A viagem que cada
um de nós realiza em torno de si
mesmo, buscando alcançar a
liberdade de ação, é desgastante
porque é desesperadora. O
sentimento de prisão e a sensação
de amarras que sentimos,
literalmente, em nossos movimentos,
nos impedem sempre de agir. Difícil
compreender de onde vêm e porque
estão tão presentes em nós.
A consciência
dessa presença é tão viva que nos
dá a impressão de ser um estado
natural e, portanto, impossível de
ser desfeita. O que torna tudo isso
incrível é a necessidade de
liberdade de movimentos – e não
falamos, apenas, de movimentos
físicos, sejam eles de que ordem
forem – que convivem, de alguma
forma, com essa constante presença
em nossas vidas: as amarras.
Apesar da
dificuldade, vamos procurar
compreender o significado dessa
contradição que nos impede de
crescer para essa amplidão
psíquica que nos é de direito
possuir. O sentimento de liberdade
– não importam agora as
diferentes conceituações que se
possam dar a ele – está inserido
na própria natureza humana quando
da sua criação. Essa liberdade, no
nosso entender, não se refere
àquela em que cada um pode realizar
o que deseja – e muitos
apreciariam esse estado de coisas
– para satisfazer seus mínimos
caprichos; se buscamos isso, basta
olhar ao nosso redor para
entendermos que a liberdade de cada
um encontra limite na liberdade do
outro. O direito que exigimos de
sermos livres também é o direito
do outro.
Esse sentimento
ao qual nos referimos é a vontade
de alcançar algo acima das amarras
que nos prendem ao solo. Quantas
vezes, cada um de nós já não
desejou, ao olhar para o espaço,
projetar-se em um imenso mergulho
nessa imensidão. E estamos falando
do mergulho físico, literalmente. O
sentimento de liberdade ainda se
liga ao da sensação que precisamos
experimentar. As nossas emoções
precisam, ainda, de parâmetros
físicos. Por essa razão, quando
falamos ou pensamos em tal conceito,
nos imaginamos voando ou, para
aqueles que preferem, mergulhando
nas profundezas do oceano, ou ainda
em altas velocidades procurando
chegar mais depressa a lugar algum.
É muito pouco
comum o ser humano perceber, com
clareza, qual a liberdade que ele
experimenta e qual realmente deseja.
A confusão é evidente tendo-se em
conta que o mundo que nos cerca é
basicamente estruturado em razão de
vivências sensitivas. Necessidade
do Espírito para o seu crescimento!
Assim, apesar de em algumas
ocasiões experimentarmos essa
liberdade "física" –
mesmo que por breves instantes –
acabamos retornando ao solo e nos
sentimos amarrados. Duas
necessidades que aparentemente se
contrapõem, mas absolutamente
importantes para aprendermos a
separá-las e vivenciá-las, cada
uma no seu momento.
É importante
levarmos em consideração que o
processo de identificação,
separação e vivência conceitual
pode ser o mesmo do crescimento
físico pelo qual passamos da
infância à maturidade. Nossos
primeiros contatos com o mundo
material se iniciam através do tato
e muito lentamente passamos da fase
do concreto para a conceitual. Por
exemplo, primeiro sentimos a mesa
(sensação física, táctil) para
depois entendermos que a mesma
palavra significa não só aquela
mesa que primeiro nos serviu de
parâmetro, mas todo e qualquer
objeto que tenha a mesma finalidade.
Transportando para o conceito de
liberdade é inevitável depararmos
com tal similitude. Entretanto,
enquanto não abandonarmos a idéia
de girar ao redor de nós mesmos,
nessa busca interminável, nenhum
passo conseguiremos dar em direção
ao sentimento idealizado. O máximo
que poderemos alcançar é,
indubitavelmente, o realizado por
causa da nossa total limitação
psíquica de apreender o verdadeiro
significado de liberdade.
No estágio
evolutivo em que o homem se
encontra, e só podemos falar agora
do nosso planeta, esse máximo
conquistado representa, por ora, uma
grande vitória. Entretanto, é
imprescindível levar-se em conta
que, apesar de o tempo trabalhar a
nosso favor, não podemos adiar mais
a decisão de nos preparar- mos para
o verdadeiro mergulho. Jesus nos
deixou, em passagem evangélica, a
confirmação de que somos muito
mais capazes do que julgamos ser, e
diz claramente que poderíamos ser
como ele era e realizar o que ele
realizava. O Mestre conhecia a alma
humana; sabia de toda a
potencialidade e também de todos os
seus medos.
O ser e o
realizar como ele significa, no
nosso ponto de vista, o
movimentar-se dentro do mais
profundo respeito com toda a obra
divina, a começar por si próprio.
Entendemos que esse respeito só se
dá na medida em que conhece- mos o
objeto da nossa preocupação; na
medida em que reconhecemos, em todos
os cantos, a obra divina. Sem essa
premissa verdadeira, dificilmente
seremos capazes de nos reconhecermos
como tal e, portanto, de nos respei-
tarmos. Mas, quando isso acontece,
iniciamos a preparação para o
mergulho dentro de nós mesmos. No
reconhecimento do outro como
parceiro – porque também criatura
do mesmo Criador – e não mais
como adversário na conquista do
direito de ser livre, vamos
desenvolver o que há de mais
precioso nessa batalha pessoal: a
FRATERNIDADE. Quando nos
reconhecemos como iguais –
detentores dos mesmos direitos –
nos sentimos em condições de
compreender o outro em toda a sua
capacidade de, aliado a nós, ser
agente modificador de tudo que nos
cerca. Essa possibilidade que se
abre ao Espírito em luta na busca
de sua liberdade, proporciona o
encontro com seu EU, com sua
consciência cósmica, dando-lhe a
certeza de que sua liberdade está
na união das duas vertentes que se
lhe apresentam, no início, como
sendo contraditórias: a vertente
material – vida de sensações,
limitada, e a vertente espiritual
– vida consciencial, não
limitada.
A aparente
dualidade que o ser humano vivencia
é que lhe traz esse desespero e a
sensação de estar preso a amarras.
Essa dualidade é necessária. O que
se torna dispensável é a
valorização que se dá apenas a
uma delas, pois somente através da
experiência material pode o
Espírito crescer em entendimento de
suas verdadeiras potencialidades,
como obra de Deus - criado para ser
perfei- to, dentro de toda a
relatividade possível - mas,
inevitavelmente, destinado a ser
foco de luz a clarear outros
corações, que um dia estarão
vivendo as mes- mas angústias e os
mesmos medos que hoje
experimentamos.