RENATO COSTA
rsncosta@terra.com.br
Rio de Janeiro, RJ
(Brasil)
Deus e a Ciência humana:
considerações
Qualquer espírita que
não tenha tido formação
científica ficará, no
mínimo, surpreso se,
após ler, na Parte I,
Capítulo 1, de O
Livro dos Espíritos,
as questões 4 a 9, que
tratam das Provas da
Existência de Deus, for
informado de que a maior
parte da comunidade
científica não só não
crê em Deus, como sequer
considera a existência
ou não de Deus uma
questão a ser tratada.
Antes de esclarecermos o
ponto acima destacado,
convém definirmos bem
dois termos com
significados diferentes,
mas que costumam,
equivocadamente, ser
tratados como se
sinônimos fossem, quais
sejam, ateísmo e
agnosticismo. O ateu
nega a existência de
Deus e da realidade
espiritual. A atitude de
um ateu é, portanto,
negativa em relação à do
crente. Já o agnóstico,
este apenas afirma que
não é possível hoje
comprovar quer a
existência, quer a não
existência de Deus, sem,
contudo, negar que, um
dia, tal prova, a favor
ou contra, possa ser
encontrada. Desse modo,
se, por um lado, o ateu
sempre abrirá polêmica
contra o crente, o
agnóstico simplesmente
fará saber ao crente que
o assunto Deus não é
para ele foco de
interesse nem tema
válido de discussão.
Bem, o que têm as
definições acima a ver
com nosso estudo? Muito
simples: a filosofia
predominante da ciência
hoje em dia e desde o
início do século XX é,
com menores ou maiores
variações, o chamado
Positivismo Lógico, que,
como iremos ver, tem uma
postura totalmente
agnóstica. O Positivismo
Lógico foi uma corrente
filosófica que surgiu na
Áustria e na Alemanha na
década de 20 do século
passado, voltada à
análise lógica do
conhecimento científico.
O Positivismo Lógico
negava qualquer sentido
na filosofia tradicional
e na metafísica,
afirmando que muitos dos
problemas então ditos
filosóficos careciam até
mesmo de sentido
enquanto problemas.
Na década de 30, os mais
importantes
representantes do
Positivismo Lógico
migraram para os Estados
Unidos, onde
influenciaram
consideravelmente a
filosofia americana.
Pode-se dizer que, até a
década de 50 do século
passado, o Positivismo
Lógico foi adotado
praticamente como única
abordagem à filosofia da
Ciência pela comunidade
internacional. Daí o
porquê de sua influência
ainda ser tão forte hoje
em dia, apesar de
propostas mais flexíveis
terem ganhado força
posteriormente, em
decorrência da própria
ampliação do campo de
pesquisa das ciências em
direção ao macro e ao
micro-cosmos.
De acordo com o
Positivismo Lógico,
somente existem duas
fontes de conhecimento:
o raciocínio lógico e a
experiência empírica.
Diz o chamado Princípio
da Verificabilidade que
uma sentença faz sentido
se e somente se ela
puder ser provada
verdadeira ou falsa,
pelo menos em princípio,
por meio de experiência.
Em outras palavras, uma
sentença é significativa
factualmente para uma
pessoa qualquer se e
somente se ela souber
como verificar a
proposição que tal
sentença pretende
expressar, isto é, se a
pessoa souber quais
observações poderão ser
feitas que a levarão,
sob certas condições
definidas, a aceitar a
proposição como
verdadeira ou a
rejeitá-la como falsa.
O sentido de uma
sentença, portanto, está
no conhecimento que
temos das condições em
que a dita sentença
poderá ser provada
verdadeira ou falsa.
Sentenças metafísicas
são, por isso mesmo,
inválidas para o
Positivista Lógico,
pois, para ele, não
fazem sentido como
sentenças. O motivo para
tal é evidente. Afinal,
nenhum dos atributos
normalmente relacionados
ao divino pode fazer
parte de uma sentença
válida para o
Positivismo Lógico,
posto que conceitos como
infinitamente justo,
infinitamente bom,
onipotente e onisciente
formarão sempre
proposições
inverificáveis. Indo ao
cerne da questão, que é
a própria idéia de Deus,
vale lembrar que, como
já nos ensinava a mais
antiga tradição
religiosa da Humanidade,
a multimilenar religião
hindu, Brahman(*), o
Absoluto, é
incognoscível. Ora,
sendo incognoscível,
toda afirmação que O
tenha como termo é
inverificável. Como tal,
Deus jamais será
comprovado pela Ciência
que hoje conhecemos.
Mais que isso, tal
Ciência sequer
considerará a busca da
divindade entre as metas
a que irá se dedicar.
Como dissemos, outras
filosofias foram
propostas para a ciência
após o Positivismo
Lógico, sem que nenhuma
delas tenha, entretanto,
prescindido da
verificabilidade.
