Este livro, como os
demais psicografados por
Carlos Antônio Baccelli,
contém bons ensinamentos
e exemplos edificantes,
cuja presença, na obra,
só pode ser atribuída à
tentativa de legitimar o
resto do conteúdo,
habilmente trabalhado
por Espíritos que se
dedicam ao combate ao
Espiritismo. Essa
mistura intencional de
joio com trigo tem
levado muitos leitores à
aceitação de revelações
mirabolantes, não raro
vazadas em linguagem
grotesca, fanfarrônica,
na pretensão de ser
hilária. Essa aceitação
se deve ao
desconhecimento das
obras da Codificação e
das subsidiárias, de
bons autores encarnados
e desencarnados.
O Espírito que se
comunica através do
médium Baccelli declara
ser o Dr. Inácio
Ferreira, espírita
militante, eminente
médico psiquiatra, que
dirigiu o Sanatório
Espírita de Uberaba
durante cinqüenta anos.
Nesta obra, como em
outra, “Sob as Cinzas do
Tempo”, o Autor relata
um determinado período
de sua vida na Terra,
como diretor-clínico
desse Sanatório,
apresentando-se sem a
menor preocupação de
demonstrar alguma
renovação espiritual,
depois de mais de quinze
anos de desencarnado.
Até entende-se que
relate seus equívocos de
quando encarnado, mas
não com esse tom de
desafio com que sempre
se apresenta quando se
refere ao hábito de
fumar, à sua franqueza
rude, à sua impaciência.
Será que depois de todo
esse tempo no Mundo
Espiritual, convivendo
com Espíritos
Superiores, conforme
relato dele próprio, não
aprendeu nada que o
pudesse orientar no
sentido de dar às suas
obras um caráter
consentâneo com a
Doutrina que diz
professar, que é o da
educação, do
aprimoramento da alma?
É-nos difícil aceitar
que um médico que deixou
uma contribuição valiosa
à medicina psiquiátrica
nos seus cinqüenta anos
de profícuo trabalho,
agora se torne um
simples comentarista de
fatos banais da sua vida
enquanto encarnado,
usando a mediunidade e o
nome do Espiritismo.
Seria possível alguém
descer da cátedra de
eminente instrutor de
terapias psiquiátricas,
à luz do Espiritismo,
para tornar-se um
contador de histórias
corriqueiras? Em quase
todas as suas obras, ele
fala do seu hábito de
fumar: no livro “Do
Outro Lado do Espelho”,
ele fala vinte e cinco
vezes que acendeu um
cigarro; neste, onze,
sem que em nenhuma delas
mencione, ainda que de
leve, os malefícios do
fumo.
Essa obra, como as
outras, é catalogada
como romance. Por que um
psiquiatra desencarnado
não nos brindaria com
conhecimentos avançados
hauridos no Mundo
Espiritual? Imaginemos
quantos ensinamentos
poderiam ser passados
aos psiquiatras
espíritas, se o Autor
usasse o seu tempo e a
faculdade do seu médium
para uma ampliação dos
conhecimentos da
psiquiatria à luz do
Espiritismo...
Analisemos algumas
passagens do livro, que
transcrevemos em
negrito:
O casal se despediu e,
mal havia entrado no
carro estacionado lá
fora, terminei de entrar
no hospital aos berros,
assustando os próprios
gatos que me esperavam
para o almoço:
— Quem é o infeliz
escalado para o turno da
noite e que deve ter
dormido?...
Conhecendo-me a têmpera,
Manoel Roberto me
seguia, alguns passos
atrás, na expectativa de
que aquela crise – uma
das muitas que me
acometiam semanalmente –
passasse.
— Vamos, quem é o macho
que vai se denunciar?...
Quero esfolá-lo vivo!
Aqui ninguém é pago para
cochilar no serviço. Se
não aparecer o culpado,
vou escolher qualquer um
e demiti-lo.
Depois de uns quinze
minutos, quando a
fervura íntima começava
a se acalmar, caminhou
na minha direção um
pobre coitado que eu
empregara para tirá-lo
do alcoolismo.
— Foi você, não foi? –
gritei com o dedo em
riste, entre uma e outra
baforada de cigarro. —
Você é um ingrato! Deve
estar querendo voltar
para a sarjeta... Você
sabe que a minha cabeça
vive a prêmio na cidade;
se alguma coisa de pior
tivesse acontecido ao
rapaz, eu estaria
perdido... Não passam de
um bando de
incompetentes. Vocês
deveriam estar tomando
conta de um bordel, não
de um hospital.
(38/39)
Esse, o equilíbrio de um
médico psiquiatra
espírita? Se eram esses
seus modos quando na
Terra, como transcreve
isso sem nenhum
comentário? Além do
mais, é de se notar a
falta de organização
reinante no Sanatório,
onde ninguém sabia quem
estivera de plantão...
Mas, a exibição de mau
humor continua:
Após ter vomitado
impropérios à vontade...
— Afinal, quem manda
nesta espelunca?...
— O senhor, Doutor...
— Quem dita as normas
aqui? – questionei,
aproveitando para um
recado indireto às
cozinheiras, que viviam,
nos bastidores,
reclamando da minha
criação de gatos.
(40/41)
Depois dessa
demonstração de ausência
completa de boas
maneiras, da falta
daquela autoridade que
emana do respeito e do
equilíbrio, dada pelo
diretor, o
enfermeiro-chefe pondera
que o funcionário que
estava para ser demitido
havia cochilado porque
estava dobrando serviço
havia quinze dias, e que
era pai de cinco filhos,
às vésperas do sexto.
Ouvindo essas
ponderações do defensor,
desiste da demissão, mas
faz uma advertência
desrespeitosa à vida
íntima do funcionário:
— Mas, você avise o
safado do Silva para
deixar de incomodar a
pobre da mulher durante
o dia e dormir. Seis
anos de casados, cinco
filhos. Uma explosão
demográfica sem
precedentes e tudo
para o Sanatório
custear, não é?
(41/42)
E demonstração da falta
de serenidade e mesmo de
delicadeza prossegue, ao
ser informado de que uma
moça o esperava para uma
consulta particular:
— Particular, só na
minha casa. Eu já me
cansei de explicar a
vocês.
— Ela está chorando...
— E isso aqui é o “muro
das lamentações” – um
chora aqui, outro chora
de lá... Eu é que sou
obrigado a viver com os
olhos secos, consolando
todo o mundo.
— Vai-se ver, Doutor,
que na outra
encarnação... –
intrometeu-se uma morena
redonda, das melhores
cozinheiras que já
passaram pelo Sanatório.
— Cuide de suas
panelas... Como é que
pode ir adiante um
hospital de loucos em
que até a cozinheira dá
palpites? Que outra
encarnação, que nada!...
É a primeira vez que
estou vivendo no meio
dessa corja – primeira e
última, se Deus quiser.
A morena sorriu e
caminhou requebrando com
sua pesada traseira, não
dando a mínima para o
que eu havia falado.
(42)
É difícil crer que o
médico sério que
escreveu os livros
“Novos Rumos da
Medicina” (2 volumes) e
“A Psiquiatria em face
da Reencarnação” não
teria nada a aduzir a
essas obras, agora, com
o seu saber enriquecido
pela experiência que o
exercício da Psiquiatria
no Mundo Espiritual lhe
estaria propiciando,
nessas quase duas
décadas de desencarnado.
Mas, ao invés disso,
demonstra um prazer
mórbido de tratar mal
uma funcionária,
subalterna sua, num
linguajar próprio de
mesa de bar, freqüentado
por pessoas que vivem
longe do Evangelho.
— Quem é Mãe Joana? –
indagou, ingênua, a
funcionária.
— Sou eu – respondi,
enquanto, ao invés de
acender um cigarro,
cheirava um rapé que me
fazia espirrar até a
alma. — A Mãe Joana sou
eu; noutra encarnação,
eu botei uma filharada
no mundo e agora tenho
que agüentar vocês nas
minhas tetas...
(51)
Torna-se até difícil
comentar uma passagem
como essa, tanto pela
linguagem vulgar, quanto
pelo conteúdo. Parece
que esse Espírito tem um
prazer mórbido de se
mostrar irreverente,
revoltado, através
dessas expressões que,
no mínimo, são de mau
gosto e demonstram um
estado-de-espírito
incompatível com alguém
que se propunha a tratar
de doentes mentais.
Porém, profanando o
ambiente, eu não
resisti. Antes de me
levantar e ir embora,
aproximei os lábios de
seu estúpido conduto
auditivo e
sussurrei-lhe,
pausadamente, certos
termos chulos que quase
todo menino da rua sabe
dizer! O homem arregalou
os olhos, as suas faces
ficaram congestas e eu
pensei que, ao invés de
um, teríamos dois
cadáveres expostos no
salão...
(91)
Essa, a reação do Dr.
Inácio ante uma proposta
de trabalho na Faculdade
de Medicina, que lhe
fora oferecida, mas que
para aceitá-la teria de
renunciar a direção do
hospital, ou concordar
que fosse encampado pela
referida Faculdade.
Aqui já se trata de um
caso de falta de
educação! Será que o Dr.
Inácio usaria esse
vocabulário no círculo
que diz freqüentar no
Mundo Espiritual?
Quando ambos se
retiraram, recostei-me
na poltrona giratória e
acendi um enganoso
cigarro, procurando
descansar o pensamento.
Eu tentara dar àquela
mãe sofredora o que,
muitas vezes, não
possuía nem para o meu
próprio consumo, ou
seja, – fé!
(140)
Como é que alguém que
diz dirigir trabalhos de
desobsessão podia ser
assim tão vacilante na
fé?
— Se você conta com a
aprovação e o apoio de
um homem como Chico
Xavier, dê uma banana
para o resto – comentei
indignado.
(232)
Será que essa indignação
legitimaria esse
conselho tão grosseiro?
Eu estava espiando pela
vidraça, perdido com os
meus pensamentos nas
espirais de fumaça do
cigarro que fumava,
quando vi estacionar um
carro no pátio do
hospital e descerem,
esbaforidos.
— Tolos! – resmunguei. —
Idiotas! – repeti não
satisfeito. — Duas
bestas quadradas,
apeando de um carro de
luxo! – praguejei,
tossindo...
(250)
É claro que eu estava
exagerando; o garoto não
tinha nada a ver com
aquelas duas,
desculpem-me,
toupeiras... Eu nunca
haveria de xingá-los o
suficiente pela proposta
que ambos haviam sido
capazes de me fazer. (E
vocês, que estão me
lendo agora, não pensem
que eu, o Dr. Inácio
Ferreira, fosse
diferente de qualquer um
de vocês – o meu arsenal
de palavras grosseiras
era considerável!)
(251)
Embora esse Espírito
diga o contrário, não
resta a menor dúvida de
que ele é realmente
diferente da grande
maioria dos espíritas.
Se não, o que vale a
Doutrina? Essas
demonstrações de falta
de refinamento
espiritual não se
coadunam com o que se
espera de um
psicoterapeuta que se
proponha à cura de
doentes da alma,
principalmente dentro
dos parâmetros do
Evangelho. É de se notar
o quase-orgulho com que
esse Espírito fala de
sua grosseria e da sua
capacidade de agredir.
Como é que uma pessoa
que se ufana da sua
brutalidade pode
concitar alguém à
mansuetude, à calma, ao
perdão, numa reunião
mediúnica, como ele diz
ter dirigido durante
tantos anos? Será crível
que alguém que diz estar
em contato com Bezerra
de Menezes, Eurípedes
Barsanulfo, Hernani
Guimarães Andrade,
Leopoldo Cirne, Cairbar
Schutel, Batuíra e
outros Espíritos
Superiores, se expresse
de forma tão vulgar e
rasteira?
O meu misterioso
paciente estava de
volta... Chegou à minha
casa num sábado à tarde,
num desses sábados sem
luminosidade, com
excesso de nuvens
escuras no firmamento.
Havia vários meses que
eu não o via.
(261)
— Tem obras publicadas?
— Alguns ensaios apenas;
nada que tenha
repercutido...
— E o seu sotaque?
— Eu já preciso ir,
Doutor — levantou-se,
sem me responder.
— Mandarei, depois, o
dinheiro da consulta...
(273)
No entanto, quando abri
o livreto, quase caí de
costas: um retrato a
bico-de-pena, feito com
tinta nanquim, era a
reprodução exata do
rosto do meu
paciente!... “E. A. Poe”
– dizia o pequeno texto
—, morto em 1918,
vitimado por alcoolismo.
Contista e poeta
norte-americano que,
infelizmente, nos deixou
tão cedo — aos 39 anos
de idade.” (275/6)
O relato acima começa
com um equívoco: Edgar
Allan Poe nasceu em 1809
e desencarnou em 1849. A
falta de cuidado ao
montar toda essa
história chega a ser
ofensiva à argúcia e à
inteligência dos
leitores, pois quem há
de acreditar que um
médico, por mais
desorganizado que fosse,
teria atendido um
cliente, repetidas
vezes, sem ao menos
saber-lhe o nome, a fim
de fazer, numa ficha
própria, as anotações
referentes às consultas?
Os trechos acima são
fragmentos de algumas
consultas que o Espírito
Edgar Alan Poe –
aproximadamente um
século após a sua
desencarnação – teria
tido com o Dr. Inácio,
sem o concurso de um
médium, pelo fato de
esse Espírito estar
materializado, falando
Português fluente,
apenas com sotaque.
