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Entrevista
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Ano
1 - N° 5 - 16 de Maio de
2007 |
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MARCELO
BORELA DE OLIVEIRA
mbo_imortal@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil) |
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Princesa
Isabel com a faixa de
imperatriz e, à direita, no
juramento da Constituição
perante o Senado imperial |
J. Raul Teixeira:
"Saímos
de um contexto de escravidão
física dos homens de epiderme
negra, para
vermos toda a Terra chafurdada
na escravidão moral"
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Há exatamente
119 anos, no dia 13 de maio de 1888,
Princesa Isabel assinava a Lei
Áurea: estava decretada a
Abolição da Escravatura no Brasil,
evento que teve contra si grandes e
poderosos interesses, sobretudo dos
fazendeiros de café de Minas Gerais
e São Paulo e dos latifundiários
do Nordeste, mas que resultou de uma
nova ordem de idéias, iniciada na
Europa e frutificada nas Américas.
Homens ilustres, como Nabuco,
Patrocínio e Bezerra de Menezes,
lutaram pela abolição, cuja
importância, pouco mais de um século
depois, não pode ser desprezada a
pretexto
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de que as dificuldades econômicas
e sociais ainda persistem no país
e atingem, em maior profundidade,
os descendentes dos antigos
escravos. |
Nesta entrevista,
o conhecido orador espírita
professor J. Raul Teixeira, de
Niterói, RJ, analisa a questão do
racismo e da escravidão em nosso
País, reconhecendo que a Lei
Áurea, apesar dos muitos e graves
problemas sociais que promoveu,
constituiu o primeiro passo, a fim
de que "outros passos viessem
depois, mais importantes".
A seguir, a
entrevista concedida por Raul
Teixeira:
"Todos os
movimentos de libertação
das almas têm sempre relevantes
ascendentes espirituais"
– Muitos
Centros Espíritas repelem as
comunicações mediúnicas dos
chamados "pretos velhos",
por medo de que isso os confunda com
a prática umbandista. Você é
favorável a essa discriminação?
Raul
– Os Centros Espíritas,
comprometidos com a Doutrina
Espírita, não costumam nutrir
preconceitos em relação a
quaisquer Espíritos, em suas
sessões mediúnicas, que têm por
escopo, exatamente, o atendimento e
o entendimento fraterno a todos os
desencarnados que se comuniquem. O
que não deveremos esquecer é que a
reunião mediúnica, orientada pelo
Espiritismo, obedece a uma
"nobre e suave disciplina
evangélica", iniciando-se com
a maturidade e equilíbrio dos
médiuns e passando pela não
permissão de excessos
dispensáveis. Assim, não sou
favorável a discriminações, mas,
sim, à lucidez espírita diante de
quaisquer Entidades.
– Pesquisa
divulgada pela revista Veja aponta a
existência de racismo em nosso
país. Existe racismo também no
movimento espírita?
Raul –
Considerando-se que o problema do
racismo é um problema de
mentalidade obtusa e de pequenez
interior, não entendo que haja
racismo em nosso movimento
espírita, mas admito a sua
existência em indivíduos que, de
fato, não representam o Movimento.
– Os escravos
podiam andar bem vestidos, mas
andavam sem sapatos: andar calçado
era, no Império, privilégio dos
alforriados. Estabelecida a
Abolição, a ascensão dos
ex-escravos à cidadania foi freada
em toda a parte. Ambos os fatos
demonstram que o racismo era o
elemento central da ordem
sócio-econômica que conduziu a
transição da escravidão ao
trabalho livre. O mundo melhorou
desde então? Somos menos racistas
atualmente?
Raul – É
perceptível que o mundo melhorou.
Somos menos racistas, pelos
próprios fenômenos
sócio-educacionais, pela
imposição da vida moderna, pelos
progressos das leis que, sendo
frutos dos caracteres, influem,
igualmente, sobre eles.
– Recente
estatística informa que 38% de
todos os africanos deportados da
África, em três séculos e meio de
escravidão nas Américas, vieram
para o Brasil. Quem eram esses
Espíritos?
Raul –
Informam-nos os Benfeitores da Vida
Maior que esses Espíritos eram
indivíduos que portavam débitos
graves perante a Consciência
Cósmica, carecendo, assim, de se
submeterem a processos
reeducacionais de profundidade.
