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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 39 - 20 de Janeiro de 2008

ARTHUR BERNARDES DE OLIVEIRA
tucabernardes@gmail.com
Guarani, Minas Gerais (Brasil)

Intervenção espiritual 

Silva Pinto, escritor português, materialista confesso, tinha decidido suicidar-se.  Uma dívida que não podia pagar sugeria o suicídio.  Dois contos de réis! Muito dinheiro para aquela época! Os amigos a quem poderia recorrer eram pobres como ele e os abastados jamais confiariam nele para emprestar-lhe tanto dinheiro. Estava resolvido: iria matar-se.  

Camilo Castelo Branco, já desencarnado e conhecendo, por experiência própria, o sofrimento por que passam os desertores da vida, dirige, através de Fernando de Lacerda, notável mensagem, em que procura tirar, da mente do velho amigo, idéia tão infeliz.

A mensagem mexeu com as convicções do orgulhoso materialista, despertando a dúvida, mas, sozinha, não fora suficiente. Ele precisava de dinheiro, não de conselho. Era o que dizia, em pensamento, ao amigo.

Não queria morrer em casa. Repugnava-lhe expor o cadáver, ensopado de sangue, em sua própria casa, ao desespero de seus familiares. Iria morrer fora.

No Diário de Notícias, jornal de Lisboa, uma senhora oferecia quarto a alugar.   Morava só e passava o dia inteiro fora de casa. Saía cedo e só voltava à noite.  Era o que ele mais desejava: ninguém por perto para testemunhar a sua morte.  Alugou o quarto, deu os últimos miseráveis tostões que possuía, em sinal, e voltou à sua casa para pôr  as coisas em ordem antes da  grande viagem.

Quando retorna ao quarto para consumar a tragédia, a dona da casa ainda estava lá. Estranhamente, não saíra naquele dia. Havia ficado para resolver certas coisas e só sairia mais tarde. Nunca lhe sucedera isso! Silva Pinto resolve sair para esperar o tempo passar e aguardar que a senhora saísse.. Pega o bonde; ao chegar à Praça do Patriarca, desce. Atravessa a Praça a pé. Tivera ali, outrora, horas de prazer. Queria rememorá-las. Vivê-las novamente na hora em que as ia destruir para sempre. Eis senão quando alguém lhe bate no ombro. Era um homem alto, perfeito, tipo belo de homem, com a alma a espelhar-se-lhe no sorriso com que o envolvia.

− Não é o senhor Silva Pinto? − Sim, mas não o conheço. – Conhece sim, sou o Alfredo, o Alfredo dos Anjos.  O senhor tomou-me muitas vezes em seu colo, quando em visita a meu pai. O senhor alegrou minha infância. Quantas histórias que jamais esqueci! Acabo de chegar do Brasil. E lá me lembrava muito do senhor. Ora, Sr. Silva Pinto: eu não sei como vive. Desculpe-me a impertinência; mas os homens de letras nem sempre estão livres de dificuldades. Eu sou rico e devo-lhe saudosas recordações amigas. Se puder servir-lhe de algum préstimo, terei muita satisfação. Agora, por exemplo, tenho em casa três contos que ponho à sua disposição... Se precisar...

Silva Pinto ficou fulminado. Não atinou com palavras.  Teve vontade de fugir e, ao que se lembra, disse apenas que aceitaria quando precisasse.

Aquele misterioso encontro arrancou-o da antecâmara da morte. Aceitou a oferta. E no dia seguinte, na Praça Luís de Camões, esquina da Rua das Gáveas, na hora aprazada, uma carruagem deixou descer homem grave, aspecto de mordomo inglês, que lhe entregava da parte do Sr. Conde de Font´Alva um envelope contendo dois contos de réis, com um bilhete: “Eram três; ainda cá fica um à sua disposição”.

Teria Camilo Castelo Branco a ver alguma coisa com aquele acontecimento?


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