Imaginemos as
lutas e as dificuldades pelas
quais passou o Dr. Inácio
Ferreira, durante os cinqüenta
anos dedicados à psiquiatria,
exercida corajosa e pioneiramente
num hospital espírita. Foram
tempos difíceis, mas que lhe
possibilitaram os méritos que o
levaram, depois de desencarnado,
à direção de importante setor
hospitalar no Mundo Espiritual.
Inácio
Ferreira passou a ser, ao lado de
Bezerra de Menezes e de Eurípedes
Barsanulfo, referência no
tratamento psiquiátrico à luz do
Espiritismo. Mas, eis que,
certamente idealizado por inimigos
– seus e da Doutrina Espírita
– está sendo levado a público
um verdadeiro programa de
comprometimento da sua figura de
médico e de espírita, nessa
verdadeira caricatura que nos é
apresentada através das obras
mediúnicas psicografadas por
Carlos A. Baccelli, em que o
ilustre médico é mostrado como
espírito vulgar, pueril,
irritadiço, rude e irreverente.
Como é que se
pode imaginar que um Espírito a
quem foi atribuída a direção de
um setor de importante
instituição hospitalar no Mundo
Espiritual apresente-se assim?
Admitindo-se que teve falhas
durante a sua encarnação, que
fosse, para ele, usual a franqueza
rude, a ojeriza aos clérigos, que
fosse ele um fumante inveterado,
seria crível que voltasse
exibindo suas falhas? Até seria
compreensível que, objetivando
fins pedagógicos, as declarasse
e, humildemente, se penitenciasse
delas. Mas, o que se vê é
realmente o contrário. Ele
mostra, até com certa ufania, os
seus defeitos. Tendo-se em vista a
natureza eminentemente educativa
do Espiritismo, entende-se que,
numa obra espírita, quando há o
relato de uma atitude equivocada,
menos edificante, deve haver um
comentário que mostre claramente
o seu aspecto negativo, a fim de
que a gravidade das cenas não
seja minimizada, passando ao
leitor menos esclarecido a idéia
de que se trata de algo mais ou
menos natural.
Assim,
entendemos como ensinamento
negativo, indução ao erro, essas
repetidas referências ao vício
de fumar, às páginas: 28, 29,
37, 44, 58, 62, 85, 101, 117, 119,
135, 142, 159, 161, 162, 166,167,
179, 189, 203, 218, 228, 244, 248,
263.
Submetemos à
sua apreciação o comentário que
fazemos de alguns parágrafos da
obra, transcritos na cor azul, em itálico,
seguidos dos números das
páginas, entre parênteses.
Abri
a gaveta da escrivaninha, acendi
um cigarro – o que, hoje, para
um médico, à frente do seu
paciente, seria um comportamento
absurdo, entretanto reconheço, a
irreverência sempre fez parte do
meu modo de ser; sempre detestei
as chamadas convenções sociais,
por isto, quanto mais me
provocavam, mais animado eu me
sentia para lutar em prol das
minorias. (58)
Será essa
figura de um Espírito que se
ufana de ser irreverente, birrento
e de ter sido fumante inveterado,
pouco delicado em suas
expressões, um exemplo a ser
apresentado ao público por uma
Doutrina que pretende trazer de
volta os ensinamentos educativos
de Jesus? Admitamos que tivesse
sido assim enquanto viveu na
Terra. Mas, hoje, quando se
apresenta como diretor de um
hospital psiquiátrico localizado
no Mundo Espiritual, é-lhe
lícito declarar essas falhas, sem
nenhuma orientação ao leitor,
que pode tomá-lo como modelo?
Depois
de vinte minutos de monólogo (Era
a parte da Medicina em que não me
interessava ouvir os pacientes
como se eu fosse um padre vestido
de branco), o fazendeiro se
revelou. (58)
Como pode um
psiquiatra não ouvir, com
paciência, o seu paciente?
O
senhor tem um diagnóstico para o
meu caso? Se preciso, eu me
internarei. Volto a Ribeirão,
invento uma viagem longa e
venho... (59)
Conhecendo a
gravidade do seu caso, que era uma
forte atração homossexual, o
paciente estava preparado para
suicidar-se. Depois de ligeira
conversa, entregou o revólver ao
Dr. Inácio e ofereceu-se para
internar-se, a fim de receber
tratamento. Observe-se como reage
o médico psiquiatra...
