VLADIMIR POLÍZIO
polizio@terra.com.br
Jundiaí, SP
(Brasil)
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Uma tragédia em
família
Na esteira do
tempo os
acontecimentos
se perdem na
cronologia em
que foram
anotados,
ferindo e
marcando
corações com a
nódoa do
sentimento.
A Grande Lei
reserva, para
cada um,
desfechos que,
muitas vezes,
surpreendem e
chocam até os
mais experientes
caminheiros
deste mundo,
acostumados a
participar do
atendimento de
graves
ocorrências e
situações
envolvendo
familiares.
Este episódio,
que teve lugar
na Capital
paulista, mais
precisamente à
Rua Benjamim
Constant, 25,
região central
da cidade de São
Paulo, no ano de
1906, envolveu
três personagens
que trouxeram
para a vida
presente
resquícios dessa
Lei, que foi
executada
dramaticamente,
deixando gravado
para a
posteridade,
especialmente
nos corações
sensíveis, um
quadro
intrincado de
trágicas
recordações e
dúvidas.
O móvel das
atenções e
preocupações do
então senador
de São
Paulo, pela
segunda vez, Dr.
Francisco de
Assis Peixoto
Gomide (1)
(1849-1906), era
Manuel Batista
Cepelos (2)
(1872-1915),
mulato, de
origem humilde,
poeta, tradutor,
romancista,
teatrólogo,
advogado e
oficial da então
Força Pública do
Estado de São
Paulo, onde
chegou à patente
de capitão.
Batista Cepelos
mantinha grande
proximidade com
a família do
senador,
inclusive
frequentando-lhe
a casa, pois
fizera o curso
de Direito junto
com o filho
Bruno e
mantinha, ali,
boa amizade,
além de estar
enamorado de
Sophia, a filha
mais velha, com
reciprocidade
visível no
coração da
jovem, cujo
casamento já
estava,
inclusive,
marcado.
No começo o
senador via com
bons olhos o
enlace de sua
filha com o
pretendente, que
frequentava a
casa como se
fosse parte da
família,
chegando a dizer
aos amigos da
boa escolha de
Sophia por um
rapaz humilde e
que, por seu
próprio esforço,
conseguiu boa
posição e fez
brilhante curso
na Academia,
além de ser
poeta talentoso.
Com o tempo,
porém, Peixoto
Gomide foi se
tornando
angustiado com a
ideia do
casamento,
passando a se
lamentar com
amigos íntimos e
a externar sua
apreensão à
própria Sophia,
que dele ouvia,
ultimamente,
pedidos de
desistência do
casamento e
reflexão
profunda quanto
a essa
importante
decisão.
Mas o destino,
sem qualquer
sombra de
dúvida, traz em
seu trajeto o
rosário de penas
que cabe a cada
um. Somente
Deus, o Soberano
Senhor da Vida e
dos Mundos, é
que conhece e
sabe dos
detalhes a
respeito de cada
ser, levando em
conta que "Os
seus olhos viram
a substância
ainda informe, e
no livro
individual foram
escritos todos
os dias a serem
vividos, e cada
um deles escrito
e determinado,
quando nenhum
deles havia
ainda" (3).
Uma semana antes
do anunciado
casamento de
Sophia com
Manuel Batista
Cepelos, Peixoto
Gomide, nesse
dia, decidiu pôr
fim de uma vez
por todas, a
essa incômoda
situação que
amargurava
sobremaneira a
sua vida. Estava
desesperado e
não suportava
mais esse
espinho cruel.
Era sábado, 20
de janeiro, e um
dos mais
sangrentos
crimes estava
para ocorrer
nesse endereço,
que dava abrigo
ao palacete.
Sophia, após o
almoço,
encontrava-se
acomodada numa
cadeira na sala
de jantar,
envolvida com o
tricô quando o
pai, com a
angústia
oprimindo-lhe o
peito, pede-lhe,
como derradeira
oportunidade,
que desista de
seu casamento,
mas ela, com sua
decisão
resoluta, não
concorda e diz
amar Batista
Cepelos, para a
agonia do
genitor.
Num gesto rápido
o senador retira
do bolso um
revólver e
dispara
apontando para a
cabeça da filha,
que tomba no
assoalho
mortalmente
ferida e envolta
numa poça de
sangue. Estava
consumado o
primeiro ato.
Com o estampido,
os empregados da
casa, os filhos
e a esposa
correm até
aquele ambiente
e veem o velho
senador caminhar
para a sala de
visitas, que
ficava ao lado,
quando ergue o
braço armado e
atira contra a
sua própria
cabeça. O som é
seco; o tiro
falha e o
estampido não
acontece. Dá uma
volta no
cilindro do
revólver e outro
disparo que, por
fim, põe termo à
sua vida.
Essa tragédia
repercutiu no
país.
Muitos não
compreenderam
aquela sinistra
decisão do
senador, pois
ele gostava e
elogiava Batista
Cepelos, que
graduou-se em
Direito pela
Faculdade do
Largo São
Francisco, com
os estudos
patrocinados
pelo próprio
senador.
Com a
interrupção
abrupta e
dramática do
acalentado sonho
de Batista
Cepelos e
Sophia, tristeza
e dor envolveram
o poeta que não
via mais sentido
em sua
existência. Sem
a presença
física daquela
que lhe
partilhava o
sentimento e
seria a sua
companheira,
Batista Cepelos
sentia-se ferido
com o rude golpe
naquilo que mais
queria, que era
viver com sua
amada, cujo
sonho havia
desvanecido.
Desolado então
com a morte da
noiva pelas mãos
do próprio pai,
mudou-se para o
Rio de Janeiro,
ingressando no
Ministério
Público (4),
mas, desgostoso,
não conseguiu
firmar-se
profissionalmente.
Ao longo dos
nove anos que
permaneceu na
Capital Federal,
Batista Cepelos
construiu sua
obra literária.
Publicou as
poesias e
romances, como
"A derrubada",
"O cisne
encantado", "Os
bandeirantes",
"Vaidades", "O
vil metal". Ele
era o poeta
preferido de
Olavo Bilac
(1865-1918), que
prefaciou o
livro "Os
bandeirantes",
com
enaltecimentos
de louvor.
No dia 7 de maio
de 1815 Batista
Cepelos foi
encontrado morto
junto às pedras
da praia que
existiam na Rua
Pedro Américo,
no Catete,
estado do Rio de
Janeiro. Para os
íntimos, o
desfecho de sua
vida foi
atribuído ao
suicídio, em sua
clara
demonstração de
infelicidade.
Após 16 anos de
seu retorno à
Pátria
Espiritual,
Batista Cepelos
encontrou no
universo
psíquico do
jovem médium
Francisco
Cândido Xavier
(1910-2002) o
equilíbrio e a
identificação
fluídica
necessária para
o contato que
lhe era
importante
naquele momento
em que a lucidez
já havia
retomado o
domínio do
Espírito.
Chico Xavier
tinha 21 anos
quando Batista
Cepelos, em
1931, juntamente
com outros 55
poetas,
contribuiu para
que seus sonetos
fizessem parte
dos 262
trabalhos que
compõem o
primeiro e
edificante
trabalho
mediúnico
daquele que
seria um dos
maiores médiuns
do mundo,
dedicando 75
anos dos 92 de
sua existência
ao contato com o
Mundo
Espiritual,
através de seu
mentor Emmanuel,
que o acompanhou
durante todo
esse tempo.
Essa obra
chama-se
Parnaso de
Além-túmulo
- FEB, primeira
grande obra
publicada de
Chico Xavier.
Em Parnaso de
Além-túmulo
assim figura o
que está anotado
sobre Batista
Cepelos:
"Poeta paulista,
desencarnou no
Rio de Janeiro,
em 1915,
atribuindo-se a
suicídio o
encontro do seu
corpo entre as
pedras de uma
rocha, na Rua
Pedro Américo.
Esta versão
parece
confirmar-se
agora nestes
três sonetos.
Olavo Bilac (5),
ao prefaciar-lhe
Os
Bandeirantes,
exalta-lhe o
estro,
espontâneo,
original e
simples".
Sonetos
1
"Eu fui pedir à
Natureza, um
dia,
Que me desse um
consolo a tantas
dores;
Desalentado e
triste,
pressenti-a
Cansada e
triste como os
sofredores.
Encaminhei-me à
porta da Agonia,
Corroído por
chagas
interiores,
Buscando a
morte que me
aparecia
Como o termo
anelado aos
dissabores,
Desvendando esse
trágico segredo
Que a alma
decifra, pávida
de medo,
Com ansiedade e
temores dos
galés...
Mas ah! que
atroz remorso me
persegue!
Choro, soluço,
clamo e ele me
segue
Nesse abismo que
se abre ante os
meus pés."
2
"Ninguém ouve na
Terra esse
lamento
Da minha dor
imensa,
incompreendida,
Nas pavorosas
trevas desta
vida
Em que eu
julgava achar o
Esquecimento.
Tenebrosa, essa
noite
indefinida,
Cheia de
tempestade e
sofrimento,
No país do Pavor
e do Tormento
Onde chora a
minh’alma
enceguecida.
Onde o não ser,
a paz calma e
serena,
Que me traria o
bálsamo a esta
pena
Interminável,
rude, dolorosa?
Ninguém! Uma só
voz não me
responde!
Sinto somente a
treva que me
esconde
Na vastidão da
noite
tormentosa..."
Notas:
(1)
A Constituição
Federal de 1891
permitia
liberdade para
os Estados
organizarem seu
Legislativo
(Art. 63 - Cada
Estado
reger-se-á pela
Constituição e
pelas leis que
adotar
respeitados os
princípios
constitucionais
da União), e
muitos se
organizaram da
mesma forma que
a União, tomando
como modelo os
EUA, a exemplo
de São Paulo. À
época dos fatos
Peixoto Gomide
era presidente
do Senado de São
Paulo.
(2)
Batista Cepelos,
nascido na
cidade de
Cotia-SP e
também conhecido
como Baptista
Cepellos ou
Baptista
Capellos.
(3)
O Livro dos
Salmos - Deus
onisciente e
onipotente, 139
nº 16. Isso não
significa,
portanto, a
perda do
livre-arbítrio.
Há certos
acontecimentos
no curso da
existência que
fazem parte da
Lei de Causa e
Efeito, sendo,
portanto,
inexoráveis e
imutáveis. "Não
há nada de
fatal, no
verdadeiro
sentido da
palavra, senão o
instante da
morte. Quando
esse momento
chega, seja por
um meio ou por
outro, não
podeis dele vos
livrar" e "Não,
tu não
perecerás, e
disso tens
milhares de
exemplos. Mas,
quando é chegada
a tua hora de
partir, nada
pode subtrair-te
dela..." Q. 853
- LE.
(4)
Nesses tempos o
ingresso como
Promotor de
Justiça era
feito por
indicação
política.
(5)
Olavo Braz
Martins dos
Guimarães Bilac,
cronista, poeta
e sócio fundador
da Academia
Brasileira de
Letras, também
faz parte dos
que se
comunicaram com
a Terra, através
de Chico Xavier,
em Parnaso de
Além-túmulo.