ARTHUR BERNARDES
DE OLIVEIRA
tucabernardes@gmail.com
Guarani, Minas
Gerais (Brasil)
Intervenção espiritual
Silva Pinto, escritor
português, materialista
confesso, tinha decidido
suicidar-se. Uma dívida
que não podia pagar
sugeria o suicídio.
Dois contos de réis!
Muito dinheiro para
aquela época! Os amigos
a quem poderia recorrer
eram pobres como ele e
os abastados jamais
confiariam nele para
emprestar-lhe tanto
dinheiro. Estava
resolvido: iria
matar-se.
Camilo Castelo Branco,
já desencarnado e
conhecendo, por
experiência própria, o
sofrimento por que
passam os desertores da
vida, dirige, através de
Fernando de Lacerda,
notável mensagem, em que
procura tirar, da mente
do velho amigo, idéia
tão infeliz.
A mensagem mexeu com as
convicções do orgulhoso
materialista,
despertando a dúvida,
mas, sozinha, não fora
suficiente. Ele
precisava de dinheiro,
não de conselho. Era o
que dizia, em
pensamento, ao amigo.
Não queria morrer em
casa. Repugnava-lhe
expor o cadáver,
ensopado de sangue, em
sua própria casa, ao
desespero de seus
familiares. Iria morrer
fora.
No Diário de Notícias,
jornal de Lisboa, uma
senhora oferecia quarto
a alugar. Morava só e
passava o dia inteiro
fora de casa. Saía cedo
e só voltava à noite.
Era o que ele mais
desejava: ninguém por
perto para testemunhar a
sua morte. Alugou o
quarto, deu os últimos
miseráveis tostões que
possuía, em sinal, e
voltou à sua casa para
pôr as coisas em ordem
antes da grande viagem.
Quando retorna ao quarto
para consumar a
tragédia, a dona da casa
ainda estava lá.
Estranhamente, não saíra
naquele dia. Havia
ficado para resolver
certas coisas e só
sairia mais tarde. Nunca
lhe sucedera isso! Silva
Pinto resolve sair para
esperar o tempo passar e
aguardar que a senhora
saísse.. Pega o bonde;
ao chegar à Praça do
Patriarca, desce.
Atravessa a Praça a pé.
Tivera ali, outrora,
horas de prazer. Queria
rememorá-las. Vivê-las
novamente na hora em que
as ia destruir para
sempre. Eis senão quando
alguém lhe bate no
ombro. Era um homem
alto, perfeito, tipo
belo de homem, com a
alma a espelhar-se-lhe
no sorriso com que o
envolvia.
− Não é o senhor Silva
Pinto? − Sim, mas não o
conheço. – Conhece sim,
sou o Alfredo, o Alfredo
dos Anjos. O senhor
tomou-me muitas vezes em
seu colo, quando em
visita a meu pai. O
senhor alegrou minha
infância. Quantas
histórias que jamais
esqueci! Acabo de chegar
do Brasil. E lá me
lembrava muito do
senhor. Ora, Sr. Silva
Pinto: eu não sei como
vive. Desculpe-me a
impertinência; mas os
homens de letras nem
sempre estão livres de
dificuldades. Eu sou
rico e devo-lhe saudosas
recordações amigas. Se
puder servir-lhe de
algum préstimo, terei
muita satisfação. Agora,
por exemplo, tenho em
casa três contos que
ponho à sua
disposição... Se
precisar...
Silva Pinto ficou
fulminado. Não atinou
com palavras. Teve
vontade de fugir e, ao
que se lembra, disse
apenas que aceitaria
quando precisasse.
Aquele misterioso
encontro arrancou-o da
antecâmara da morte.
Aceitou a oferta. E no
dia seguinte, na Praça
Luís de Camões, esquina
da Rua das Gáveas, na
hora aprazada, uma
carruagem deixou descer
homem grave, aspecto de
mordomo inglês, que lhe
entregava da parte do
Sr. Conde de Font´Alva
um envelope contendo
dois contos de réis, com
um bilhete: “Eram três;
ainda cá fica um à sua
disposição”.
Teria Camilo Castelo
Branco a ver alguma
coisa com aquele
acontecimento?