Ao contrário do que
ocorria no século XIX,
no entanto, a comunidade
científica atual sabe
que a verdade que
procura provar é
provisória e que será,
mais tarde, reformulada
ou negada pelo próprio
avanço da ciência,
inexoravelmente. Tal
certeza reforça mais
ainda a postura
agnóstica da Ciência.
Se, antes, afirmações
sobre Deus eram
descartadas como
metafísicas, hoje, nem
mesmo as teorias
comprovadas, por mais
que tratem de conceitos
finitos e cognoscíveis,
são vistas como
definitivas e imutáveis.
Colocando de outro modo,
a comunidade científica
em nossos dias sabe que
não procura a verdade
absoluta. Assim sendo,
uma vez que Deus é a
Verdade Absoluta, não há
como ela um dia O vir a
encontrar.
A esse respeito, vale a
pena recordarmos a
questão 10, da Parte I,
Capítulo 1, de O
Livro dos Espíritos,
que fala dos atributos
da divindade: (10)
Pode o Homem compreender
a natureza íntima de
Deus? «Non; c'est
un sens qui lui manque»,
diz a segunda edição
francesa de 1858. O que,
em português moderno,
cremos ser mais bem
traduzido como: “Não,
falta-lhe entendimento
para tal”. Esperamos ter
deixado claro ao leitor
quanto ao porque de ser
o homem atual incapaz de
comprovar Deus através
de sua ciência.
Esperemos, portanto,
pacientes, que a
Humanidade terrestre se
alce a patamares mais
altos de evolução.
Crescendo a Humanidade
em entendimento,
crescerá em alcance sua
ciência, e nova e mais
abrangente será a
filosofia a inspirá-la.
A esse respeito, convém
dar atenção à questão
seguinte de O Livro
dos Espíritos e à
sua sábia resposta: (11)
Será dado um dia ao
homem compreender o
mistério da divindade?
‘Quando não mais tiver o
espírito obscurecido
pela matéria. Quando,
pela sua perfeição, se
houver aproximado de
Deus, ele o verá e
compreenderá. ’
Como vemos, não devemos
esperar tal mudança para
este ou para os séculos
vindouros. A Ciência,
como podemos entender em
nosso estágio atual de
desenvolvimento, não
pode prescindir de uma
filosofia semelhante às
que hoje adota. Não se
trata de incapacidade
intelectual. Por mais
brilhante que seja o
aluno do CA, ninguém
espera dele que proponha
uma revolucionária
teoria econômica,
invente um dispositivo
eletrônico ou encontre a
cura de importante
doença. Tudo tem seu
tempo na senda
evolutiva. Hoje, imersos
na matéria e com nossos
sentidos por ela
obscurecidos, nossa
percepção de Deus vem
pela meditação, pela
intuição, pela comunhão
com o que há de melhor
em nós, com o mais
íntimo de nosso ser, em
decorrência da reforma
íntima. Não queremos
concluir nosso estudo
sem pedir que o leitor
atente para o fato de
que estamos falando
exclusivamente da prova
da existência de Deus e
não de provas outras
concernentes aos
fenômenos de natureza
espiritual. Estes, ao
contrário de Deus, a
Causa Primária, fazem
parte da criação, são
cognoscíveis e
verificáveis e, sendo
assim, mais dia, menos
dia, a Ciência atual os
logrará comprovar.
(*) Um esclarecimento
necessário a quem não
conhece as escolas do
Hinduísmo é que Brahman
e Brahma não representam
o mesmo conceito.
Brahman, na Vedanta e
nas escolas do Hinduísmo
dela derivadas, é o nome
dado ao conceito do
imutável, do infinito,
da realidade que
transcende tudo o que
existe e de tudo é
imanente. Brahman é dito
eterno, sem gênero, sem
forma, onisciente,
onipotente, onipresente
e, no entanto, é
indescritível,
incognoscível.
Corresponde ao conceito
espírita de Deus.
Brahma, no entanto, é um
conceito diverso, que
não possui equivalente
na Doutrina Espírita.
Trimurti, a trindade
hindu, é composta de
Brahma, o criador,
Vishnu, o preservador, e
Shiva, o destruidor.
Segundo a Trimurti,
Brahma, Vishnu e Shiva
são aspectos de Brahman,
aspectos que a
humanidade consegue
perceber, pois se
identificam com algo que
a humanidade reconhece,
quer seja o nascimento,
a vida e a morte, fases
por que passam todas as
coisas e todos os seres
do universo.
Bibliografia:
KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos.
77 Ed. Rio de Janeiro:
FEB, 1997.
MESQUITA FILHO, Alberto.
Teoria sobre o Método
Científico.
Logical Positivism. The
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