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Crônicas e Artigos

Ano 10 - N° 470 - 19 de Junho de 2016

PEDRO FAGUNDES AZEVEDO
tvp-sul-az@uol.com.br
Porto Alegre, RS (Brasil)

 

 
A infantil ilusão da
salvação pela graça


Um conhecido meu, avesso a qualquer ideia espiritualista, espera se esquivar da justiça divina com as mesmas artimanhas que tem usado para ludibriar a justiça terrena. Com este objetivo, para que Deus perdoe suas falcatruas, subornos e adultérios, imagina em se converter a uma das várias religiões tradicionais que aceitam e pregam a ideia da salvação pela graça. Imagina que, ao entrar na velhice, basta se arrepender, pedir perdão, encomendar algumas orações e pronto: se não for para o céu, pega no máximo um purgatoriozinho transitório. Afinal, Jesus teria morrido na cruz para pagar pelos pecados de todos nós, incluindo os bilhões de criaturas que viveram há dois mil anos e, de lá para cá, até os dias de hoje. Quer dizer, o justo paga pelo pecador, até por antecipação, e Deus ingenuamente aceita essa troca de papéis com toda a indiferença.

Quanta simploriedade nessa crença!... Até faz lembrar um outro costume vigente quando Jesus andava na Terra. Naquele tempo, Deus perdoaria os erros humanos através do sacrifício de bois, ovelhas e pombas pelos sacerdotes de Jerusalém. Se o pecado era cabeludo, se a falta fosse grande, a oferenda tinha que ser um animal de grande porte, como um boi, para que Deus se desse por satisfeito. Entretanto, se o pecado fosse de porte médio, um desfalque nas finanças públicas, por exemplo, o sacrifício de um carneiro já resolveria a situação. E se fosse um roubozinho menor, aí o abate de uma pomba-rola era o suficiente para aplacar a suposta ira de Deus. Todo o questionamento era então proibido e considerado heresia, os homens estavam impedidos de raciocinar e de expressar a sua desconformidade. A fé era imposta pelo medo, sem maiores explicações, ou crê ou morre. Naturalmente, com o decorrer dos séculos, todos esses absurdos, dogmas e contradições foram enfraquecendo as religiões que antigamente exerciam poderosa influência sobre a sociedade. E agora, ao perderem terreno, elas se voltam contra o Espiritismo, o consolador prometido por Jesus, que no tempo previsto vem explicar tudo o que o Evangelho apresenta sob a forma de alegorias, já que a humanidade de então, rude e ingênua, não estava apta a compreender toda verdade.

Aliás, foi o próprio Jesus quem assegurou: conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (Evangelho de João, 8:32). Libertará de quê? Do erro, da ignorância e das vidas sucessivas, pois, uma vez resgatadas as nossas faltas e aprendida a lição do perdão e do amor ao próximo, não teremos mais a necessidade de reencarnar no plano material. O filósofo francês Léon Denis, contemporâneo e divulgador das ideias de Kardec, em seu livro "Depois da Morte", nos revela que todos os ensinos religiosos estão ligados entre si numa única doutrina. Mas, seu sentido mais profundo não era transmitido ao povo, ao contrário do que se faz hoje na prática espírita. Unicamente os sacerdotes tinham acesso às verdades eternas. Ensinavam somente o que lhes convinha para manter o poder, reservando aos chamados "iniciados", futuros sacerdotes, a realidade do mundo espiritual. E se algum deles cometesse indiscrições, acabava pagando com a própria vida.

Num filme brasileiro recente, "O Auto da Compadecida", o ator Lima Duarte, representando o papel de um bispo, tem o seguinte diálogo com um cangaceiro que, prestes a matá-lo, pede para ser perdoado. Retruca, então, o religioso: "para ser perdoado, você primeiro tem que se arrepender e desistir de me matar". E o cangaceiro, no seu raciocínio simplório, responde: "não faz mal, eu me arrependo depois". O que aconteceu aqui? Baseado talvez na salvação pela graça, crença ainda muito em voga no nordeste brasileiro, este cangaceiro, pensando em enganar a Deus, estava enganando a si mesmo. Cedo ou tarde, nesta ou noutra vida, irá se deparar com a lei universal de causa e efeito que é automática e independe de religiões. Aliás, sobre esse assunto, Jesus deixou bem claro (Mateus, 16:27): a cada um será dado segundo as suas obras – e não segundo a sua crença. E o apóstolo Paulo confirma (Gálatas, 6:7): Deus não se deixa escarnecer, pois tudo o que o homem semear, isso também colherá.


Pedro Fagundes Azevedo, ex-presidente da Legião Espírita de Porto Alegre, é jornalista.



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita