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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 30 - 9 de Novembro de 2007

JOSÉ CARLOS MONTEIRO DE MOURA
jcarlosmoura@terra.com.br
Belo Horizonte, Minas Gerais (Brasil)
 

Fanatismo evangélico
 

O fanatismo aqui cogitado não é o que se atribui, costumeiramente, aos seguidores das seitas neopentecostais, rotulados até com um certo sentido pejorativo de evangélicos ou crentes. Seu destinatário são os entusiásticos intérpretes literais do Velho e Novo Testamentos, os quais, muitas vezes, se esquecem de que os seus conteúdos nem sempre correspondem à verdade, porquanto passíveis das conhecidas deturpações que, no decurso dos séculos, sofreram em face de interesses e de conveniências temporais.

Temos constatado que, no meio espírita, existe um bom número de companheiros que se mostram entusiasmados com essa corrente. Em face disso, acabam por se envolver em intrincados torneios verbais, procurando o melhor sentido ou explicação para determinada palavra supostamente empregada pelo autor do Evangelho. Enquanto isso, o principal, a mensagem ética e superior legada e exemplificada por Jesus, é relegada ao plano secundário.  O grande perigo reside, contudo, na aparente e pretensiosa intenção de atingirem, mediante tautológicos jogos de palavras, o sentido mais profundo desse ou daquele texto.    

Tais situações já se tornaram lugar comum nas discussões de tais pessoas, razão pela qual não existe, a nosso ver, nenhum motivo mais sério que impeça a alusão a elas. Ademais, têm sido objeto de estudos e de palestras públicas, cercadas, inclusive, de ampla cobertura publicitária. O que se visa é apenas e tão-somente alertar, sobretudo os iniciantes na Doutrina, para a grande perda de tempo que significam, uma vez que não levam a lugar nenhum, e desviam a atenção dos neófitos para o lado meramente formal ou exterior do Evangelho.    

Recentemente, tivemos oportunidade de participar de uma atividade de estudos doutrinários, nos quais a parte concernente ao Evangelho esteve sob a responsabilidade de renomado expositor e seguidor desse modo de agir.

O primeiro tema cogitado contém uma das mais significativas mensagens de esperança e de reconforto pronunciadas por Jesus: “Vinde a mim todos vós que estais aflitos e sobrecarregados e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei comigo que sou brando e humilde de coração e achareis repouso para vossas almas, pois o meu jugo é suave e meu fardo, leve” – Mateus, 11:28/30.  

O responsável pela exposição, relegando a plano secundário, não se sabe se consciente ou inconscientemente, o profundo apelo de retomada de posição do ser humano diante das agruras da vida, e as conseqüências benéficas que isso pode implicar, desde que ele se sujeite às normas de conduta (social e individual) traçadas, apregoadas e vivenciadas por Jesus, demorou-se sobre dois únicos e exclusivos aspectos: o fato de alguns evangelhos usarem a expressão “oprimidos” no lugar de “sobrecarregados” (como é o caso de João Ferreira de Almeida) e a discussão a  respeito da origem e significado do verbo tomar, aliada à  circunstância de Jesus o ter empregado no imperativo!

Todo o restante da narrativa foi simplesmente esquecido e cedeu lugar a uma prolixa e acadêmica discussão sobre esses dois temas, inteiramente distante da compreensão da grande maioria dos presentes. Tal atitude não deixa de ser passível de crítica, em virtude da pouca ou nenhuma valia do caminho a que conduz. Um dos inúmeros aspectos de suma importância que esta conclamação de Jesus comporta diz respeito à promessa que fez ao ser humano. Não prometeu a cura milagrosa de seus males, mas apenas o seu alívio, o que implica tornar mais suave a longa e penosa jornada da humanidade no caminho da evolução e da perfeição final. O fardo dos erros, defeitos e falhas acumulado no curso dos milênios vai sendo, paulatinamente, deixado à beira da estrada e substituído pelas qualidades e virtudes de que  um dia será detentora.

O alívio por ele proclamado significa, portanto, uma melhor compreensão de todos os problemas terrenos e de suas causas, além de propiciar, a quem detém o ônus de esclarecer o público, a formulação de uma idéia mais compatível com a sua capacidade de entendimento (dele, público) da Justiça Divina e de seu mecanismo operacional, cujo fundamento básico é a reencarnação.

Daí advém uma série de conotações e de correlações O exercício do amor e da caridade, a fé embasada na lógica, na razão e no conhecimento, a vivência evangélica, entremeadas da esperança na vida futura e na certeza da correção das decisões da Justiça Divina, são temas que jamais poderiam ser preteridos a favor de questionamentos de total irrelevância doutrinária e que, a nosso ver, servem somente para afastar os iniciantes das reuniões doutrinárias.

Ainda no curso de tal trabalho, foi feita uma abordagem sobre o lava-pés (João, 3: 1/10). O mesmo expositor centrou todo o seu discurso em torno do verbo deitar (“Depois deitou água numa bacia...”), questionando as razões por que o evangelista usou tal verbo, quando poderia perfeitamente ter empregado os verbos pôr, colocar, derramar etc., para concluir enfaticamente que deitar era uma expressão mais educada, suave e meiga, inteiramente consentânea com a natureza de Jesus. Posteriormente, passou a discutir por que motivo Jesus, no versículo 13, se afirma Mestre e Senhor, e, a seguir (14), se diz Senhor e Mestre.

Foram longos e intermináveis minutos na vã tentativa de explicar a diferença ontológica entre uma expressão e outra, quando o mais importante, a enorme demonstração de humildade dada por Jesus, que, segundo suas próprias palavras, deveria ser tomada como exemplo para ser seguida por todos, não foi sequer cogitada!

Tais atitudes, improducentes e até pedantes, podem ser tidas, a um primeiro exame, como a conseqüência do estudo apressado e mal conduzido da Doutrina, fato para o qual as Casas Espíritas devem estar devidamente preparadas para evitar. Revelam, por outro lado e quase sempre, um grande grau de vaidade da parte dos encarregados de tais estudos, fato que deve ser levado em conta como demonstração de seu despreparo para a função. Além disso, contrariam, frontalmente, a simplicidade e a total ausência de formalismo da pedagogia de Jesus. Ademais, não se prestam a formar seres humanos renovados sob a ótica da moral evangélica, mas a meros repetidores de textos evangélicos, numa atitude que se acha muito próxima de uma forma de fanatismo incompatível com a fé raciocinada defendida e preconizada por Allan Kardec.  
 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita