CLÁUDIO BUENO DA SILVA
Klardec1857@yahoo.com.br
Osasco, SP
(Brasil)
|
|
Sobre um conto de
Tchekhov
Ao terminar de ler um
conto do escritor russo
Anton Tchekhov
(1860-1904), ¹
considerado um dos
expoentes da literatura
russa, admirei-me com a
conclusão que deu à
história, pois,
coincidentemente,
responde com precisão à
questão 932 de O
Livro dos
Espíritos, onde
Allan Kardec pergunta
aos Espíritos por que em
nosso mundo os maus
exercem maior influência
sobre os bons.
O conto foi escrito em
1883. Passo a comentá-lo
em seus lances
principais.
O patrão chama a
governanta do seu casal
de filhos para acertar
as contas: ela será
dispensada.
Estabelece-se então
entre os dois um
“diálogo” terrível, em
que a sagacidade do
patrão se impõe com
enorme crueldade.
Ele diz: – “Ficou
ajustado entre nós que
seriam trinta rublos por
mês”...
A governanta responde: –
“Quarenta”...
– “Não, trinta”... – ele
retruca. – “Eu tenho
anotado”...
Embora a mulher tenha
informado que trabalhara
dois meses e cinco
dias, o patrão lhe
informa que os números
são inexatos e que
receberá pelos dois
meses, apenas.
Calada, a governanta
acompanha os cálculos
mesquinhos e injustos do
senhor. Vê serem
descontados domingos e
feriados em que
apenas passeara com
o menino. O garoto
ficara doente, por isso
não estudou; a
governanta tivera dor de
dente, por isso não
lecionou. Os pretextos
vão se acumulando
juntamente com os
descontos que o patrão
vai impondo à empregada.
Menos isto, menos
aquilo...
Ainda sem responder, a
mulher o vê lembrar-se
de uma xícara cara
(relíquia) que ela
quebrara na noite de Ano
Bom: menos dois rublos;
o menino rasgou o
paletozinho quando subiu
numa árvore: menos dez
rublos.
Ao final, sobraram onze
rublos, dos sessenta que
ele determinara.
– “Queira receber”.
– “Merci” ² – murmurou a
governanta, depois de
enfiar o dinheiro no
bolso.
O conto de Tchekhov
termina de modo tão
imprevisível que eu
prefiro transcrever o
curto desfecho como ele
o concebeu e que
responde àquela
indagação de Kardec que
citei no início deste
texto:
– Mas, por que este
merci? – perguntei.
– Pelo dinheiro...
– Mas, eu a assaltei,
diabos, eu lhe roubei
dinheiro! Por que
merci?
– Noutras casas, cheguei
a não receber nada...
– Não recebeu nada!
Compreende-se! Eu caçoei
da senhora, dei-lhe uma
lição cruel... Vou lhe
pagar todos os seus
oitenta rublos! Estão
preparados para a
senhora, neste envelope!
Mas, como é que se pode
ser moleirona assim? Por
que não protesta? Por
que fica quieta? Pensa
que, neste mundo,
pode-se não ser
audacioso? Pensa que se
pode ser tão pamonha?
Ela esboçou um sorriso
azedo e eu li em seu
rosto: “Pode-se, sim!”.
Pedi-lhe perdão por
aquela lição cruel e
dei-lhe, para seu grande
espanto, os oitenta
rublos. Pôs-se a
balbuciar merci com
timidez e saiu do
escritório. Acompanhei-a
com o olhar e pensei:
– É fácil ser forte
neste mundo!
*
O codificador do
Espiritismo pergunta aos
Espíritos: — “Por
que, neste mundo, os
maus exercem geralmente
maior influência
sobre os bons?” A
resposta que deram
aplica-se perfeitamente
ao que se acabou de ler:
– “Pela fraqueza dos
bons. Os maus são
intrigantes e
audaciosos; os bons são
tímidos. Estes, quando
quiserem, assumirão a
preponderância”.
Nessa história pode-se
tomar a ingênua e
subserviente governanta
como representando o
“bem”. E o patrão,
embora sem maldade,
fez-se de “mau” enquanto
durou a farsa.
Sendo o homem agente do
seu destino, dele
depende tomar
iniciativas que abrandem
os seus males ou os
evite. Como não pode
esperar que o bem surja
do nada, precisará
trabalhar para a
transformação que
deseja.
Espera-se que o homem
bom assuma o seu papel e
aja conforme sua
consciência amadurecida;
que lute contra o
orgulho, o egoísmo e a
ambição, abolindo as
necessidades artificiais
que criou para si mesmo;
que denuncie as
injustiças, procurando
ser mais justo; que
desmascare o preconceito
para que todos se sintam
iguais; que não
idealize, apenas, aquilo
que julga certo, mas dê
o exemplo prático do que
lhe cabe fazer. Só assim
os homens maus irão
recuando, até serem
vencidos pelos bons.
Além disso, é preciso
contagiar pelo otimismo,
pela esperança e fé no
futuro!
Essa timidez a que
aludiram os Espíritos
pode ser interpretada
como a falta de ações
efetivas no bem. Os
bons, “quando quiserem,
assumirão a
preponderância”,
disseram eles. Parece
que se trata, então, de
querer e assumir.
¹Tchekhov, Anton. “A
Dama do Cachorrinho”, 2ª
edição, (conto
Pamonha), Editora
Max Limonad Ltda.
² Palavra francesa que
significa “obrigado”.