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Crônicas e Artigos
Ano 1 - N° 46 - 9 de Março de 2008

RENATO COSTA
rsncosta@terra.com.br

Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

Adão e Eva

A História de Adão e Eva é real? - Vejamos, inicialmente, o que diz a Gênese bíblica, começando pela fala de Caim, após ser repreendido pelo Senhor devido ao fratricídio cometido.  

4, 14. ... O primeiro que me encontrar matar-me-á. 15. ... O Senhor pôs em Caim um sinal, para que, se alguém o encontrasse, não o matasse. 16. Caim ... foi habitar na região de Nod, no oriente do Éden. 17. Caim conheceu sua mulher. Ela ... deu à luz Henoc. E construiu uma cidade...  

Por qual motivo teria Caim receio de que o matassem longe do Éden se, além dele, somente Adão e Eva habitavam a Terra? A única alternativa capaz de sustentar a hipótese de Adão e Eva terem sido o primeiro casal humano é supor que eles tivessem tido muitos outros filhos e que, por razão desconhecida, estes tivessem mudado anteriormente para as distantes regiões para onde Caim estava indo. A propósito, tal hipótese é utilizada por alguns irmãos de outras crenças na tentativa de justificar interpretações literais da Bíblia. O que torna frágil tal suposição, a nosso ver, é a total ausência de menção na Gênese a outros filhos que não os conhecidos. Ora, se tais supostos filhos tivessem sido agradáveis a Deus ou, pelo contrário, o tivessem desagradado, o motivo para sua mudança para longe do Éden constaria obrigatoriamente no relato bíblico, o que, definitivamente, não é o caso.  

Essa ausência de registro bíblico poderia ser justificada dizendo-se que se deve tal fato a terem sido tais irmãos iniciadores de outras raças, sendo, portanto, sem importância para a tradição judaica. Uma leitura atenta do relato, no entanto, permite-nos facilmente contestar tal justificativa. Mesmo que a tradição omitisse o destino de outros filhos de Adão e Eva, jamais colocaria na boca do Senhor palavras sem sentido. No entanto, quando Caim demonstra preocupação em ser morto pelo “primeiro que me encontrar”, provando não saber quem poderia fazê-lo, o Senhor lhe assegura que ele não seria morto por “quem o encontrasse”. É evidente, tanto na fala de Caim quanto na resposta do Senhor, que Caim poderia encontrar, nas terras para onde ia, alguém que lhe era estranho, o que descarta a hipótese de que tal pudesse vir a ser um irmão seu.  

Não bastasse o raciocínio acima, o texto fornece outra informação interessante que nos corrobora a interpretação. Diz o relato que Caim construiu uma cidade para morar com esposa e filho. Ora, se fosse para morar apenas com a mulher e o filho bastaria ter levantado uma casa. Se Caim construiu uma cidade é porque, na região para onde foi, existiam muitas pessoas e, por ser ele, dentre todos, o mais evoluído, tornou-se o líder que os levou a se organizar de forma civilizada.  

A Raça Adâmica e o Advento da Civilização - Em O Livro dos Espíritos, somos informados:  

50. A espécie humana começou por um único homem?  

“Não; aquele a quem chamais Adão não foi o primeiro, nem o único a povoar a Terra.”  

51. Poderemos saber em que época viveu Adão?  

“Mais ou menos na que lhe assinais: cerca de 4.000 anos antes do Cristo.”  

Sabemos do ensino dos Espíritos que, no plano espiritual, não se percebe a passagem do tempo da mesma forma que se dá com nós, encarnados. Ora, o estágio atual das pesquisas arqueológicas confirma que a civilização surgiu aproximadamente naquela época. Assim sendo, se entendermos Adão e Eva como uma figura mítica, eles bem podem representar o aparecimento das primeiras civilizações em nosso planeta.  

O Item 38, do Capítulo XI de A Gênese, trata da Raça Adâmica e aponta na mesma direção que essa nossa interpretação. Diz aí o Codificador:  

“38. – De acordo com o ensino dos Espíritos, foi uma dessas grandes imigrações, ou, se quiserem uma dessas colônias de Espíritos, vinda de outra esfera, que deu origem à raça simbolizada na pessoa de Adão e, por essa razão mesma, chamada raça adâmica. Quando ela aqui chegou, a Terra já estava povoada desde tempos imemoriais, como a América, quando aí chegaram os europeus.”  

