então liguei pro Batuíra: "Batuíra, o Leopoldo quer falar com você". O Leopoldo então convidou Batuíra para cortar a fita simbólica de inauguração do Lar de Jesus, no dia 25 de dezembro de 1942. Quer dizer: só se faz um gesto desses para uma pessoa amiga, por quem se tenha muita consideração. Eles falaram, conversaram e Leopoldo lhe disse: "Batuíra, é justo que a gente faça algumas modificações nas coisas da gente, porque tudo evolui, tudo tem que progredir". Mas o Batuíra ficava sempre naquela situação.

– Ele aceitou o convite?

Antenor – Aceitou.

– E foi?

Antenor – Foi, e eu estive lá também.

– Será que essa divergência entre o Leopoldo e o pessoal da FEB não decorria da polêmica sobre Roustaing?

Antenor – Em parte sim, pelo seguinte: o Leopoldo sempre foi muito independente. Ele dizia assim: "Primeiro a Doutrina Espírita, e explicarei bem: primeiro foi a Doutrina Espírita que me fez compreender Deus, e como Deus está em primeiro lugar e a Doutrina Espírita colocou-me dentro do conhecimento de Deus, então eu coloco a Doutrina em primeiro lugar". Mas a FEB gostava daquele cabrestinho de "faça isso, faça aquilo, veja isso, veja aquilo...", e Leopoldo, espírito independente acima de tudo, realizava o seu trabalho.

– O Leopoldo tinha um colégio em Nova Iguaçu. Ele também lecionava?

Antenor – Sim, ele não era professor formado, mas dava aula de História e outras coisas mais.

– A Marília Barbosa também dava aula?

Antenor – Sim. Ela era professora formada.

Leopoldo Machado e a ditadura de Vargas

– Como foi a tão falada polêmica entre Leopoldo e o padre de Nova Iguaçu?

Antenor – Isso foi em 1936. O padre Jacó Slater, ao chegar à cidade, perguntou por que a Igreja permanecia vazia, já que Nova Iguaçu não era uma cidade pequena. Aí disseram: "É que existe o professor Leopoldo Machado, que faz uns trabalhos de milagres a semana toda, e trabalha com albergue e tantas outras coisas..." Leopoldo já tinha também idéia de fazer uma casa para crianças. Aí o padre resolveu fazer um desafio ao Leopoldo para uma polêmica. Desafiou o Leopoldo, como presidente do Centro, e o pastor protestante, que declinou, não aceitando o convite. O Leopoldo estava doente do fígado, porque o Leopoldo era muito espírita mas o fígado era protestante... (risos). Então, ele mandou dizer: "Diga ao padre Jacó Slater que eu aceitarei, com uma condição: não quero que seja no Centro Espírita nem na Igreja". O local escolhido foi o "Filhos de Iguaçu", um clube de futebol que abriga mais de duas mil pessoas. Leopoldo, muito pontual, foi o primeiro a chegar.

– O encontro foi divulgado na cidade?

Antenor – Foi divulgado, e o recinto ficou pequeno para conter o povo. Aí o Leopoldo chegou e ficou ali esperando. Daí a pouco chega o padre. Ao serem apresentados, o padre lhe pergunta: "É o senhor o sábio professor Leopoldo Machado?" "Não, sábio é Vossa Reverendíssima; eu sou um simples professor de roça que vim ouvir Vossa Reverendíssima arrasar o Espiritismo." Aí o padre lhe disse: "Dê-me seu braço para que não escape". "Se eu quisesse escapar, não teria vindo a Vossa Reverendíssima." Aí subiram a escada e foram para a mesa. Ficou combinado que quem falasse primeiro falaria mais, o que é um absurdo...

– Quem começou a falar?

Antenor – O padre. Ele começou a falar que a lei do país deveria condenar os espíritas no artigo 157 do Código Penal. Ele falou uma hora. Leopoldo, então, estava familiarizado com aquele assunto. Quando veio sua vez, ele disse: "Meus amigos, nós estamos aqui para uma polêmica, uma troca de idéias, de esclarecimento, mas estamos reunidos em nome de Deus. Por isso eu convido a todos os irmãos presentes a orarmos, a agradecermos aqui neste ambiente social de Nova Iguaçu a Deus. Façamos a prece". E pediu a Jesus que o adversário dele fosse bem iluminado, esclarecido, para conseguir o seu intento, porque, acima de tudo, ele queria era mais luz sobre o assunto que estavam debatendo. No final, os argumentos de Leopoldo foram tão fortes, que o padre disse que não convinha mais competir. Alguém na platéia gritou: "Três a zero!" Leopoldo disse ao padre: "Meu amigo, dê-me um abraço. Estude o Espiritismo".

