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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 46 - 9 de Março de 2008

EUGÊNIA PICKINA 
eugeniamva@yahoo.com.br 
Londrina, Paraná (Brasil)
 

Civilização do Espírito e Espiritismo: algumas notas sobre educação e solidariedade

“O homem pode converter-se no mais divino dos animais, sempre que se o eduque corretamente; converte-se na criatura mais selvagem de todas as criaturas que habitam a Terra, em caso de ser mal-educado.” (Platão, As Leis)

Cada época enfrenta, no plano sociocultural, desafios próprios decorrentes do seu grau evolutivo. Com o advento da modernidade, o nível de competitividade e a preocupação com a lógica do mercado estimularam uma educação cada vez mais técnica e intelectual, insatisfatoriamente ligada à dimensão afetiva, ética e transcendente da pessoa. O desafio, claramente, é como educar o indivíduo autônomo e responsável, ajustado a uma cidadania participante e atuante numa sociedade, mas sem mutilar ou desrespeitar suas necessidades socioafetivas e espirituais.

Se para Platão o ideal de educação era formar o indivíduo para a polis e não por ou para si mesmo [critério obediente à Cidade-Estado], para o Espiritismo, cujo papel está diretamente atado à reestruturação da Civilização Tecnológica no rastro da Civilização do Espírito, na expressão de Herculano Pires (1), o educar precisa romper com os padrões superados do egoísmo e sociocentrismo para ascender a novas escalas de humanismo e consideração pelos direitos humanos, implicados diretamente com justiça, altruísmo, tolerância e fraternidade universal.

No encalço dessa Civilização do Espírito, qual seria um dos princípios que moveria a Educação Espírita?

Edgar Morin explica que o principal objetivo do educar é “o despertar de uma sociedade-mundo”. (2) Logo, esse “despertar”, que pressupõe simultaneamente uma abertura e uma mudança de paradigma, necessita romper com as mazelas características de nossa época, como atomização, perda de sentido, mercantilização, degradação moral, perda de responsabilidade e perda de solidariedade para conseguir desenvolver uma consciência aguda que permita a expansão dos direitos do homem, da liberdade, da justiça, da eqüidade e do valor universal da democracia, fontes de sociedades sustentáveis e interdependentes, segundo a própria influência da chamada “solidariedade dos mundos”, que, no caso planetário, indica a imprescindível interação entre nações e povos.

Ora, o Espiritismo, por abranger todos os campos do Conhecimento, pois enquadrado na tríade epistemológica de Ciência, Filosofia e Religião – e aqui se entenda uma “religião espiritual, sem aparatos formais, dogmas de fé ou instituição igrejeira, sem sacramentos” (3) –, está apto a instruir e a integrar o ser humano de maneira consciente na ambiência da “sociedade-mundo” e, desse modo, ajudá-lo a servir com responsabilidade e liberdade no diversificado campo de ações da Terra, pois estabelece balizas e critérios seguros para as gerações presentes e futuras.

Além disso, a solidariedade espírita, corolário da “solidariedade dos mundos”, contribui também com o esforço da construção para a instauração da Regeneração, à medida que, guiada pela diretiva do “amai-vos e instruí-vos”, reflete-se, na explicação de Herculano Pires, em pelo menos três dimensões:

“a) no plano social geral da comunidade espírita, além dos grupinhos domésticos e das instituições fechadas; b) envolve todas as criaturas vivas, protegendo-as, amparando-as, estimulando-as em suas lutas pela transcendência, procurando ajudá-las sem nada pedir em troca, nem mesmo a simpatia doutrinária, pois quem ajuda não tem o direito de impor coisa alguma; c) eleva-se aos planos superiores para ligar-se a Kardec e sua obra, a todos os Espíritos esclarecidos que lutam pela propagação do Espiritismo no mundo e a Deus e a Jesus na solidariedade cósmica dos mundos solidários.” (4)

Se para Platão a educação seria “a arte do desejo do bem”, tal como afirmado na República, para o Espiritismo, plataforma da Civilização do Espírito, a educação, igualmente, tem como finalidade a prática do bem. E tal como aparece na República, o educar tem como destino ajudar o ser humano a amar a Deus, tornar-se semelhante a Ele, na medida e no respeito das suas possibilidades, mas segundo a insistência do trabalho com as paixões e do exercício das virtudes (itinerário do autoconhecimento). Humanizar o homem é a tarefa suprema da educação platônica; humanizar o homem é uma das metas da Educação Espírita.

Em síntese, na contemporaneidade, tempo-espaço da “sociedade-mundo”, torna-se cada vez mais importante uma ação educacional que forme o indivíduo moral capaz de agir segundo o dever-ser de sua consciência, orientado para a liberdade e para a responsabilidade, ou seja, de acordo com uma educação integral que assume o papel de estruturar o ser humano social e sociável, convidado a conviver em respeito com os seus semelhantes, apto a fazer do saber um serviço e não um instrumento para a dominação ou exploração; uma educação que busque, ativamente, orientar o homem para o amor, a paz, a solidariedade com toda a Natureza e com a vida em todas as suas manifestações, sem desprezar sua condição de semente divina que o impele, de maneira inexorável, para a transcendência...

Tendo como fim a transcendência, o Espiritismo – uma doutrina moderna, estruturada por Allan Kardec – pode seguramente enfrentar o desafio da construção da Regeneração pela solidariedade de consciências, pode ajudar a cada um de nós, os existentes, a encontrar, no íntimo e na relação com o outro, os meios para o cumprimento de nossos destinos e tarefas, mas com alegrias e esperanças, pois somos Espíritos imortais em aprendizado e avanço na Terra, nossa escola.

Bibliografia:

(1) Cf. PIRES, J. Herculano. Curso Dinâmico de Espiritismo – O Grande Desconhecido. São Paulo: Paidéia, 2000, pp. 122-123.

(2) MORIN, Edgar. Educar na era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizado no erro e na incerteza humana. SP: Cortez, Brasília, DF: UNESCO, 2003, p. 61.

(3) PIRES, J. Herculano. Op. cit., p.3.

(4) Idem, ibidem, p. 118.
 


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