Deveriam se reajustar no árduo
labor do amanho da terra e da
geração do progresso, exercitando
paciência e amor, resignação e
fé ardente. Os abusos dos senhores
escravos, embora estivessem nas
faixas de possibilidades de que
ocorressem, correm por conta do
livre-arbítrio mal aplicado, pelo
que são responsáveis.
– Qual o
significado espiritual da
escravatura no Brasil? Sua
abolição, a última registrada no
planeta, teve ascendentes
espirituais relevantes?
Raul – Os
africanos que para o Brasil vieram,
desde o século XVI, arrancados da
velha África, deveriam, em razão
de velhos comprometimentos
sócio-morais, contraídos por
diversas partes do Velho Mundo,
resgatar por meio de árduo trabalho
a liberação das suas
consciências, sob o amparo do
Cristo. Entretanto, o
livre-arbítrio dos dominadores, que
poderiam ter sido rígidos
instrutores, empreiteiros do
progresso, fê-los tornarem-se
cruéis exploradores, instigadores
de revoltas indescritíveis. É todo
um largo processo histórico,
político, espiritual, merecendo
mais acurados estudos e análises
mais arejadas. Todos os movimentos
de libertação das almas e dos
processos planetários, significando
conquistas evolutivas de realce,
têm sempre relevantes ascendentes
espirituais, em razão de toda uma
programação dos Guias do Orbe,
que, em nome de Jesus, trabalham
pelo mais intenso desenvolvimento do
mundo.
"A verdadeira
data comemorativa das lutas
dos negros, no Brasil, deveria ser o
dia 20 de
novembro, dia do Zumbi dos
Palmares"
– Os negros
brasileiros que se destacam nos
diversos setores das artes, da
literatura e da política consideram
o Dia Nacional do Negro no Brasil
não o dia 13 de maio, mas, sim,
aquele em que morreu Zumbi, o líder
do Quilombo dos Palmares, cuja
organização e funcionamento são
destacados por documentos holandeses
e por Humberto de Campos na obra
"Brasil Coração do Mundo
Pátria do Evangelho". Qual é
a sua avaliação dessa escolha?
Raul –
Sendo a existência do Quilombo dos
Palmares, àquela época, o mais
audacioso e importante esforço pela
libertação, e tendo em Zumbi, que
era sobrinho de Ganga Zumba e de
Gana Zola, o substituto do primeiro
tio à frente do Quilombo, na
condição de seu último chefe,
penso que a verdadeira data
comemorativa das lutas dos negros,
no Brasil, de fato, deveria ser o
dia 20 de novembro, dia do Zumbi dos
Palmares, símbolo de intrepidez
nessa luta que prossegue, em outros
níveis, até o presente.
– Em 18 de
abril de 1857, 31 anos antes da
assinatura da Lei Áurea, "O
Livro dos Espíritos" já
ensinava que a escravidão é
contrária à natureza e um abuso da
força. Para os Espíritos, o homem
que se vale da escravidão é sempre
culpado. Só os ignorantes, aqueles
que desconhecem o Cristianismo –
dizem os Espíritos – é que podem
contar com fatores atenuantes diante
da prática desse abuso. Estará
aí, nessa exploração abusiva,
injusta e cruel, a fonte dos males
morais e materiais que se têm
abatido com todo o vigor sobre a
nação brasileira? A culpa por
tantos desmandos, pelo arbítrio,
pelo tratamento desumano, que
caracterizaram o sistema escravista,
é uma dívida do País ou apenas de
alguns brasileiros que se envolveram
diretamente com o tráfico e o uso
de escravos?
Raul – Não
podemos olvidar que múltiplos
senhores e senhoras de escravos,
além de tantos que tiraram proveito
dessa prática espúria, acham-se
reencarnados de novo sobre o solo do
Brasil, a fim de quitarem, por meios
diversos, os pesados ônus da
lesa-fraternidade e da
lesa-humanidade dos períodos
escravagistas do nosso País. Tendo
sido parte da legislação do País
aceita pelos governos e pelo povo,
em geral, é notório o
comprometimento com o escravismo,
que, sem dúvida, repercute hoje
sobre a consciência da vida
nacional, até que se hajam
transformado, com amor e trabalho,
as energias viciadas que ainda
marcam o psiquismo do Brasil.
– Como
conciliar a existência da
escravidão no Brasil com o fato de
este país ter sido colonizado sob a
égide do Cristianismo e com o
título, que Humberto de Campos
(Espírito) lhe atribui, de
coração do mundo e pátria do
Evangelho?