Tal comunicação não
encontra apoio em
nenhuma obra espírita.
Pelo contrário, André
Luiz, na obra “Os
Mensageiros” (cap. 18),
relata o que ouviu de
Alfredo, relativamente
ao socorro a
desencarnados na guerra:
“Mas não há
dificuldade no socorro a
essa gente? – indagou
Aniceto em tom grave. —
E a questão da
linguagem? — Os serviços
de socorro, apesar de
intensos na Europa, têm
sido muito bem
organizados, explicou
Alfredo; para cada
grupo de cinqüenta
infelizes, as colônias
do Velho Mundo fornecem
um enfermeiro-instrutor,
com quem nos possamos
entender, de modo
direto.”
Há, ainda, referência ao
problema lingüístico
entre Espíritos nas
obras: “Voltei”,
“Esperanto como
Revelação”, “Memórias de
um Suicida”, “Além da
Morte”. Entretanto, essa
barreira parece não
existir para o Dr.
Inácio, pois conforme
ele relata em sua obra
“A Escada de Jacó”
(caps. 21 – 26), teria
conversado naturalmente
com árabes encarnados e
recém-desencarnados, no
Iraque, em plena zona de
conflito, sem o concurso
de um médium, nem de um
intérprete... Nem
explicou como pudera, na
sua condição de
desencarnado, conversar
com um menino encarnado
e socorrê-lo, usando
ectoplasma de um camelo
agonizante...
Relativamente à
materialização, Edgar
Allan Poe teria
explicado, noutra
oportunidade, através da
médium Maria Modesto
Cravo, como conseguira
materializar-se para
falar, em várias
oportunidades,
diretamente ao Dr.
Inácio, em seu
consultório, como se
fosse um paciente
qualquer.
O que vou lhes dizer em
seguida – caros leitores
–, ficará a critério de
vocês aceitarem ou não.
Devo ser fiel à verdade
dos fatos.
Prosseguindo pela voz da
médium, o célebre
criador do romance
policial contou:
— Observando-me as
tentativas frustradas de
contactá-lo, um
desconhecido me
orientou:
— “Por que você não se
materializa? Não é tão
difícil assim... É só
conseguir ectoplasma...”
— Ora – explicou a
entidade –, eu jamais
havia ouvido falar em
ectoplasma... “Que
substância é esta?” –
perguntei sem me dar
conta, como das vezes
anteriores, do idioma em
que eu estava me
expressando: eu
pensava em inglês e
ele entendia em
português, exatamente,
Doutor, como está
acontecendo agora.
— “Ectoplasma –
respondeu-me – é fluido
animal; se você
conseguir quantidade
suficiente para se
revestir, poderá
tornar-se visível...”
— De que maneira
obtê-lo? – quis saber,
curioso.
— “Através de um doador
vivo ou... morto.”
— Morto? – questionei,
duvidando que aquela
história toda fosse
verdade.
—“Sim, no cemitério...”
— Poderei encontrar tal
substância
materializante no
cemitério?
—“Não nos corpos em
adiantado estado de
decomposição, mas nos
que morreram
recentes...”
— E o que devo fazer?
—“Mentalize,
plasme-se...” falou o
espírito, que se
retirou.
— Quase a desanimar (Poe
deu seqüência à
inusitada narrativa),
localizei o cemitério e
me pus a esperar um
enterro. Foi difícil,
pois não me consentiam
me aproximar de certos
cadáveres...Algumas
entidades que não
falavam comigo
dispersavam uma matéria
brilhante na atmosfera e
os cadáveres ficavam
vazios. “Aquilo é o
ectoplasma” – pensei.
Depois disso, um enterro
com quase nenhum
acompanhamento chegou ao
cemitério... O corpo
inanimado era o de um
homem que, bêbedo, havia
caído de um andaime;
espessa substância
leitosa ainda lhe
escapava abundante, dos
orifícios e, inclusive,
dos poros, a
praticamente
envolver-lhe toda a
forma física... Dele,
curiosamente, eu pude me
aproximar sem qualquer
embaraço e, após o seu
corpo ter descido à cova
rasa, postei-me ao seu
lado e, com as mãos,
comecei a me cobrir com
aquele tecido
gaseificado... O meu
desespero era tamanho,
Doutor, que eu o
introduzia na boca, eu o
inalava através das
narinas, como se eu
fosse um paciente
hospitalizado recebendo
uma transfusão de
sangue...
— Aos poucos, sem que eu
pudesse explicar o
fenômeno – prosseguiu
dizendo –, fui tomando
forma humana, ou melhor,
retomando-a... Era
interessante observar.
