EUGÊNIA PICKINA
eugeniamva@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil)
Civilização
do Espírito e Espiritismo:
algumas notas sobre educação
e solidariedade
“O
homem pode converter-se no
mais divino dos animais,
sempre que se o eduque
corretamente; converte-se na
criatura mais selvagem de
todas as criaturas que habitam
a Terra, em caso de ser
mal-educado.” (Platão, As
Leis)
Cada época enfrenta, no plano sociocultural, desafios
próprios decorrentes do seu
grau evolutivo. Com o advento
da modernidade, o nível de
competitividade e a preocupação
com a lógica do mercado
estimularam uma educação
cada vez mais técnica e
intelectual,
insatisfatoriamente ligada à
dimensão afetiva, ética e
transcendente da pessoa. O
desafio, claramente, é como
educar o indivíduo autônomo
e responsável, ajustado a uma
cidadania participante e
atuante numa sociedade, mas
sem mutilar ou desrespeitar
suas necessidades
socioafetivas e espirituais.
Se para Platão o ideal de educação era formar o
indivíduo para a polis
e não por
ou para si mesmo [critério obediente à Cidade-Estado], para o
Espiritismo, cujo papel está
diretamente atado à
reestruturação da Civilização
Tecnológica no rastro da Civilização
do Espírito, na expressão
de Herculano Pires (1), o
educar precisa romper com os
padrões superados do egoísmo
e sociocentrismo para ascender
a novas escalas de humanismo e
consideração pelos direitos
humanos, implicados
diretamente com justiça,
altruísmo, tolerância e
fraternidade universal.
No encalço dessa Civilização do Espírito, qual
seria um dos princípios que
moveria a Educação Espírita?
Edgar Morin explica que o principal objetivo do educar
é “o despertar de uma
sociedade-mundo”. (2) Logo,
esse “despertar”, que
pressupõe simultaneamente uma
abertura e uma mudança de
paradigma, necessita romper
com as mazelas características
de nossa época, como atomização,
perda de sentido, mercantilização,
degradação moral, perda de
responsabilidade e perda de
solidariedade para conseguir
desenvolver uma consciência
aguda que permita a expansão
dos direitos do homem, da
liberdade, da justiça, da eqüidade
e do valor universal da
democracia, fontes de
sociedades sustentáveis e
interdependentes, segundo a própria
influência da chamada
“solidariedade dos
mundos”, que, no caso planetário,
indica a imprescindível
interação entre nações e
povos.
Ora, o Espiritismo, por abranger todos os campos do
Conhecimento, pois enquadrado
na tríade epistemológica de
Ciência, Filosofia e Religião
– e aqui se entenda uma
“religião espiritual, sem
aparatos formais, dogmas de fé
ou instituição igrejeira,
sem sacramentos” (3) –,
está apto a instruir e a
integrar o ser humano de
maneira consciente na ambiência
da “sociedade-mundo” e,
desse modo, ajudá-lo a servir
com responsabilidade e
liberdade no diversificado
campo de ações da Terra,
pois estabelece balizas e critérios
seguros para as gerações
presentes e futuras.
Além disso, a solidariedade espírita, corolário da
“solidariedade dos
mundos”, contribui também
com o esforço da construção
para a instauração da
Regeneração, à medida que,
guiada pela diretiva do “amai-vos
e instruí-vos”,
reflete-se, na explicação de
Herculano Pires, em pelo menos
três dimensões:
“a) no plano social geral da comunidade espírita, além
dos grupinhos domésticos e
das instituições fechadas;
b) envolve todas as criaturas
vivas, protegendo-as,
amparando-as, estimulando-as
em suas lutas pela transcendência,
procurando ajudá-las sem nada
pedir em troca, nem mesmo a
simpatia doutrinária, pois
quem ajuda não tem o direito
de impor coisa alguma; c)
eleva-se aos planos superiores
para ligar-se a Kardec e sua
obra, a todos os Espíritos
esclarecidos que lutam pela
propagação do Espiritismo no
mundo e a Deus e a Jesus na
solidariedade cósmica dos
mundos solidários.” (4)
Se para Platão a educação seria “a arte do desejo
do bem”, tal como afirmado
na República,
para o Espiritismo, plataforma
da Civilização do Espírito,
a educação, igualmente, tem
como finalidade a prática do
bem. E tal como aparece na República,
o educar tem como destino
ajudar o ser humano a amar a
Deus, tornar-se semelhante a
Ele, na medida e no respeito
das suas possibilidades, mas
segundo a insistência do
trabalho com as paixões e do
exercício das virtudes
(itinerário do
autoconhecimento). Humanizar o
homem é a tarefa suprema da
educação platônica;
humanizar o homem é uma das
metas da Educação Espírita.
Em síntese, na contemporaneidade, tempo-espaço da
“sociedade-mundo”,
torna-se cada vez mais
importante uma ação
educacional que forme o indivíduo
moral capaz de agir segundo o
dever-ser de sua consciência,
orientado para a liberdade e
para a responsabilidade, ou
seja, de acordo com uma educação
integral que assume o papel de
estruturar o ser humano social
e sociável, convidado a
conviver em respeito com os
seus semelhantes, apto a fazer
do saber um serviço e não um
instrumento para a dominação
ou exploração; uma educação
que busque, ativamente,
orientar o homem para o amor,
a paz, a solidariedade com
toda a Natureza e com a vida
em todas as suas manifestações,
sem desprezar sua condição
de semente divina que o
impele, de maneira inexorável,
para a transcendência...
Tendo como fim a transcendência, o Espiritismo – uma
doutrina moderna, estruturada
por Allan Kardec – pode
seguramente enfrentar o
desafio da construção da
Regeneração pela
solidariedade de consciências,
pode ajudar a cada um de nós,
os existentes, a encontrar, no
íntimo e na relação com o
outro, os meios para o
cumprimento de nossos destinos
e tarefas, mas com alegrias e
esperanças, pois somos Espíritos
imortais em aprendizado e avanço
na Terra, nossa escola.
Bibliografia:
(1) Cf.
PIRES, J. Herculano. Curso
Dinâmico de Espiritismo – O
Grande Desconhecido. São
Paulo: Paidéia, 2000, pp.
122-123.
(2) MORIN, Edgar. Educar
na era planetária: o
pensamento complexo como método
de aprendizado no erro e na
incerteza humana. SP:
Cortez, Brasília, DF: UNESCO,
2003, p. 61.
(3) PIRES, J. Herculano. Op. cit., p.3.
(4) Idem, ibidem,
p. 118.