No último dia
11 de maio, em cerimônia com a
presença da autoridade máxima da
Igreja Católica (Papa Bento XVI,
o Cardeal alemão Joseph Ratzinger)
no Brasil, foi canonizado o frade
franciscano Antônio de Sant’Anna
Galvão (mais conhecido como Frei
Galvão), o primeiro santo
brasileiro 1.
A estratégia
da cúria católica tem apoio no
fato de que o Brasil – país com
o maior número de adeptos desta
religião no mundo – nunca teve
um filho seu nesta condição. A
canonização foi a alternativa do
pontificado de João Paulo II (o
polonês Karol Wojtyla) que,
preocupado com a expansão
crescente de outras filosofias e
seitas, adotou a prática como um
meio de manter a penetração do
catolicismo nas diversas regiões
do planeta. Antes dele, a Igreja
tinha 302 santos. Wojtyla
consagrou 482 nos 26 anos de seu
papado, contribuindo decisivamente
para a manutenção da
popularidade católica, já que a
relação com o sagrado (divino)
fica mais familiar, próxima e
palpável, fortalecendo os laços
dos fiéis com a religião que
professam, aproximando a criatura
do Criador.
O estágio de
santidade (canonização) é a
última fase de um processo que se
inicia com a condição de servo
de Deus, cinco anos após a morte
do candidato, a partir de
iniciativa do bispo da diocese em
que o mesmo viveu. Após,
defendido por um postulador, que
enfrenta um contraditor, ambos
nomeados pelo Vaticano, são
provados (ou não) o martírio
ou as virtudes daquele que,
se confirmada um ou outras,
alcança a fase de venerável. O
processo, então, desenvolve-se em
trâmites burocráticos em Roma,
para que seja oficializado o
martírio ou, no caso dos
milagres, um deles pelo menos
precisa ser atestado por médicos
e teólogos. Se positivado,
atinge-se, assim, a condição de
beato. Na circunstância da prova
de um segundo milagre, o candidato
alcança a santidade, por ato do
pontífice, que detém a última
palavra neste processo, a qual é
declarada em cerimônia
específica, na sede romana ou no
país de origem ou de atividade do
santo 2.
O caso de
Galvão ultrapassou, por exemplo,
o de José de Anchieta, o
Apóstolo do Brasil, religioso
espanhol que viveu a maior parte
da vida em nossa pátria,
beatificado por João Paulo II
(1980) e que aguarda a prova
material de um milagre. Mais de
4.500 relatos referentes a curas
do Frei Galvão foram apreciados,
sendo provados, em 1998, a cura de
uma menina (Daniela Cristina da
Silva, desenganada por médicos em
1990, por causa de uma hepatite
aguda) e, em 1999, a gestação
que vingou e gerou um filho (a
gestante Sandra Grossi de Almeida,
com má-formação do útero já
havia tido dois abortos
espontâneos). Nos dois casos, as
pessoas ingeriram as conhecidas
"pílulas de Frei Galvão",
pedacinhos de papel de arroz,
enrolados em forma de cânula, em
que se acha impressa uma oração
atribuída ao religioso (prece em
latim à Virgem Maria). Tais
pílulas são distribuídas
diariamente aos fiéis que
comparecem ao Mosteiro da Luz
(SP), numa quantidade superior a
5.000, por dia.
A santidade é
uma espécie de grau máximo na
hierarquia dos homens, segundo a
religião católica, que indica
que o ser é iluminado, um
intermediário entre as pessoas
"comuns" e o Plano
Divino. Segundo teólogos e
especialistas, a santidade permite
a cumplicidade dos seres humanos
(fiéis) com o representante de
Deus na Terra, diminuindo o
assombro diante da superioridade
do Criador, conferindo humanidade
à transcendência. De modo
análogo, outras religiões e
filosofias têm seus
"santos", mártires,
missionários, iluminados,
avatares ou intermediários,
chegando, inclusive, a estabelecer
entre eles certos degraus ou graus
hierárquicos.
Para o
Espiritismo, que não cultua
santos, não prescreve hierarquias
litúrgicas e, tampouco, acredita
em milagres (já que as curas
espirituais pertencem ao plano da
relação com as energias), tais
são reconhecidos como médiuns
– atributo inerente à
condição espiritual ("todos
somos médiuns"). Todavia,
nem todos possuem idêntica
mediunidade, em razão das provas,
expiações e missões a que nos
achamos sujeitos, na esteira das
encarnações. A mediunidade, que
não é circunstância exclusiva e
particular do Espiritismo, ocorre
em todo e qualquer lugar,
estabelecendo o intercâmbio entre
os mundos espiritual e físico e,
neste sentido, visa atender às
necessidades e minimizar as
dificuldades humanas. O traço
distintivo entre os médiuns,
sempre, é a sua moralidade,
demonstrativa do alcance de
patamares espirituais mais
adiantados, a integração
paulatina na obra divina.
Há, em
verdade, uma
"necessidade" dos
indivíduos – mesmo em
instituições e no movimento
espírita – de
"acercar-se" de santos
ou protetores no curso da vida.
Assim, por exemplo, determinados
médiuns acabam sendo elevados à
"categoria" de santos,
pelos espíritas (simpatizantes ou
adeptos) que não entendem ainda
muito bem o conteúdo da proposta
da Doutrina Espírita. E o fazem,
é claro, sem maldade mas por
ingenuidade ou falta de estudo ou
conhecimento, quando o médium
está vivo e/ou após a sua morte,
como ocorreu com Francisco
Cândido Xavier.
Respeitando os
adeptos de outras crenças e,
até, os "quase-espíritas"
(isto é, aqueles que no seio do
movimento espírita agem como se
houvesse santidade), devemos
entender melhor a dinâmica da
vida (material-espiritual) para
aproximarmo-nos de Deus por nossa
conduta mais espiritualizada,
estudando a filosofia espírita e
encarando a mediunidade como o
exercício do amor e da
fraternidade, laço de
aproximação das criaturas entre
si e com Deus. Sem santos, mas com
(e como) homens de bem!