Felizmente, não havia
ninguém por perto... A
imagem que eu conservava
de mim era tão forte em
minha mente, que,
devagar, fui
reconstituindo, com a
força do pensamento,
detalhe a detalhe,
inclusive a própria
indumentária – aquela
que, de hábito, eu
envergava em meus
derradeiros dias no
corpo quando,
infelizmente, tombei
vítima do alcoolismo.
Quando a metamorfose
se completou, a
minha primeira
iniciativa foi a de
procurar um espelho – eu
queria me ver... Saí do
túmulo no qual
praticamente me
encontrava mergulhado e,
percebendo um carro
estacionado à porta do
campo santo, me fitei no
seu retrovisor externo –
era eu, sem tirar nem
pôr! De imediato,
acudiu-me uma déia
à cabeça: – Que bom
seria, se eu pudesse,
sempre me conservar
assim: este corpo
certamente não adoece
e... não morre, não
estando sujeito às
vicissitudes do corpo
feito de carne... De
certa maneira,
inclusive, eu me
remoçara e aquelas
indisposições orgânicas
haviam desaparecido.
A narrativa de Poe me
surpreendia; eu nunca
havia lido nada parecido
a respeito na extensa
bibliografia espírita
especializada.
(282/6)
Analisemos alguns pontos
desse relato inusitado:
Será que pelo simples
fato de se materializar,
um Espírito remoçaria e
se livraria de
indisposições orgânicas?
Ainda mais com o
ectoplasma de um bêbado?
Mas, se ele, só então,
fora tomando a forma
humana, como é que antes
sentia indisposições
orgânicas? O Espírito
disse que materializara
não somente o corpo, mas
também a indumentária.
Como é que o Dr. Inácio,
ao recebê-lo,
materializado, no seu
consultório, não teria
percebido que as roupas
do seu cliente eram de
um século atrás?
Se uma materialização
pudesse ser tão
facilmente obtida, e com
tanta nitidez, que nem o
experiente Dr. Inácio
pôde percebê-la, por que
Espíritos inferiores não
se materializariam
diariamente, a fim de
atuarem na vida física?
Se houvesse tamanha
facilidade de
materialização, nós, os
encarnados, teríamos de
estar sempre atentos, a
fim de verificarmos se
estaríamos vendo e
conversando com um
encarnado ou com um
desencarnado...
No livro “Obreiros da
Vida Eterna” (caps. 15 e
16), lê-se que
trabalhadores do Bem
dissipam na atmosfera
comum as energias
remanescentes no
cadáver, quando o
desencarnado é merecedor
de cuidados, a fim de
que os vampiros não
profanem o corpo, pois
há verdadeiras legiões
de Espíritos que
aguardam os enterros,
disputando essas
energias. Diante disso,
é de se perguntar: como
poderia um Espírito,
recém-informado dessa
possibilidade,
apossar-se – e por
várias vezes – desses
fluidos? Onde estariam
aqueles vampiros, contra
os quais ele deveria ter
lutado?
As várias consultas
teriam sido longas. Como
poderia uma
materialização – fora de
um ambiente preparado –
manter-se durante tanto
tempo? Note-se que o
Espírito diz ter-se
materializado no
cemitério, e de lá se
movimentado até o local
da consulta. E o efeito
da luz? Quem já leu algo
sobre materialização de
espíritos sabe das
restrições quanto à
luminosidade e ao tempo.
O Espírito diz que, aos
poucos, foi tomando a
forma humana. Que forma
tinha o seu corpo
espiritual até então?
Será que ainda não
tivera oportunidade de
ver a si próprio e de
constatar que sempre
tivera a forma humana?
Que forma tinham, ele e
os Espíritos com quem
conversara?
É realmente
impressionante como esse
Espírito, que diz ser o
Dr. Inácio Ferreira,
aproveita-se da ausência
de estudo de muitos
leitores para relatar
algo assim tão
inverossímil. Se a
materialização de um
Espírito pudesse ser
obtida com tanta
facilidade, por que todo
aquele trabalho descrito
por André Luiz na obra
“Missionários da Luz”
(cap. 10)? Note-se que
ali há o trabalho
altamente responsável de
muitos Espíritos, que
conjugam energias
oriundas de um médium e
de outros doadores
encarnados, com
elementos da natureza,
num trabalho
delicadíssimo, que a
simples presença de
alguém que ingerira
alcoólicos poderia
perturbar, não fossem as
providências de
isolamento dessa pessoa.
Paradoxalmente, Edgar
Allan Poe teria dito que
usara as energias
oriundas do corpo,
justamente de um bêbado.