Raul – O
Cristianismo do Cristo muito se
distingue do cristianismo dos
cristãos. Assim é que tantos
abusivos atos foram e são cometidos
em nome do Cristianismo, sem que se
especificasse tratar-se do segundo.
Na alusão de Humberto de Campos
encontramos a mesma gravidade da
previsão de Jesus, ao afirmar que a
Terra seria o mundo renovado do
porvir, quando no mundo encontramos,
ainda, toda sorte de loucuras,
guerras e materialismo, e que, como
o Brasil, espera no tempo as
possibilidades de alcançar o seu
destino traçado no Mais Além.
"A Lei Áurea
terá promovido muitos e graves
problemas sociais, mas representou o
primeiro passo, a
fim de que outros viessem depois,
mais importantes"
–
Qual tem sido o papel da raça negra
na construção da nacionalidade?
Raul
– Representa, nos alicerces
culturais do Brasil, abençoada
contribuição para a elaboração
dos fatores étnicos das gentes
brasileiras, além de ter
contribuído para o espalhamento das
crenças espirituais, em suas
ligações com a Natureza, o que bem
demarca o sentimento espiritualista
do povo.
– Como é a
atuação do negro no movimento
espírita brasileiro?
Raul – Como
a de qualquer outro indivíduo, uma
vez que no Movimento Espírita não
há lugar para isolamentos ou
participações especiais de
quaisquer raças. Somos todos
espíritas e, por isso, devemos
trabalhar pela própria redenção,
negros, brancos, vermelhos ou
amarelos.
– Discute-se
ainda hoje este problema: a Lei
Áurea, ao lançar no mercado um
contingente enorme de criaturas
desacostumadas a viver em liberdade
e sem qualificação profissional,
não teria a importância que as
comemorações de seu centenário
pretendem dar-lhe. Qual a sua
opinião a respeito?
Raul –
Pensando historicamente, a Lei
Áurea terá promovido muitos e
graves problemas sociais, em razão
dos elementos apontados na sua
pergunta, e outros vários. Porém,
mesmo com os dramas que aturdiram a
tantos ex-escravos, agora libertos,
tais como o drama da
desqualificação profissional da
maioria, das represálias de
ex-senhores que não os aceitavam
mais em seus latifúndios, ainda que
fosse até se arrumarem melhor,
etc., entendemos que o primeiro
passo estava dado, a fim de que
outros passos viessem depois, mais
importantes. Deveremos, assim,
valer-nos dessa conquista legal,
para a legitimação, ampliação e
conscientização das liberdades do
ser humano, a fim de que se torne
útil, no cumprimento dos seus
deveres de criatura realmente livre.
– Que é que
falta para que os descendentes da
raça negra possam ter os mesmos
direitos e a mesma participação
que os brancos desfrutam em nossa
sociedade atual?
Raul –
Creio que, enquanto estivermos dando
um excessivo valor às diferenças
raciais, a tendência será a
perpetuação dos desregramentos
emocionais vigentes, à semelhança
das violências entre estouvados que
torcem por times diferentes,
admitindo que o seu seja sempre o
melhor. Os descendentes da raça
negra, devidamente conscientizados
pelo lar, pela escola, de que no
Brasil a legislação não sustenta
qualquer tipo de racismo, e
aprendendo que não deverá
valorizar qualquer racismo
individualista ou grupal, mas que
deverá pautar sua vida na
dignidade, no trabalho nobre, na
participação consciente e ativa
nos variados episódios e segmentos
da sociedade, estará laborando para
que seja respeitado como ser humano,
independente da sua raça.
O entendimento e
respeito às Leis de Deus, que regem
a vida das criaturas da Terra, em
muito clarificará entendimentos
para que não nos atropelemos,
gerando ou mantendo qualquer nível
de preconceito. A educação
cristã, o entendimento espírita,
acerca da reencarnação, a firmeza
de propósitos no bem, enquanto na
convivência social, certamente é o
de que carecemos para desmantelar as
edificações extra-oficiais do
racismo, do preconceito e seus
sequazes.
Hoje,
infelizmente, saímos de um contexto
de escravidão física dos homens de
epiderme negra, para vermos toda a
Terra, brancos, negros e outras
raças, chafurdada no mais tremendo
processo de escravidão que podemos
conhecer: a escravidão da alma aos
vícios e desequilíbrios, o que
constitui a escravidão moral.
Unamo-nos, todos, de todas as
raças, para conjurar esse flagelo
terrível, sob a luz das lições do
nosso Mestre Jesus, com a bússola
que nos enseja a Doutrina Espírita.
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