Tonho Fumaça
Depois de um dia
agitado,
sentei-me na
varanda do meu
apartamento para
apreciar a noite
enluarada.
Dava para ver
uma nesga da
praia onde a lua
cheia rendilhava
a água do mar.
A bela visão
levou-me de
volta a Jandiara,
a magnífica
cidade de minha
imaginação,
lugar que resume
o sonho de toda
comunidade –
desfrutar a
melhor qualidade
de vida
possível.
Em Jandiara
vive-se em
perfeita
harmonia com o
povo e com a
natureza.
Lá, os políticos
são honestos,
nenhum termina
mandato eletivo
com um centavo a
mais em seu
patrimônio
inicial. Os
homens da
Justiça são
íntegros, jamais
se ouviu falar
em venda de
sentença ou de
qualquer outro
desvio de
conduta.
Presídio
desabitado e
Delegacia de
Polícia sem
função, seus
servidores
prestam outros
serviços à
comunidade. Não
há ociosidade.
Ainda hoje,
Jandiara
reverencia a
professora Maria
Teresa que, por
décadas, com
dedicação e
amor, repassou
às crianças
conhecimentos
intelectuais e
valores morais
garantindo uma
vida futura
promissora,
baseada na
honestidade e
retidão de
caráter.
Jandiara das
belas praias de
areia fina e
branca, de
mornas águas
verde-claras,
razão de orgulho
para os nativos
e de
encantamento
para os
turistas. Na
época de “vento
nordeste”, que
acontece nos
dias estivais, a
areia se
espalha, cobre o
asfalto da
avenida
dando-nos a
impressão de
haver nevado.
Jandiara da
lagoa Mundaréu,
rico ecossistema
que engrandece a
região como
fonte perene de
subsistência
para a população
mais humilde,
como meio de
transporte entre
as cidades
circunvizinhas e
por seu
potencial
turístico.
Tantas
recordações
fizeram-me
lembrar do Tonho
Fumaça.
Ligeirinho,
apressado e
agitado por
natureza, nasceu
de parto
prematuro. Aos
dez meses,
andava solto e
falava com
relativa
fluência.
Seus pais,
Nicolau e
Renata,
ex-alunos do
Grupo Escolar de
Jandiara,
tiveram como
mestra a saudosa
professora Maria
Teresa de quem
guardaram as
imorredouras
lições para uma
vida saudável
dentro dos
ditames
verdadeiramente
cristãos.
Logo cedo,
descobriram em
Tonho algumas
inclinações
menos felizes,
fruto, é claro,
de reencarnações
anteriores,
quando
delinquiu.
Não se
descuidaram;
permanentemente
davam exemplos
de paciência,
compreensão,
tolerância, amor
e de perdão.
Duas vezes por
semana,
faziam-no
participar do
Culto do
Evangelho no Lar
e, aos sábados,
do Curso de
Evangelização
Infantil, no
Centro Espírita
em que atuavam.
Os resultados
atestaram que
Tonho se
amoldava à nova
postura e
naturalmente
hauria a
essência da
Doutrina Cristã
que lhe era
ensinada e
exemplificada.
Na escola,
tornou-se amigo
dos coleguinhas
e aceitou
participar dos
torneios
esportivos. Nos
jogos em que a
tônica era a
agilidade, Tonho
ganhava tudo;
despertou
admiração,
inveja e
despeito.
Em torneio de
atletismo mirim
com alunos das
escolas do
município,
organizado pela
Prefeitura,
Tonho arrebatou
todas as
medalhas de ouro
nas disputas de
corridas de 50 e
100 metros,
saltos em
distância e
altura. No salto
triplo, Tonho
assombrou juízes
e plateia,
ficando a poucos
centímetros da
marca registrada
por adultos.
Se já havia
despertado
inveja e
despeito, Tonho
agora era odiado
por aqueles que
se julgavam os
melhores entre
todos. Armaram,
então, uma
desforra a
capricho. Dois
garotões de
compleição
física
avantajada
bateriam sem
piedade até
deixarem Tonho
sangrando e
desacordado.
Sentiriam o doce
gostinho da
vingança.
Certo dia,
retornando para
casa, Tonho foi
surpreendido por
Elias e Bento,
dois valentões
raivosos que
partiram para o
ataque. Mesmo
sendo pego de
surpresa, Tonho,
com ímpar
agilidade,
safou-se das
bofetadas que
lhe foram
desferidas.
Parou, mediu
distâncias e
consequências.
Fora-lhe
ensinada a não
violência, o não
revide às
agressões, o
perdão
incondicional,
entretanto
pensou: não lhe
era possível
deixar-se bater
sem defender-se.
Aproximou-se,
então, quanto
pôde de um muro
chapiscado de
cimento.
Rápido como um
raio, Tonho
desviou-se do
potente soco que
foi
violentamente de
encontro ao
muro. Com a mão
sangrando, a dor
lancinante
arrancou de
Elias um grito
que ecoou nas
ruas vizinhas.
Aturdidos, Bento
e Elias
lançaram-se em
desespero contra
o desafeto, no
afã de
sufocá-lo. Tonho,
uma vez mais,
levou a melhor,
esquivando-se e
vendo os dois
colidirem de
frente.
Os que ouviram o
grito de Elias
chegaram a tempo
de assistirem à
última etapa da
contenda e os
dois caírem
zonzos,
desnorteados.
Com os dois fora
de combate e ele
ileso, era o
momento azado
para a desforra,
entretanto em
Tonho falou mais
alto o
sentimento
cristão da não
agressão e do
não revide.
Afastou-se
discretamente.
Indagados pelo
pessoal que os
socorreu como
dois garotos tão
fortes foram
literalmente
abatidos por
apenas um, de
porte físico tão
inferior e que
não usara
violência, Elias
e Banto
responderam:
tentamos
esmurrá-lo,
procuramos
agarrá-lo, mas
ele escapava das
nossas mãos como
se fosse fumaça.
Daquele dia em
diante, Tonho
passou a ser
conhecido como
Tonho Fumaça.
Tonho domou seus
instintos
belicosos
trazidos de um
passado
distante. Venceu
a prova.
Seus pais,
Nicolau e
Renata,
cumpriram a
tarefa que lhes
fora confiada
por Deus no
sentido de
reeducar aquele
Espírito
desencaminhado
incutindo-lhe
nobres
ensinamentos de
Jesus:
Bem-aventurados
os mansos,
porque eles
herdarão a
Terra.
Bem-aventurados
os
misericordiosos,
porque eles
alcançarão
misericórdia.
Bem-aventurados
os limpos de
coração, porque
eles verão a
Deus.