Fé e obra
“Um homem tinha dois
filhos. Chegando ao
primeiro disse: filho,
vai trabalhar hoje na
minha vinha. Ele
responde: Irei, Senhor;
e não foi. O segundo
disse: não quero. Mais
tarde, tocado pelo
arrependimento, foi.”
Esta passagem, narrada
na Parábola dos Dois
Filhos (Mt, 21: 28-32),
mostra Jesus
perguntando-nos, através
dos discípulos: “Qual
dos dois fez a vontade
do Pai?” Duas
personalidades
revelando, sem dúvida,
as suas qualidades em
palavras e ações.
O interessante nessa
questão proposta por
Jesus é a possibilidade
de desdobramentos no que
se refere às atitudes
que temos, sem que,
necessariamente,
apresentemo-nos tão
somente como
personalidades da luz ou
da sombra.
São muitas as nuanças
que surgem quando somos
defrontados com
situações que exigem uma
tomada de decisão. A
própria parábola mostra
essa possibilidade
quando, de um lado,
temos o filho que aceita
a tarefa e não comparece
para sua execução, e, de
outro, o filho que nega,
mas que muda de atitude
após pensar melhor.
Com base nisso, podemos
observar três situações
bastante comuns – os
desdobramentos podem ser
maiores ainda –, no
momento evolutivo no
qual nos encontramos, e
que nos permite refletir
um pouco sobre elas.
Temos, de um lado, o
trabalhador que crê,
simplesmente, porque lhe
disseram que era preciso
crer em um ser superior,
sem a escolha pela
razão; de outro, aquele
que crê pelo
entendimento e não obra;
e, por último, aquele
que não crê, mas que,
raciocinando com lógica,
num grande esforço
intelectual, discernindo
e refletindo sobre o
convite ao trabalho no
bem, transforma o “não
quero” em ação
produtiva.
Na primeira situação,
temos aqueles
trabalhadores que
espalham inquietação e
desânimo, pois iniciam
um trabalho de caridade
– qualquer que seja – e
logo o abandonam porque
o mundo não presta – por
que vou esforçar-me? –;
ou porque não nasceram
para executar tarefas
que não tenham destaque;
ou porque não se acham
dignos de posição de
evidência, e quando
chamados a testemunharem
essa humildade, logo se
revoltam; ou porque,
aproximando-se qualquer
fé religiosa à espera de
benesses imediatas, e
não conseguindo,
afastam-se alegando que
tudo é mentira.
Essas criaturas
transitam entre
lamentações e queixumes,
de um altar para outro,
de uma igreja para
outra, com tempo
suficiente para se
sentirem perseguidas e
desconsideradas. Nunca
terminam a tarefa pela
qual se
responsabilizaram,
lembrando o aluno que
estuda continuamente sem
aprender a lição.
Na segunda, surgem
aquelas criaturas que
creem e, ainda assim,
vivem em paisagem
improdutiva sem nada
realizarem de útil a si
e ao próximo. É o
trabalhador de fé
inoperante. Recorda
Emmanuel que podem ser
comparados a motores
preciosos dos quais
ninguém se utiliza e que
acabam por enferrujarem.
Que são fontes que não
se movimentam para
fertilizar, nem o campo
íntimo, nem o que
estiver ao seu redor, e,
estagnadas, sem
utilidade, ficam
repletas de lodo. São,
enfim, luzes que não se
irradiam.
Na verdade, nessa
situação, somos sementes
guardadas, que sem serem
cultivadas não têm
qualquer serventia; ou
aqueles seres que
afirmam ter esperança
nas obras que uma tora,
que possuem, possa
apresentar – móveis,
casas, obras de arte
etc. – sem que se
disponham a usar as
ferramentas necessárias
para que isso ocorra.
Certamente, essa tora
ali ficará,
indefinidamente, até sua
desintegração.
E por fim, na terceira
situação, temos os
trabalhadores que
tardam, que demoram a
aceitar o convite ao
trabalho no bem, mas,
afinal, mudam sua forma
de pensar e acabam por
se tornarem, na maioria
das vezes, grandes
obreiros na Seara
Divina.
“Qual dos dois fez a
vontade do Pai?” –
pergunta Jesus. “O
segundo, responderam os
discípulos, e ele
completa o ensinamento,
dizendo: Em verdade vos
digo que os publicanos e
as meretrizes entrarão
primeiro que vós no
Reino de Deus.”
A fé é sempre o caminho,
mesmo que ela não seja
ostensiva. A caridade –
trabalho no bem – é o
fim. A fé na essência é
a semente de mostarda do
ensinamento evangélico
que crescerá na
proporção do trabalho de
elevação que realizarmos
em nós. É a semente
transformada em obras,
beneficiando a tantos...
Nas palavras de
Emmanuel¹, a fé sem
obras constitui
embriaguez perigosa que
nos convida a
aguardarmos benesses sem
esforço pessoal. É a
atitude do assalariado
que aguarda o pagamento
sem ter trabalhado.
É importante não
esquecermos que quando
nos dedicamos à ação,
colocamos em movimento
energias cósmicas que
são acrescidas do poder
divino. A nossa fé,
nesse momento, é em
Deus, que nos sustenta a
tarefa, e em nossa
capacidade de
realização.
A fé precisa ser
revelada ao mundo
através de nossas obras
para a felicidade de
muitos, pois somos
cooperadores do Pai na
construção de um mundo
melhor. O nosso amor,
através do trabalho,
estimula o amor do
outro. A nossa paz,
conquista pessoal e
intransferível, constrói
a paz entre aqueles que
nos cercam. A caridade
nos nossos passos,
através do exemplo,
despertará a caridade no
caminhar do outro. E com
nossa fé inabalável na
providência divina,
semearemos a fé ao redor
de nós mesmos.
Bibliografia:
1 – XAVIER, F. C.
Fonte Viva – pelo
Espírito Emmanuel – 16ª
ed., Editora FEB,
Brasília/DF – lições 26
e 39.
KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o
Espiritismo – Cap.
11 – item 13.
SCHUTEL, Cairbar.
Parábolas e Ensinos de
Jesus – 14ª ed., Casa
Editora O Clarim – 1ª
Parte – Parábola dos
dois Filhos e Parábola
do Grão de Mostarda.