“Mais adiantada do que as que a tinham precedido neste planeta, a raça adâmica é, com efeito, a mais inteligente, a que impele ao progresso todas as outras. A Gênese no-la mostra, desde os seus primórdios, industriosa, apta às artes e às ciências, sem haver passado aqui pela infância espiritual...”  

Na seqüência, poderemos ver que Kardec interpreta Adão como uma alegoria a representar a chegada ao nosso orbe de uma colônia de Espíritos advindos de um mundo então mais evoluído, tendo sido eles que alavancaram a construção de cidades, o cultivo da terra, o fabrico dos metais e o progresso nas artes e nas ciências, conquistas que, em suma, definem o aquilo que entendemos como Civilização.  

A partir do Item 43, do mesmo capítulo de A Gênese, Kardec trata da “Doutrina dos Anjos Caídos e da Perda do Paraíso”.  

“... Logo que um mundo tem chegado a um de seus períodos de transformação, a fim de ascender na hierarquia dos mundos, operam-se mutações na sua população encarnada e desencarnada. É quando se dão as grandes emigrações e imigrações. Os que, apesar da sua inteligência e do seu saber, perseveraram no mal, sempre revoltados contra Deus e suas leis, se tornariam daí em diante um embaraço ao ulterior progresso moral, uma causa permanente de perturbação para a tranqüilidade e a felicidade dos bons, pelo que são excluídos da humanidade a que até então pertenceram e tangidos para mundos menos adiantados, onde aplicarão a inteligência e a intuição dos conhecimentos que adquiriram ao progresso daqueles entre os quais passam a viver, ao mesmo tempo em que expiarão, por uma série de existências penosas e por meio de árduo trabalho, suas passadas faltas e seu voluntário endurecimento.”  

A explicação de Kardec é clara, dispensando, a nosso ver, maiores esclarecimentos.  

A Entrada no Reino Hominal - Analisando o Mito do Paraíso Perdido, vemos que a árvore da ciência do bem e do mal tem um significado evidente. O que é saber o que é certo e o que é errado senão a aquisição de uma consciência madura? Tentemos interpretar a mensagem por trás do mito.

As almas que animavam os humanóides viviam no Éden da ingenuidade. Não tendo ainda adquirido a consciência madura, isto é, sendo incapazes de discernir entre o certo e o errado, não eram responsáveis pelos seus atos, não sendo, portanto, submetidas a expiações. Quando essas almas provaram do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, isto é, quando sua consciência tornou-se madura e se tornaram Espíritos, elas foram expulsas do Éden da ingenuidade e passaram a comer “o pão com o suor do seu rosto”, isto é, tornaram-se responsáveis pelos seus atos, submetendo-se, a partir de então, à Lei da Causalidade.

Entendemos ser nossa leitura do mito plenamente conciliável com o que nos ensina a Codificação. Afinal, como dissemos, a informação que se depreende do acima citado Item 38, de A Gênese, é que a colônia de Espíritos representada pelo mito de Adão e Eva teria sido responsável pelo advento daquilo que chamamos de Civilização.

Uma consulta à obra de Carlos Torres Pastorino, A Sabedoria do Evangelho, vem confirmar nossa interpretação e encerrar o nosso breve estudo. Comentando sobre a genealogia de Jesus, conforme apresentada no Evangelho de Lucas, diz o erudito professor:

“Passemos a Lucas. Dá-nos ele 76 gerações, de Adão a Heli. Recordemos que a palavra Adão ( em hebraico ADAM ) tem simplesmente o sentido do substantivo comum HOMEM. Não é nome próprio.  

“Então, diz-nos Lucas que, assim que a criatura sai do reino-animal para o reino-hominal, atingindo a fase humana (adâmica), ...”  

Bibliografia:  

KARDEC, Allan. A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. 36 Ed. FEB, Rio de Janeiro, 1995.  

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 76 Ed. FEB, Rio de Janeiro, 1995.  

PASTORINO, Carlos Torres. A Sabedoria do Evangelho. Vol. I. Sabedoria, 1967.  

Bíblia Sagrada. Tradução dos originais mediante a versão dos Monges de Mardesous pelo Centro Bíblico Católico. 112 Ed.. São Paulo, 1997.


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita