MARCUS VINICIUS
DE AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
|
|
Setenta
Perguntado sobre quantas
vezes deveria perdoar
cada ofensa, na busca da
confirmação do adágio
que preconizava perdoar
apenas sete vezes, Jesus
responde que não sete,
mas setenta vezes sete.
Nos nossos burocratismos,
queremos então buscar
uma regra matemática do
perdão...
A multiplicação é uma
operação fundamental que
faz um número ser somado
a ele muitas vezes, em
uma expansão geométrica,
de maior amplitude.
Multiplicar é aumentar
em muito e Jesus ao
responder o setenta
vezes sete quis dizer
algo como por “quantas
vezes for necessário”.
E no caso específico do
perdão, podemos
interpretar que ele
respondeu o seguinte:
façamos todo esforço
possível e imaginável
para prevalecer o amor,
ali materializado pelo
perdão. Ou seja, que
sejam setenta vezes
sete, ou seja, muitas e
muitas vezes, não
querendo nessa análise
que Jesus naquela época
utilizasse conceitos
abstratos e concretos
como o infinito.
A mensagem do setenta
vezes sete é bem maior
do que o conceito do
perdão. A mensagem é que
pelo amor, pelo bem de
nosso próximo, pelo
crescimento, devemos
envidar todos os
esforços possíveis,
sete, setenta ou
quatrocentos e noventa
vezes, insistindo na
ideia do bem, com fé no
ser humano, como obra de
Deus na busca da
perfeição. Essa lógica
se aplica a vários
setores da atividade
espírita.
Alguns trabalhos
assistenciais lidam com
a chamada população de
rua, pessoas que habitam
as vias urbanas e
padecem de carências não
apenas materiais, mas de
problemas de
socialização e, por
vezes, desilusões com a
vida. Nestes, a ideia do
setenta vezes sete se
faz mais incisiva, na
nossa insistência com
aquele irmão que já
entregou os pontos.
Diante das dificuldades,
mais amor, e com
paciência. Paciência
pois os avanços
espirituais se fazem de
forma tímida.
Da mesma forma,
trabalhos envolvendo
pessoas com deficiência
demandam do trabalhador
espírita esse sentimento
de que temos que
insistir na lição, fazer
e refazer até onde for
necessário, na ideia do
setenta vezes sete.
Avanços lentos,
dificuldades de
compreensão, um cenário
que exige dos abnegados
trabalhadores essa
percepção de que a luta
é morosa.
E por fim, para aqueles
irmãos que labutam em
comunidades carentes,
com seus problemas
naturais, a lição do
“setenta” é fundamental,
para enxergar
naquela complexa rede de
problemas os avanços e
possibilidades. Alegria
com pequenos progressos,
enxergar o facho de luz
tênue na escuridão, são
características que nos
ensinam a lógica do
“setenta”, de insistir,
com fé na melhora que
virá, pequena, mas
relevante.
Obviamente que, como
tudo, essa lógica tem um
lado negativo. A chamada
síndrome de burnout
(“queimar por completo”
na tradução literal), ou
síndrome do esgotamento
profissional, se refere
à dedicação exagerada a
atividades laborais de
um modo geral e se
caracteriza pelo
perfeccionismo e pela
necessidade de lograr
êxito, típicas de
pessoas apaixonadas.
Se faltar o equilíbrio e
a paciência diante
desses desafios, o
esgotamento e a
depressão rondam o
trabalhador, que precisa
ajustar suas
expectativas à
realidade, o que pode
ser promovido pelas
atividades de avaliação
em grupo,
reflexão ou uma mera
conversa entre amigos.
Apaixonados, confiantes,
com a cabeça nas nuvens,
mas com o pé no chão.
Investindo no bem não
setenta, mas setenta
vezes sete, mas
enxergando com os olhos
de ver os pequenos
avanços, resistindo à
tentação do orgulho de,
no que tange a questões
sociais e humanas,
tentar resolver tudo de
uma vez só.