JORGE
HESSEN
jorgehessen@gmail.com
Brasília, Distrito Federal
(Brasil)
Reencarnação: processo universal de aplicação dos códigos
da justiça divina
As
primeiras referências à idéia
de reencarnação se perdem na
noite dos evos da História. Temos
notícias dela há dois mil e
quinhentos anos, nas Upanichades
[escrituras sagradas do hinduísmo],
até hoje a maior religião da Índia.
Neste mesmo período, Pitágoras
(1), filósofo e matemático
grego, nascido por volta do ano
580 a.C., que foi discípulo de
Ferecides de Siros, dizia que a
alma era imortal e, depois da
morte do corpo, ela ocupava outro
corpo - palingenesia -, às vezes
de um animal - metempsicose [tese
equivocada do matemático de Samos].
Pelas fontes históricas, foi a
primeira vez que a teoria da
reencarnação foi mencionada no
Ocidente. Posteriormente, Platão
(429-347 a.C.), também filósofo
grego, discípulo de Sócrates,
ensinava que a alma nasce muitas
vezes, até mesmo durante 10 mil
anos, e, depois, parte para a
bem-aventurança celestial.
Nos
primeiros séculos, muitos grupos
cristãos, majoritários,
defenderam a palingenesia,
especialmente os gnósticos (2),
com sua visão profundamente
inteligente do corpo e da matéria
em geral. O
extraordinário cristão Orígenes
(3), de Alexandria, defendeu a
reencarnação. A partir das suas
reflexões, surgiu um grupo sábio
de monges que passaram a professar
também a doutrina das preexistências.
Para os "donos" do poder
clerical, o chamado "origenismo"
tornava-se nefasto e tumultuava,
mormente a Palestina; em face
disso o patriarca da igreja de
Jerusalém, no século VI,
solicitou ao imperador bizantino
Justiniano que interviesse.
O
imperador escreveu um tratado
contra Orígenes e levou o
"dono" da igreja de
Constantinopla a reunir aí um sínodo
(4) em 543, que condenou as teses
relativas à preexistência da
alma e outras posições
origenistas. Dez anos depois, em
553, com a aquiescência ambígua
do papa Virgílio (5), o Imperador
Justiniano convocou o II Concílio
de Constantinopla, no qual, com
astuta maquinação, retirou
definitivamente a chamada
"controvérsia origenista",
mediante eleição espúria que
venceu por 3 a 2 votos. E a
reencarnação foi definitivamente
banida dos preceitos de direito
eclesiástico (6). Lógico! A
Igreja estava defendendo nesse ato
extravagante a doutrina do céu e
do inferno e das penas eternas
porque centrava mais poder em suas
mãos. E dessa forma a reencarnação
foi banida num dos mais graves equívocos
cometidos pelo Cristianismo.
Antes
disso, no século III, o notável
Clemente de Alexandria observou em
sua obra Stromata (Miscelâneas):
"A hipótese de Basílides,
um mestre gnóstico, diz que a
alma, tendo pecado anteriormente
em outra vida, experimenta punição
nesta vida".
Nessa
mesma época, Tertuliano, o
primeiro autor cristão a escrever
em latim, negando a metempsicose,
se expressa muitas vezes sobre o
assunto, como nessa passagem:
"Quão mais digno de aceitação
é o nosso ensino de que as almas
irão retornar aos mesmos corpos.
E quão mais ridículo é o ensino
herdado (pagão) de que o espírito
humano deve reaparecer em um cão,
cavalo ou pavão!" (Ad Nationes, Cap. 19). Fica evidente que tanto quanto os espíritas,
os sábios da Igreja também não
aceitavam a metempsicose.
A
tese da metempsicose conflitava a
mente de alguns teólogos, questão
que a rigor só foi mais bem
esclarecida com o advento do
Espiritismo. Vejamos o apologista
e historiador Lactâncio, que no século
IV expressa o pensamento dos seus
contemporâneos cristãos:
"Os pitagóricos e estóicos
afirmavam que a alma não nasce
com o corpo. Antes, eles dizem que
ela foi introduzida no mesmo e que
migra de um corpo para
outro". Em outro ponto de sua
obra As
Institutas Divinas, ele
afirma: "Pitágoras insiste
que as almas migram de corpos
desgastados pela velhice e pela
morte. Ele diz que elas são
admitidas em corpos novos e recém-nascidos.
Ele também diz que as mesmas
almas são reproduzidas ora em um
homem, ora em uma ovelha, ora em
um animal selvagem, ora em um pássaro...
Essa opinião de um homem
insensato é ridícula".
Outro
testemunho importante vem do maior
teólogo da Igreja antiga do século
V, Agostinho. Ele estava
familiarizado com as teorias de
reencarnação tanto maniqueístas
quanto platônicas do seu tempo.
Em um comentário sobre Gênesis,
ele rejeitou como contrária à fé
cristã a idéia de que as almas
humanas retornavam em corpos de
diferentes animais, de acordo com
a sua conduta moral (transmigração).
Em A
Cidade
de Deus (Livro X, Cap. 30), o
bispo de Hipona observa que,
embora o filósofo neoplatônico
Porfírio tenha rejeitado esse
conceito ensinado por Platão e
Plotino, e não hesitasse em
corrigir os seus mestres nesse
ponto, ele achava que as almas
humanas voltavam em outros corpos
humanos. Sobre essa questão
(metempsicose), o Espiritismo
corrige o equívoco de Pitágoras.
Atualmente,
para alguns cristãos, a
"prova" da unicidade da
vida humana está inserta no cap.
9, versículo 27, da carta de
Paulo aos hebreus: "aos
homens está ordenado morrerem uma
só vez, vindo, depois disto, o juízo".
Será que Jesus atribuiu para a
vida atual um valor decisivo para
toda existência posterior à
morte? No debate, os convictos da
unicidade proclamam a ressurreição,
mas sobre esse fenômeno
sobrenatural é imperioso refletir
sobre os casos da filha de Jairo
(Mt. 9:18-26), do filho da viúva
de Naim (Lc. 7:11-17) e do próprio
Lázaro (Jo. 11:1-44). Se ambos
"ressuscitaram" como crêem
tais cristãos, como ficaria a
evocação da carta aos hebreus
acima, para se negar a reencarnação?
Recordemos que ambos os
"ressuscitados" não
teriam morrido uma só vez. A propósito,
sequer estavam mortos, apenas
acometidos de catalepsia. (7)
Jesus
asseverou que a verdade libertaria
o homem. Se a verdade (reencarnação)
está sendo negada aos cristãos
atualmente, fica evidente que os
mesmos não se encontram livres,
ou, o que é pior, estão
algemados aos férreos dogmas
humanos, disseminados pelos
negadores contumazes do princípio
natural da reencarnação,
forjadores de uma fé entronizada
nos pináculos da ficção, do
mito e dos celestes devaneios do
imaginário teológico.
Na
máxima "nascer, morrer,
renascer e progredir
incessantemente tal é a
Lei", encontramos o mais legítimo
processo universal de aplicação
dos códigos de justiça nas Leis
do Criador.
Fontes:
(1) Pitágoras de Samos (séc. VI
a.C.), filósofo e matemático
grego. Seus seguidores, os pitagóricos,
que, dos sécs. VI ao IV a.C.,
organizados em comunidades filosófico-religiosas
multiplicadas pela Magna Grécia,
constituíram a chamada escola itálica
ou escola pitagórica. Define-se o
pitagorismo por duas tendências:
a místico-moralista, ligada ao
orfismo e ao xamanismo, e a filosófico-matemática,
de que resultou brilhante acervo
de conhecimentos aritméticos,
geométricos, astronômicos e acústicos,
integrados pelo descobrimento de
correspondências numéricas entre
as várias ordens de realidade.
(2) Diz-se de, ou adepto do gnosticismo, movimento filosófico-religioso
surgido nos primeiros séculos da
nossa era e diversificado em
numerosas seitas, e que visava a
conciliar todas as religiões e a
explicar-lhes o sentido mais
profundo por meio da gnose
(conhecimento esotérico e
perfeito da divindade, e que se
transmite por tradição e
mediante ritos de iniciação).
(3) Morreu em 254 d.C, na cidade de Tiro, em virtude da perseguição
de Décio, mais conhecido pelo
nome de Trajano, o qual era um
incansável opositor do
Cristianismo.
(4) Órgão colegiado e permanente do governo eclesiástico das
Igrejas do Oriente.
(5) Virgílio (537–555). Nasceu em Roma de família nobre. Foi
eleito graças à simonia, à calúnia
e à cumplicidade da imperatriz
Teodora. De caráter débil, foi vítima
de chantagens por parte da
imperatriz e do imperador
Justiniano. Morreu em Siracusa,
quando voltava a Roma, depois de
demorada visita ao Oriente.
(6) Há quem afirme que foi por influência de Teodora, esposa de
Justiniano, que gostaria de ser
divinizada, porém, por ter sido
ex-cortesã, mandou matar as
antigas colegas (500 mulheres),
porque se mostravam orgulhosas por
sua antiga "AMIGA" que
se havia tornado imperatriz. Os
fregueses das meretrizes mortas
lançaram à Teodora um anátema:
suas próximas 500 reencarnações
terminariam sempre de forma trágica.
(Se non é vero, é bene trovato).
(7) Estado em que se observa uma rigidez
cérea dos músculos, de modo que o paciente permanece na posição
em que é colocado. [Observa-se a
catalepsia principalmente em casos
de demência precoce e de sono
hipnótico.]