DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)
Aos
rebeldes, o látego
e o
freio da espora
Resposta a uma leitora
De quando em vez, tenho
recebido carinhosas
manifestações de
leitores sobre os textos
assinados por mim, o que
me deixa muito feliz e
grato, aumentando a
responsabilidade de
repassar cada vez mais e
melhor os conhecimentos
da Doutrina Espírita,
doutrina de Jesus por
excelência.
Bem. Nosso texto é do
tipo “resposta ao
leitor”, como se nota,
fugindo ao estilo
lacônico, característico
desse propósito. O
gancho, ou motivo, deste
artigo, veio de uma
leitora, chamada Bruna
Buzzo, sem ela ter dito
de onde procedia, cuja
sua correspondência é
datada de janeiro deste
ano. A nossa legente
pareceu-me sobremodo
aflita, segundo ela, por
causa de “uma frase,
apenas uma” que consta
de um tema de O
Evangelho segundo o
Espiritismo. Em
seguida, o motivo de sua
preocupação, expressado
nas argutas e
interessantes
indagações, aliás, bem
escritas, através do
e-mail a mim redigido:
"Como é que Allan
Kardec, considerado
pelos espíritas 'o bom
senso encarnado'
publicou a mensagem:
Obediência e
resignação?! Nela, há
uma frase (apenas uma!)
que contradiz a do
próprio texto e as do
capítulo nono (para não
dizer as frases de todas
as mensagens de
capítulos do livro) cujo
tema principal é:
'Bem-aventurados os que
são brandos e
pacíficos'. Essa
mensagem consta do item
8, de O Evangelho
segundo o Espiritismo.
Gostaria que me
prestasse uma minuciosa
explicação no que Lázaro
adverte:
Ai do espírito
preguiçoso, ai daquele
que cerra o seu
entendimento! Ai dele!
Porquanto nós, que somos
os guias da Humanidade
em marcha, lhe
aplicaremos o látego e
lhe submeteremos à
vontade rebelde, por
meio da dupla ação do
freio e da espora.
(Federação Espírita
Brasileira, tradução de
Guillon Ribeiro.)
Infeliz do Espírito
preguiçoso, daquele que
fecha o seu
entendimento! Infeliz,
porque nós, que somos os
guias da humanidade em
marcha, o chicotearemos,
e forçaremos a sua
vontade rebelde, com o
duplo esforço do freio e
da espora.
(Lake — Livraria Allan
Kardec Editora, tradução
de Herculano Pires.)
Ai do espírito
preguiçoso, daquele que
fecha seu entendimento!
Infeliz! porque nós que
somos os guias da
humanidade em marcha, o
atingiremos com o
chicote, e forçaremos
sua vontade rebelde no
duplo esforço do freio e
da espora.
(Instituto de Difusão
Espírita, tradução de
Salvador Gentile.)
Aplicar o látego?!,
submeter a vontade
rebelde por meio da
dupla ação ou duplo
esforço do freio e da
espora?! Que estranho!!
Que 'guia da humanidade”
é esse Lázaro?! Será que
aqui não se aplica o
'mais vale rejeitar nove
verdades do que aceitar
uma mentira' , ou,
incoerência?..."
Tudo bem. Conforme os
modestos conhecimentos
doutrinários que creio
possuir, primeiro, digo
com segurança: as frases
traduzidas pelos
ilustres e competentes
nomes não encerram
“contradição” nem
“incoerência”. As
traduções não
“contradizem a do
próprio texto e as do
capítulo nono nem “as
frases de todas as
mensagens de capítulos
do livro”, segundo
palavras suas, sequer
põem em risco a justa
afirmativa do célebre
astrônomo Camille
Flammarion, creditada a
mestre Allan Kardec, o
Codificador do
Espiritismo.
O látego, dupla ação do
freio e da espora
Constitui-se, sem
dúvida, uma drástica
figura que, suscitada
pela imaginação, dá ao
pensamento intensa
veemência. O emprego do
“látego”, ou “chicote”,
“forçado pela dupla
ação, ou duplo esforço,
do freio e da espora”
significa aquilo que o
rebelde e arrogante
tomará por “castigo”, ou
seja, o chicote e a
espora da Lei de Causa e
Efeito que freia
impulsos grosseiros e
vícios dominadores, ou,
ainda, aquilo que pode
esperar quem faz o bem,
e pensa em retorno,
mostrando-se indiferente
às coisas espirituais,
sem dar a mínima à sua
reforma moral,
conservando-se orgulhoso
e egoísta.
Em outras palavras, essa
idéia alude àquilo que
os insensíveis ao “bem
ao próximo como a si
mesmo” devem esperar, às
angústias e decepções às
quais estão sujeitos os
hipócritas, os
aproveitadores da
credulidade do povo que
visam obter lucros,
vantagens, poder,
incluindo-se criminosos
de toda a sorte e todos
os que andam errados e
preferem seguir no erro.
Quem foi Lázaro, nada
estranho
“Que guia da Humanidade
é esse Lázaro?” É ele
mesmo! Aquele que viveu
numa aldeola da Betânia,
“amigo de Mestre Jesus”,
ao qual os evangelistas
se referiram. (1)
Lázaro, quando
encarnado, era judeu.
Levando-se em conta a
cultura e a
religiosidade dos
antigos habitantes do
reino de Judá, não há
nada de estranho
naquelas austeras
palavras. Ele existiu
numa época em que
persistia a concepção de
“castigos divinos”,
muito embora Jesus
tentasse inculcar o
pensamento de que Deus
não se teme, mas,
sobretudo, se ama, e na
presença do próximo.
Note nessa citada
mensagem que Lázaro,
cujo nome procede da uma
forma grega da
abreviação hebraica
lãzãr — Eleazar (“Deus
ajuda”), até
desencarnado, não se
livrara de antigas
idéias. Para a grande
maioria das Almas deste
mundo é natural. Muitos
não se libertam tão
facilmente das
convenções terrenas após
o desligamento do corpo
perecível.
Entretanto, Lázaro, por
possuir virtudes
comprovadas pelo Mestre,
mereceu tomar parte
dessa diversificante
comitiva sob a chancela
do Espírito da Verdade.
Como um dos “guias da
Humanidade”, preocupado
com a nossa obstinação e
negligência, ele, tal
qual um verdadeiro pai
extremamente zeloso, fez
uso de uma linguagem
drástica com o propósito
de despertar-nos dessa
infeliz indiferença pelo
nosso próprio progresso
moral, preservando-nos
de maiores e mais
sofrimentos. (2)
Vale salientar de novo
quanto a: “Nós, os guias
da Humanidade em marcha,
lhe aplicaremos o
látego, ou chicote, e
lhe submeteremos, ou
forçaremos, à vontade
rebelde”. Conforme
(repito) o meu modesto
modo de ver, há um outro
sentido implícito e,
veja, genérico! Nesse
trecho, entendo também
por nós, os guias da
humanidade em marcha, os
Espíritos obsessores, os
inimigos do passado...
Não são eles parte
importante do nosso
adiantamento? (E como
são!) Hoje, entendemos
serem os nossos
“melhores
orientadores”...
Quer queiram aceitar
esse fato, quer não
queiram, são os nossos
inimigos que, por nos
causar sofrimento,
compelem-nos a ter
humildade, paciência e a
reconhecer o valor do
perdão sincero, o ponto
máximo e sublimado da
caridade ao próximo por
amor a Deus. Portanto,
aquele segmento não quer
dizer que o próprio
Lázaro sairia por aí
dando chicotadas a torto
e a direito, a subjugar
a vontade rebelde por
meio da dupla ação do
freio e da espora qual
se estivesse amansando
um cavalo xucro. Para
bom entendedor, um pingo
é letra...
Eis o porquê de Kardec
ter publicado a
mencionada mensagem de
Lázaro, em abril de
1864, na excelente obra,
O Evangelho segundo o
Espiritismo, Kardec
que, para nós, jamais
deixará de ser “o bom
senso encarnado”.
Ninguém, nenhuma
doutrina, nenhum
sacerdote com ou sem
paramentos soube ou sabe
explicar, e justificar!,
o que a clareza
meridiana do Espiritismo
explica e justifica.
Doravante, prezada
leitora, não se apegue
de tal maneira a
pequenos trechos de
linguagem figurada,
procure mais se ater à
sua essência, estude,
faça um curso de
Doutrina e, por favor,
não sofra tanto.
Notas:
(1)
Para quem quiser ler um
resumo biográfico de
Lázaro, irmão de Marta e
Maria, “ressuscitado”
por Jesus, é só acessar
o site da Federação
Espírita do Paraná,
http://www.feparana.com.br,
indicação do meu
fraterno amigo, o Prof.
Edvaldo Kulcheski, de
Curitiba, PR, orador e
estudioso da Doutrina
Espírita além de idôneo
pesquisador dos
fenômenos mediúnicos.
(2)
Essa mensagem foi
ditada em 1863,
Paris, França.
Muitas mensagens de
O Evangelho segundo
o Espiritismo e das
outras obras da
Codificação
Kardequiana,
incluindo-se a
Revista Espírita,
são dotadas de
termos e conceitos
tropológicos. É
compreensível.
Grande parte das
dissertações são de
autoria de Espíritos
católicos quando
encarnados.
O autor é jornalista,
membro-fundador da UDEsp
(União dos Delegados de
Polícia Espíritas do
Estado de São Paulo) e
presidente-fundador da
Fraternidade Espírita
Aurora da Paz (Feap),
site
www.feap.udesp.org.br,
São Paulo, Capital.