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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 19 - 22 de Agosto de 2007

MARCELO HENRIQUE PEREIRA
cellosc@floripa.com.br
Florianópolis, Santa Catarina (Brasil)

Códigos e Mistificações

O Espiritismo, uma vez mais, ganha as páginas de uma das principais publicações da mídia escrita do país, a revista “IstoÉ”, em sua edição n. 1972, de 15.08.2007. Nela, capa e matéria de oito páginas têm como escopo a lembrança dos cinco anos da morte do médium Francisco Cândido Xavier e, em especial, a polêmica em torno dos chamados “sinais secretos de Chico Xavier”, um alegado conjunto de senhas confidenciais que o espírita mineiro teria deixado a alguns parentes e amigos mais próximos, para a identificação de suas comunicações post-mortem.

Evidentemente, ocupar a doutrina este espaço social por meio de publicação que circula em todo o território nacional e com expressiva tiragem (não-divulgada) é motivo de entusiasmo para aqueles que professam a Filosofia Espírita, contribuindo para o aumento de interessados em melhor conhecer nossa proposta e freqüentar instituições, ou, por si só, para fomentar o debate entre os leitores, posto que coloca o Espiritismo na chamada “ordem do dia”.

Todavia, a questão de fundo – e que ocupa, inclusive, a chamada de capa – é a existência de um suposto código que seria fundamental para o “reconhecimento” do Espírito Chico Xavier, em seus contatos com o mundo “dos vivos”, no ansioso retorno do amigo que se foi e que deixou, notadamente, uma folha de serviços prestados ao Espiritismo e uma imagem de “nobre alma”, que tanto fez em favor dos semelhantes, seja pelos trabalhos assistenciais, a distribuição a entidades filantrópicas dos direitos autorais de seus 418 livros psicografados, além, é claro, do próprio consolo que a transmissão das comunicações de entes queridos (mortos) a seus familiares, por intermédio do médium de Uberaba, proporcionaram nos seus mais de 75 anos de “apostolado” medianímico.

O fundamento para a existência (ou para a crença neste “código”) seria a preocupação do próprio Chico com a difusão de pretensas mensagens psicografadas após o seu desencarne, por médiuns que, supostamente, poderiam utilizar tais comunicações “assinadas” por ele, para auto-promoção ou dividendos financeiros e, ainda, o comprometimento de sua “imagem espiritual” com a difusão de mensagens apócrifas e de conteúdo prejudicial. Segundo se sabe (e a reportagem reforça), Xavier teria “combinado” com seu filho Eurípedes Higino dos Reis, seu médico Eurípedes Tahan Vieira e a amiga Kátia Maria, “sinais secretos” que somente eles poderiam confirmar, e que constariam de mensagens que o médium, já do outro lado, enviaria, com a peculiaridade de que cada um saberia um tipo de código, mas não teria conhecimento do informado por Chico aos demais.

Este elemento merece uma análise sob a ótica da própria filosofia espiritista, levando em conta não só a “vontade” do querido Chico, mas os elementos apresentados em O Livro dos Médiuns – o principal e basilar compêndio sobre mediunidade à luz do Espiritismo – que são a diretriz imprescindível para a aquilatarão e o entendimento das questões afetas não só à comunicação psicográfica, como a qualquer outra ocorrência de natureza mediúnica[1].

Na obra citada, por exemplo, quando Kardec questiona os Espíritos Superiores acerca da natureza e da forma das comunicações espirituais, deles recebe a configuração em quatro grupos (grosseiras, frívolas, sérias e instrutivas), passíveis de serem deduzidas a partir do efeito (exame da comunicação) para chegar-se à sua causa (origem e identificação do Espírito comunicante). Como a Escala Espírita (veja O Livro dos Espíritos, item 100 e seguintes) compreende uma variedade considerável de níveis evolutivos espirituais, dá-se que qualquer um deles possa, a princípio, se comunicar (guardadas, é claro, as proporções em função das limitações ao exercício das faculdades espirituais – para uns mais que outros, em função do nível evolutivo individual). Deste modo, a avaliação de toda e qualquer mensagem obtida mediunicamente há de passar pelo crivo de duplo exame quanto aos componentes de inteligência e moralidade, para a consideração da mesma como pertencente a um dos gêneros acima apresentados.