Deixando
a caneta e o bloco de lado,
aconselhei:
– Eu acho que você deveria
tomar alguns passes, procurar orar
com mais freqüência, tendo o
propósito de fortalecer a
vontade... Por que você não
freqüenta um centro espírita em
Ribeirão Preto? Você é um homem
rico: o Espiritismo luta com muita
dificuldade para manter as obras
sociais que desenvolve... Procure
se sentir espiritualmente mais
útil aos semelhantes. Vou ser
sincero com você: o seu caso não
tem solução da noite para o dia;
não vou interná-lo sem
necessidade... (63)
Um suicida em
potencial, embora tendo deixado o
revólver, continuava doente. Foi
despachado sumariamente. Seria
tão inocente esse médico, a
ponto de acreditar que, com meia
dúzia de palavras, havia
convencido, de uma vez por todas,
o paciente a não se suicidar?
Não é isso que se aprende no
Espiritismo...
–
Então – disse-lhe, contrariando
talvez a opinião de muitos
confrades puritanos (aliás,
esqueci-me, linhas atrás, de
falar também quanto sempre
detestei a hipocrisia dos
fariseus, dos modernos fariseus
travestidos de espíritas), seria
interessante que você se
separasse de sua esposa... Ela
está jovem e quem sabe consiga
refazer a vida. A separação
conjugal não anularia, diante dos
filhos, a sua responsabilidade de
pai amoroso. Você adiaria a
solução do problema para uma
outra vida. Tudo, menos o
suicídio!... (64)
Numa única
consulta, conhecendo apenas
superficialmente o drama do
paciente, aconselha-o a separar-se
da esposa. É de se estranhar que,
na condição de psiquiatra
espírita, tendo a facilidade de
uma consulta aos Espíritos,
através da excelente e segura
médium Maria Modesto Cravo, não
tenha tentado um tratamento. Além
disso, retrata, no livro, de modo
rude, sua posição à época,
fazendo referência pesada e
desairosa a espíritas, numa
atitude pouco compatível com a de
um médico que se propunha curar
perturbações mentais. Será que
continua assim, depois de
desencarnado? Se não, por que
perdeu a oportunidade de deixar um
bom ensinamento, declarando que
hoje seu entendimento é outro? O
leitor poderá mirar-se nesses
exemplos e tomá-los como modelos.
O
adiantado da hora me fez apressar
o término da consulta. O relógio
de bolso, que consultei sem
cerimônia, assinalava quinze
minutos depois das onze. Eu
precisava almoçar e ir para o
Sanatório. (64)
Será que
queria livrar-se do paciente
porque chegara a hora do seu
almoço?
Balbuciei
algumas palavras censuráveis que
se misturaram ao ribombar dos
trovões e segui adiante. (66)
Poderia ser
essa declaração tomada como um
ato de humildade, se o seu autor a
reconhecesse como algo reprovável
que fazia na Terra. Mas, agora, na
condição de autor de um livro
espírita, deveria declarar alto e
bom som que essa não é atitude
de um espírita. Pode ser que até
agora não tenha logrado
desfazer-se do mau hábito de
praguejar, mas deveria mostrar
claramente que tal atitude é
reprovável.
Note-se o
excesso de realismo em
descrições perfeitamente
dispensáveis, às páginas 72 e
73. Parece concessão à
licenciosidade de alguns autores
de literatura moderna.
–
O assunto é complexo, Inácio.
Você veja: há pouco tempo,
estando em casa orando,
apareceu-me o espírito Eurípedes
Barsanulfo. Preocupada com a
situação que estamos vivenciando
no Sanatório, perguntei a ele
qual o motivo pelo qual as
entidades renitentes não eram
esclarecidas no Além... Ele me
respondeu, afirmando que não é
por falta de empenho dos nossos
Maiores que isso não acontece;
segundo Eurípedes, o problema é
falta de receptividade psíquica:
essas entidades deixaram o corpo,
mas continuam vivendo nos
subterrâneos da Vida. Ele até me
citou o caso do espírito profeta
Samuel, que, segundo a Bíblia,
subiu para conversar com Saul,
através da faculdade de uma
pitonisa... Ora, se Samuel subiu,
é porque o seu espírito, apesar
de ter sido um dos profetas mais
célebres da Antigüidade, estava
recolhido no interior da Crosta...
(152)
Diante desse
relato atribuído à médium Maria
Modesto Cravo, seria de se
perguntar: será que os Espíritos
Orientadores sempre dependem de
médiuns para entrar em contato
com Espíritos que ficam presos à
Crosta? E nos países onde não
há mediunidade atuante como no
Brasil? Se o Profeta Samuel
habitava planos subcrostais, o que
será de nós?
–
Isto deve ser gente do Xandico –
resmunguei em voz alta, acendendo
um cigarro e incinerando o abjeto
bilhete, na impossibilidade de
incinerar o seu autor. (179)
Essa, a
reação do Dr. Inácio, ao ler um
bilhete insultuoso deixado à sua
porta. Modo irreverente de
referir-se a um a pessoa de outra
religião. Se o Autor era assim,
irritadiço, à época, deveria
agora fazer uma ressalva,
mostrando que reconhece o seu
erro, a fim de que a atitude
equivocada não sirva de modelo.
Entretanto, ao longo da obra,
tem-se a impressão que lhe causa
um certo prazer em mostrar-se
agressivo, ríspido, rude.
Em
suas manifestações na cidade de
Sacramento e Santa Maria, quando
se opusera frontalmente ao
trabalho missionário de
Eurípedes Barsanulfo, Torquemada
emergira dos porões da
Espiritualidade com imenso
séquito de seguidores; segundo eu
soube mais tarde – pasmem todos!
– fora ele que inoculara o
vírus da gripe espanhola, que, em
1918, obrigara o Apóstolo da
Mediunidade em terras do
Triângulo Mineiro a interromper o
seu trabalho... Possível ou
impossível? A resposta a
semelhante indagação ainda não
está comigo. Quem tenho, no Mundo
Maior, procurado auscultar, a
respeito do assunto, cala-se
inexplicavelmente. (193)
Como tomou
conhecimento dessa história?
Mesmo no Mundo Espiritual, não
pôde saber se trata de verdade ou
boato? Se não tem certeza, por
que relata um fato que se reveste
da maior gravidade? A Doutrina
Espírita não trata de casos de
"ouviu-se dizer..."
O episódio do
Espírito Torquemada ter ficado
escondido, trancado num quarto do
Sanatório, aguardando
reencarnação, é fato inusitado.
(233/234)
Seria
interessante consultar um zoólogo
a fim de se verificar como uma
sucuri, tendo ainda uma cabeça de
vitelo no estômago, devorara duas
galinhas antes de ir engolir uma
criança, que estava no berço,
dentro de casa. Se os Espíritos
que passaram a perseguir
Torquemada tiveram o poder de
descobri-lo encarnado, tiveram o
poder de orientar uma sucuri a fim
de engoli-lo, como não o
descobriram no seu cárcere no
Sanatório? (256/257)
Ainda
segundo informações que os
amigos que, semanalmente, vinham a
Uberaba nos traziam, o padre da
pequena capela rural das
imediações recusara-se a batizar
o menino! Pasmem todos!: a Igreja,
que fizera do espírito Tomás de
Torquemada aquilo em que ele se
transformara, agora o vomitava,
considerando-o, com certeza, um
filho de Satanás. Impressionante
a desfaçatez das instituições
governadas pela hipocrisia dos
homens!... (244)
Referência
desairosa e desnecessária à
Igreja.
Queremos deixar
claro que, ao fazermos esta
análise não nos moveu o intuito
de denegrir a imagem do Médium,
uma vez que nossa crítica se
direciona sobre a sua produção
mediúnica. O irmão Carlos
Baccelli merece todo o nosso
respeito, mas a sua obra
mediúnica toda a nossa crítica.
Isso aprendemos com Jesus, que
sempre criticou o pecado, nunca o
pecador.