Para os
materialistas, o homem resume-se
ao conglomerado celular
representado pelo corpo carnal e
nada dele subsiste ao fenômeno
morte. Para os espiritualistas em
geral, possuímos uma alma eterna,
às vezes diluindo sua identidade
no espírito divino após a
experiência física. Nas
religiões orientais e correntes
esotéricas, somos constituídos
por um espírito ou alma e vários
corpos, até sete ou nove. Para os
espíritas, simplificadamente, o
homem possui três elementos: o
corpo físico, a alma e o
perispírito ou corpo fluídico
que serve de intermediário entre
ambos. Revelações outras de
encarnados e desencarnados parecem
não deixar dúvidas de que há
pelo menos mais dois corpos: o
vital ou etéreo e o mental.
Em mais um dos
muitos paradoxos que o
comportamento do ser humano é
apanhado, vê-se cada vez mais
pessoas capazes de se declarar
religiosas, agindo como
materialistas. Referimo-nos ao
endeusamento do corpo. Em 1994
foram realizadas 100.000 cirurgias
plásticas no Brasil, número que
saltou para 400.000 no ano
passado. Metade delas tinham
objetivos estéticos, com 40% de
lipoaspirações, 30% nas mamas e
20% faciais. Embora os homens
estejam aderindo, a imensa maioria
é de mulheres, muitas delas
dispostas a gastar R$100.000 para
fazer intervenções em até dez
regiões do corpo, algumas
repetidas com o tempo. Há casos
extremos em que somados às
cirurgias corretivas, tem-se o uso
de implantes de silicone e
aplicações de botox, tudo para
se "transfigurar" no
próprio ídolo, seja uma atriz
famosa ou uma dançarina bem
dotada.
Em 94, 5% do
total das plásticas envolviam
adolescentes, percentual que
triplicou em 2003, num total de
60.000. O alto grau de
insatisfação das adolescentes
com o corpo se dá ou por falta ou
pelo excesso de formas, mas bem
poucos casos necessitariam, do
ponto de vista médico,
intervenção destra natureza.
Para contornar o que julgam ser o
grande drama de suas vidas, muitas
contam com o incentivo das
próprias mães.
O corpo físico
constitui-se em valioso
patrimônio do ser humano
encarnado na Terra. É o veículo
imprescindível à sua
manifestação no mundo material.
Sem ele, o espírito estaria
impossibilitado de cumprir
importantes etapas de sua
evolução rumo à perfeição e
felicidade que lhe são inerentes
como destinação de criaturas
divinas. Somente reencarnado na
Terra, de posse de um corpo
carnal, é que pode expiar as
faltas do pretérito,
reajustando-se com seus
semelhantes, perante as leis
divinas e a própria consciência.
Por ele, desenvolve as faculdades
potenciais pelas provas e missões
a que se submete. Razão pela qual
deve zelar com muita dedicação
pelo seu bem-estar, evitando toda
ordem de excessos que possam lhe
comprometer o bom funcionamento.
Vícios, ociosidade, trabalho
demasiado, drogas, alimentação
inadequada devem ser evitados para
que a natureza siga seu curso
livremente até o momento em que,
tal qual uma veste desgastada,
seja abandonado.
Justos, pois,
os cuidados que visem a
manutenção e/ou melhoria da
saúde: exercícios físicos,
alimentação balanceada, higiene,
medicação quando necessária,
inclusive a preventiva, os
esforços, enfim, para manter a
aparência saudável, espelhando
no corpo a alegria que se irradia
da própria alma.
Entretanto,
embora o respeito ao
livre-arbítrio individual,
propõe-se uma reflexão em torno
da postura obsessiva com que o
corpo passou a ser exaltado. Para
quê? Até quando? Proporcionar
mais felicidade? A marcha
implacável do tempo fará
desvanecer por completo a ilusão.
Em vez da admiração à
embalagem, melhor cuidar do
conteúdo. O corpo não passa de
uma casca, perecível,
descartável. E quando tal
ocorrer, o que guardará dentro?
Não seria
melhor voltarmos um pouco para os
antigos filósofos que nos
recomendam a busca incansável das
virtudes? Jesus não nos falou
para ajuntarmos tesouros no céu
imunes à ação dos ladrões,
traças e ferrugem? Que prodígios
não realiza o amor ao próximo?
Valerá a pena, será lícito
aplicar quantias econômicas tão
vultosas para cultivar a vaidade
exacerbada quando há tanta
miséria, enfermidade, ignorância
ao nosso lado? Estas adolescentes,
tão preocupadas com a beleza
artificial, que valores éticos,
sociais e espirituais terá para
apresentar no futuro?
Estimulando-as a cirurgias
desnecessárias e enaltecendo o
capricho narcisista, não as
estamos condenando a serem adultos
inseguros, medíocres, privados de
ideais e incapazes de alçar vôos
mais longínquos na realização
de si mesmos?
|
Cada cabeça, uma sentença.
Somos livres para agir, mas da
semeadura que fizermos, dos frutos
teremos que nos alimentar, justa e
inevitavelmente. É a lei de causa
e efeito. Nesta ou na outra
dimensão, o reencontro com a
realidade, gerada por nós mesmos
e transformada na paz conquistada
com esforço digno ou em sombra de
dor pelos equívocos a reclamar
doloroso recomeço. Só depende de
nós.
|