EUGÊNIA PICKINA
eugeniamva@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil)
O medo e seus
disfarces
Há muitas
pessoas que
temem as
mudanças, mesmo
que elas
impliquem uma
abertura para
algo melhor ou
mais verdadeiro.
Mira y López nos
diz que o medo,
além de ser um
de nossos mais
antigos inimigos
anímicos, é
também muito
astuto e se
dissimula por
meio de diversas
máscaras a fim
de ludibriar o
ego e mantê-lo
no escuro,
distanciado da
iluminação do
Self (*).
Segundo esse
autor, eis
alguns dos
disfarces mais
utilizados pelo
medo:
−
timidez: uma
pessoa tímida é
uma pessoa que
sofre, “de forma
permanente, uma
atitude de medo,
ante o fracasso
ou o ridículo em
seus intentos de
relações
sociais”; (1)
−
pessimismo: não
há dúvida que o
pessimista, além
de alguém que
somente vaticina
desgraças, é um
indivíduo que,
em razão desse
comportamento
negativo
contumaz, revela
seu medo
dissimulado. No
entanto, a
opinião popular
não se engana
facilmente e
assevera que o
“pessimista
‘busca a
alegria, mas
falta-lhe
coragem para
conquistá-la”;
(2)
−
ceticismo: é
“primo irmão do
anterior, e,
portanto, íntimo
parente do medo.
(...) O cético –
quando não é um
vulgar poseur
– também é
crente, mas um
crente absurdo,
pois crê que não
crê, isto é,
estima não
estimar, tem fé
na falta de fé:
valoriza a
desvalorização”.
(3)
Na pista de Mira
y López, é
possível
perceber outro
disfarce, usado
pelo medo, que
provoca
conseqüências
igualmente
perversas: o
medo de se
conhecer.
Muitos
estudiosos do
ser acreditam
que o medo do
autoconhecimento,
na verdade, está
enraizado no
próprio medo de
fazer. Há um
desejo oculto de
não se querer
saber para não
se ter que fazer
e, por
conseqüência,
nada para
assumir. E,
nesse propósito
estagnador,
continuar o
sujeito a dar
guarida para a
inação, para a
dependência,
inegável
vestígio da
irresponsabilidade.
Na verdade,
muitos ainda
estão à procura
de alguém, de
uma instituição,
de um lugar que
lhes digam o que
é certo e o que
é errado. Logo,
de alguém ou de
algo que os
isente do
exercício da
liberdade.
É interessante
observar que
somente a
responsabilidade
pelas próprias
escolhas e atos
é apta a
personalizar o
indivíduo e
fazê-lo livre.
Ainda, cada
passo dado em
direção à escuta
do próprio mundo
interior, com
todas as
dúvidas,
aflições e
resoluções que
isto pressupõe,
é sinal de
avanço rumo à
identidade,
segundo as
exigências da
diferenciação.
James Hollis
sustenta que ser
“adulto não tem
praticamente
nada a ver com
tamanho ou
idade, e sim com
o nível de
consciência e de
responsabilidade
pessoal, até
onde a pessoa
tenha evoluído”.
(4)
Com isso,
alimentar uma
sistemática
evitação da dor
e das
conseqüências
das próprias
ações (ou
inações), por si
mesmo e pelos
outros,
inevitavelmente
são ainda alguns
sintomas de
medos mal
interpretados e
que precisam ser
superados. Em
nossa era
contemporânea,
quantos
“confortos” para
o ser humano,
quantas fugas
enraizadas, por
exemplo, nos
objetivos de
“não sentir
dor”, que, na
verdade,
obedecem aos
padrões que
atenuam ou
atrasam a
jornada de
evolução da
consciência.
Em nossas
existências,
quantas vezes
não ficamos
apegados aos
“estáveis”
refúgios das
mesmices, no
lugar de
corrermos o
risco das
mudanças, que
poderão ser
salutares e nos
fazer pessoas
melhores?
Como afirma W.
H. Auden (5):
Preferimos nos
arruinar a
mudar,
Morrer nas
garras de nossos
pavores
Que subir à cruz
do momento
E deixar que
nossas ilusões
morram.
Não podemos
ignorar o fato
de que a vida
nos conduz a
momentos dos
quais não
podemos recuar.
Vivemos também
para fazer a
experiência com
a Sombra a fim
de que nos
transformemos e,
por acréscimo,
nos humanizemos,
pois precisamos
entrar, de algum
modo, na
profundeza da
nossa condição
humana e, com
isso,
obrigar-nos a
amar nossos
inimigos
internos, isto
é, a parte de
nós que
recusamos para,
depois disso,
aprender a não
ter medo do
nosso medo, pois
somente assim
nos tornaremos
mais livres e
mais
verdadeiros.
Há um ditado que
diz: “dize-me
o que tanto
temes e te direi
o que desejas”.
Na trilha da
compreensão
desse temor
secreto que se
insere em cada
criatura,
suspeito que
nossos medos,
rasos ou
profundos,
deveriam ouvir,
com atenção, a
mensagem de
Nelson Mandela
(**):
Nosso medo mais
profundo não é o
de sermos
inadequados.
Nosso medo mais
profundo é de
sermos poderosos
além da medida.
É a nossa luz,
não nossa
escuridão, o que
mais nos
assusta.
Nós nos
perguntamos:
‘Quem sou eu
para ser
brilhante,
interessante,
talentoso e
fabuloso?’
Na realidade,
quem é você para
não ser?
Você é um filho
de Deus.
Fazer papel
pequeno não
serve ao mundo.
Não tem nada de
iluminador em se
encolher de
forma que outras
pessoas em volta
de você não se
sintam
inseguras.
Nós nascemos
para manifestar
a glória de Deus
que está dentro
de nós.
E não está só em
alguns de nós,
está em todo
mundo.
E quando
deixamos a nossa
própria luz
brilhar,
inconscientemente,
damos a outras
pessoas
permissão para
fazerem o mesmo.
Quando nos
libertamos dos
nossos medos,
nossa presença
automaticamente
liberta os
outros!
Bibliografia:
(1) MIRA Y
LÓPEZ, Emilio.
Quatro
gigantes da alma.
Tradução
revisada e
prefaciada por
Cláudio de
Araújo Lima. 20
ed. Rio de
Janeiro: José
Olympio, 2000,
p. 46.
(2) Opus. Cit.,
p. 47.
(3) Idem,
p. 48.
(4) HOLLIS, J.
Rastreando os
deuses: o lugar
do mito na vida
moderna.
Tradução de
Maria S. Mourão
Netto.
São Paulo:
Paulus, 1997, p.
159.
(5) AUDEN, W. H.
“The Age of
Anxiety”,
in Collected
Poems.
Random House.
Nova York, 1976,
p. 407.
(*) Self:
arquétipo
central, de
acordo com o
conceito de C.
G. Jung, ou
seja, pode ser
entendido como o
arquétipo da
ordem e da
totalidade da
personalidade ou
como o fator
interno de
orientação. Cf.
Jung, C. G.
Fundamentos da
Psicologia
Analítica.
SP: Vozes, 1985.