– Essa polêmica ficou registrada em algum livro?

Antenor – Consta do livro "Julga, Leitor, Por Ti Mesmo" e "Sensacional Polêmica", com artigos que o padre escreveu distorcendo os preceitos do Espiritismo e com a resposta de Leopoldo. Leopoldo publicou as duas opiniões para criar justamente o "Julga, Leitor, Por Ti Mesmo".

– Já que você residia em Cruzeiro desde os anos 20, como foi seu primeiro contato com os espíritas do Rio e, em especial, com Leopoldo?

Antenor – O primeiro contato foi através do jornal ("Sensacional Polêmica em Nova Iguaçu"). Eu lia vários jornais espíritas e comecei a tomar noção do Espiritismo naquele tempo. Leonor, minha esposa, estava tomada por um Espírito e deitava-se assim de costas, e eu via aquilo ali, mas não entendia nada. Achando que devia ser um Espírito, disse: "Saia, vamos comigo..." Depois tomei conhecimento, através de jornais, que o Leopoldo também escrevia livros e lhe escrevi uma carta dando os parabéns pela grande realização em prol da Doutrina e pedindo-lhe que me enviasse o livro, dizendo quanto era para que eu pagasse. Leopoldo mandou o livro e não cobrou nada. Aí começamos a trocar cartas e ele veio a Cruzeiro em 1939. A partir daí continuamos uma amizade cada vez mais intensa.

– O Leopoldo escrevia para muitos jornais naquela época?

Antenor – Sim, o Leopoldo tinha artigos semanais em cinco, seis jornais. Uma vez o Leopoldo leu um artigo de um médico sobre controle de natalidade, que o médico apoiava. Como ninguém respondeu ao médico, Leopoldo resolveu responder ao artigo. Ele dizia que a pessoa nasce e não quer deixar o outro nascer, quer dizer, pratica a imoralidade de aproveitar a oportunidade da reencarnação, mas depois que sai beneficiado aqui, salve-se quem puder... Quer ser beneficiado disso sem levar benefício para os outros também. Aí ele publicou "Sensacional Polêmica" e outra que aconteceu em 1943, mais ou menos, quando Getúlio Vargas determinou o fechamento dos Centros Espíritas.

– E os Centros foram fechados mesmo?

Antenor – Foram fechados, sim. Então, para os Centros funcionarem eram necessárias autorizações, precisavam de carteirinhas... A fiscalização vinha, entrava, assistia à reunião. Aí o Leopoldo começou a trabalhar para resolver o problema, porque não podia acontecer aquilo, o Estado leigo garantia o direito de religião. Felizmente pouco tempo depois a medida foi revogada.

– Dos muitos casos ocorridos com Leopoldo, você pode nos contar algum?

Antenor – Em Juiz de Fora, Leopoldo Machado tinha preparado uma peça para o encerramento da Semana. Os atores eram os próprios participantes do encontro. Laís, que hoje mora em Brasília (DF), tinha ensaiado um papel importante na peça. Quando chegou o dia da apresentação, minutos antes do horário marcado, eu estava com o Leopoldo quando o telefone tocou: ‘Antenor, o professor está aí?’ Respondi: ‘Está’. ‘Então, por favor, chame-o, que eu quero falar com ele.’ Leopoldo pegou o telefone e ouviu: ‘Professor, a Lalá está batendo os pés aqui, espumando pela boca e dizendo que não vai de maneira alguma à reunião de hoje, porque ela não tem nada com esse programa de hoje, que ela não quer mais mexer com isso...’ Leopoldo lhe pediu: ‘Passe o telefone para ela’. Em seguida, ele disse: ‘Laís? Eu quero falar é com você, seu intruso, saia daí. Terça-feira nós conversaremos. Agora deixe a Laís em paz, que vamos continuar com nosso trabalho’. (N.R.: Leopoldo se dirigiu diretamente ao Espírito que atormentava Laís, como se percebe por suas palavras.) O Espírito era um ex-padre (soubemos na reunião de terça-feira, em que estivemos) que estava desesperado por causa do apogeu do Espiritismo, por causa daquela fraternidade passando pela Igreja de São Mateus, aquele monte de gente andando de braços dados, andando de um lado pro outro, ali perto...
 


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