Um destaque, ainda, neste parâmetro se faz necessário, justamente porque no grupo das comunicações sérias, há uma subdivisão entre as verdadeiras e as falsas, quando, no dizer dos Espíritos Superiores, certos comunicantes desencarnados “[...] para melhor acreditados se fazerem e maior importância ostentarem, não escrupulizam de se adornarem com os mais respeitáveis nomes e até com os mais venerados” (item 136, da obra comentada), razão pela qual, nestes casos, o exame técnico apontaria para a falsidade de ditos pronunciamentos.

Considerando que a mediunidade psicográfica é o meio mais simples, cômodo e, sobretudo, completo (item 178), principalmente porque, por ele, os Espíritos revelam melhor sua natureza e o grau do seu aperfeiçoamento ou inferioridade e, ainda assim, a natureza das comunicações guarda sempre relação com a natureza do Espírito – trazendo o cunho da sua maior ou menor elevação, seu saber ou sua ignorância (item 185).

Também é necessário avaliar (ou estudar) as qualidades do médium (instrumento oferecido ao Espírito), em cotejo com as do comunicante, pois disso depende a eficácia do resultado pretendido – a comunicação (item 186). Nesta análise, deverão pontuar não somente a ética, a honestidade e o desprendimento do primeiro, na execução da tarefa, quanto a questão do seu adequado preparo para a atividade medianímica, posto que o descuido ou a falta de zelo para com o momento (ou a própria atividade espiritual) podem ser – e são, amiúde – componentes que comprometem a lisura, a finalidade e a autenticidade da comunicação. Assim, tanto podemos estar diante de situações em que há fraude (material, do médium), quanto mistificação (espiritual), conforme visto acima, pelo desejo do Espírito em “passar-se por outro”.

Kardec enuncia (item 191, 1º) a existência, em relação aos médiuns escreventes (psicógrafos), da categoria “polígrafos” que alteram, quando mediunizados, a escrita (em relação ao seu modo ordinário de escrever) – opção mais vulgar, no sentido de que quase todos os escreventes assim atuam – ou, num tipo mais raro, conseguem reproduzir a escrita do “morto”, sem falsidade – como assaz já ocorreu em episódios de utilização de cartas psicográficas como prova em processos judiciais, comprovada, por exame grafotécnico, a autenticidade.

Como o que teria levado, pretensamente, Chico a convencionar um meio de comprovação da autoria das mensagens, seria a possibilidade (real) do aparecimento de médiuns charlatães ou iludidos, vale a remissão ao item 196, que trata da categoria “médiuns imperfeitos”, dentre os quais existem os fascinados (iludidos por Espíritos enganadores) e os presunçosos (que pensam estar somente em contato com Espíritos superiores). Vale lembrar que a questão “identidade” do comunicador é elemento que requer experiência e manda a prudência sempre se desconfie da origem (item 211). Ademais, somente o estudo acerca da natureza das comunicações, com ênfase às circunstâncias e à linguagem utilizada poderão ser úteis à constatação de veracidade ou não, ou da maior ou menor interferência anímica no processo.

De outra sorte, tem-se que as qualidades morais do médium sejam importantes para afastar os Espíritos imperfeitos (que desejem se fazer passar por outros), mas elas por si só não são suficientes para a aferição da verdade nas comunicações, porque muitos instrumentos deste jaez recebem mensagens frívolas ou grosseiras, razão porque se insiste na adoção de metodologia de verificação de meios e resultados. Ou, como bem asseveram os Espíritos a Kardec (item 226), em alguns casos, podemos conhecer em parte ou até superficialmente os médiuns, pelo que eles se nos apresentam, mas não podemos penetrar nos escaninhos de suas almas. No primeiro plano, teríamos a possibilidade do comunicador enganar o comunicante, e, no segundo, provavelmente, um conluio entre um e outro para enganar terceiros.

No campo das mazelas humanas, a que o movimento e as instituições espíritas não estão isentos ou protegidos, porquanto seja condição inerente à falibilidade humana, podemos encampar a existência dos chamados médiuns interesseiros, que “[...] não são apenas os que porventura exijam uma retribuição fixa; o interesse nem sempre se traduz pela esperança de um ganho material, mas também pelas ambições de toda sorte, sobre as quais se fundem esperanças pessoais” (item 306). Neste sentido, prudência e vigilância são altamente recomendáveis.

No componente afeto à prova da identidade do Espírito comunicador, o próprio Kardec – com supedâneo nas instruções espirituais – aponta-a como a segunda maior dificuldade para os médiuns e para o trabalho espírita, logo após a obsessão (item 255). A visualização da identidade (ou a identificação de nossa parte em relação a quem dita mensagens) passa a ser questão secundária, corriqueiramente de importância para nós, humanos, quando deveríamos em larga escala nos preocuparmos com o “nível”, o conteúdo das mensagens e o seu proveito, não individual, mas coletivo, direcionado ao proveito e à evolução do orbe (o Espírito deve ser julgado por suas qualidades não por suas insígnias).

No caso chicoxavieriano, nada valem a assinatura e a pomposidade da comprovação do código pretensamente deixado. Como atestam os Benfeitores Espirituais (item 257), “Muito mais fácil de se comprovar é a identidade, quando se trata de Espíritos contemporâneos, cujos caracteres e hábitos se conhecem, porque, precisamente, esses hábitos, de que eles ainda não tiveram tempo de despojar-se, são que os fazem reconhecíveis e desde logo dizemos que isso constitui um dos sinais mais seguros de identidade”. Custa-nos aceitar e crer, por isso, que três pessoas que teriam sido bem próximas do uberabense houvessem de ser “convencidas” por símbolos, já que, mostrando-se claramente interessadas na confirmação da autoria espiritual, se comparecessem ao lugar e junto ao médium que houvera recebido a manifestação, e presenciando novo evento, poderiam atestar, com base em elementos conhecidos (por eles) da personalidade do falecido, a veracidade da comunicação, utilizando, para tal, sistemática apropriada ao trabalho medianímico. Do contrário, preferem se basear em elementos “místicos”, conferindo um certo ar de “mistério” às comunicações que julgarem ser verdadeiras, eliminando o esforço de interpretação à luz da filosofia espírita. Guardadas as devidas proporções, tratamos o caso presente, se assim baseado, como “sobrenatural” e “misterioso”, longe da abordagem e da cátedra espiritistas, bem ao sabor das “revelações” de santos e mártires existentes em igrejas como a católica, que não possui um rito de análise e sistemática para sua ocorrência, os reconhecendo, apenas, como “milagres”.

Bem distante de tentarmos “nos defender” de mistificações ou falsidades, bem como de possíveis investidas contra o “nome” e a “reputação” do querido “Cisco de Deus”, como Chico se autodenominava, melhor seria investirmos maciçamente no preparo e na qualificação de trabalhadores e instituições espíritas, seguindo os conselhos fraternais daquele que foi incumbido de sistematizar a Doutrina Espírita: Kardec. Mas, como pouco ou quase nenhum valor damos à sua magistral obra, apesar de ostentarmos a adjetivação “espírita”, continuamos, em regra, abandonando os procedimentos e a metodologia por ele ensinada e praticada, mesmo que ele tenha, em muitos casos, alertado e prevenido os profitentes espíritas para os riscos a que o Espiritismo se acharia sujeito. Repisando as orientações básicas, temos: “Se o ser enganado é desagradável, ainda mais o é ser mistificado” (item 303).

Mais curioso ainda é o fato de que precisemos nos valer de “sinais secretos” para confirmar o que os nossos olhos críticos de atenção aos fenômenos (com base no estudo e no método genuinamente espíritas) poderiam atestar ou afastar. Em complemento, ou não estamos preparados para tal atividade, ou estamos alinhados ao grupo dos “pseudo-espíritas” que, por ainda não conhecerem a fundo os princípios espiritistas, “[...] se deixam facilmente iludir pelas aparências, ao passo que um prévio estudo atento as inicia, não só nas causas dos fenômenos, como também nas condições normais em que eles costumam produzir-se e lhes ministra, assim, os meios de descobrirem a fraude, se existir” (item 316).

Do contrário, como os Instrutores Espirituais mesmo afiançam, “[...] a melhor garantia está na moralidade notória dos médiuns e na ausência de todas as causas de interesse material, ou de amor-próprio, capazes de estimular-lhes o exercício das faculdades mediúnicas que possuam, porquanto essas mesmas causas poderiam induzi-los a simular as de que não dispõem” (item 323), exame que espíritas sinceros e devotados, acostumados com a seriedade dos trabalhos e a experimentação mediúnica, poderiam (e podem) realizar sem maiores contratempos ou dificuldades.

Nosso dever, assim, deve ser endereçado à recomposição do método kardequiano, uma volta às origens, por fidelidade ao seu pensamento e por respeito à proposta espiritista de tratamento e consideração da mediunidade. E, para isso, mister se faz que revivamos seus ensinos e os complementemos, com nossa observação e vivência atual, em novos experimentos e principalmente na utilização da sistemática de apreciação da fenomenologia mediúnica tal qual Kardec no-la apresentou nos livros básicos.

Conclusivamente, lamentamos que chegue à mídia – por intenção dos próprios envolvidos e por uma suposta interferência do próprio Chico, desde que considerada verdadeira a hipótese do código ter sido “combinado” por iniciativa do próprio médium mineiro – a história de que precise haver uma forma “criptografada” de confirmação da autenticidade de pretensas comunicações mediúnicas, já que o Codificador, de modo pontual e digno de reconhecimento, estabeleceu, em concurso com os Espíritos Superiores, a metodologia de trabalho espírita para a consideração da mediunidade, com base nos critérios espíritas (contidos, principalmente, em O livro dos médiuns) e nos legou, como principal trabalho na ambiência espírita, a utilização da fé raciocinada, da lógica racional e dos princípios afetos ao Consenso Universal dos Ensinos dos Espíritos (CUEE) como base para a nossa atividade medianímica e para a continuidade dos trabalhos de difusão da mensagem espírita.

Estes elementos são suficientemente válidos para que nós, espíritas interessados e estudiosos, possamos aferir se esta ou aquela comunicação atribuída ao “mineiro do Século” passado, possam ser verdadeiras. De nossa parte, acreditamos que tanto o Chico quanto qualquer outro benemérito do trabalho espírita se comuniquem para nos dar o testemunho da continuidade do seu trabalho, embora, sinceramente, não precisemos disso para “alimentar” nossa crença racional.

Desejável seria que não existissem médiuns orgulhosos ou vaidosos, inescrupulosos em relação à tentativa de “adulteração” de mensagens ou do “reconhecimento público” de seus prodígios mediúnicos, assim como adeptos, freqüentadores e simpatizantes que, sem a cautela, o estudo e o preparo devidos, dentro da ciência e da filosofia espíritas, “em tudo acreditem”, dando sustentação a circunstâncias e eventos que, com o mínimo de rigor técnico-científico espírita, poderiam ser, de pronto, rechaçados.

O que faz a falta da continuidade do método kardequiano ao nosso movimento!

“[...] a luz sempre chega ao que a deseja receber. Todo aquele que queira esclarecer-se deve fugir às trevas e as trevas se encontram na impureza do coração.” 

Espírito de Verdade, O Livro dos Médiuns, item 226, in fine.

Nota

O conteúdo da reportagem em comento, na citada revista, pode ser acessado em
http://www.terra.com.br/istoe/ 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita