Daniel Ortiz
Martinz:
“Deus está no
comando”
Radicado há sete
anos em
Bruxelas,
Bélgica, o
confrade fala,
entre outros
assuntos, sobre
os desafios
enfrentados
pelo
movimento
espírita belga
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Daniel Ortiz
Martinz
(foto),
natural de São
Paulo (SP), 42
anos, formado em
Engenharia
Química, com MBA
em Marketing e
mestrado em
Nanociências e
Materiais
Avançados,
reside desde
janeiro de 2009,
por motivos
profissionais,
em Bruxelas,
Bélgica, onde
atua, com sua
esposa, no
NEECAFLA -
Núcleo de
Estudos
Espíritas
Camille
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Flammarion.
Daniel
concedeu-nos a
entrevista
seguinte:
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Quando, e em que
circunstâncias,
você teve seu
primeiro contato
com a Doutrina
Espírita?
Devo isso à
minha mãe. Ela
tornou-se
espírita quando
eu tinha apenas
9 anos, meses
depois do
desencarne do
meu avô. Na
época meu pai e
ela passaram por
perturbações
espirituais e
nossos vizinhos
a ajudaram,
encaminhando-a
para o Centro
Espírita Ana
Vieira, em São
Paulo. Lembro-me
das histórias
que ela contava
sobre o plano
espiritual e os
mentores e
quanto isso me
fascinava, mas,
como meu pai
nunca foi muito
afeito à
religião,
esperei até a
idade adulta
para começar a
frequentar um
centro espírita.
Comecei aos 20
anos, já na
faculdade,
depois de um
“empurrãozinho”
materno. No
início foi mais
por curiosidade:
afinal de
contas, no livro
que estávamos a
estudar, havia
um capítulo
sobre a formação
do Universo em
que se liam
coisas sobre a
relatividade de
Einstein e,
convenhamos,
para um
estudante de
engenharia isso
foi um chamariz
muito forte! No
começo foi como
se estivesse no
banco da
faculdade, mas o
que me fez ficar
foi a bondade e
o amor das
pessoas que lá
estavam.
Você teve algum
problema
familiar, devido
à sua adesão à
Doutrina
Espírita?
Não muito, pois
minha mãe
frequentava o
mesmo centro que
eu. Por outro
lado, meu pai,
durante anos,
teve dificuldade
em aceitar minha
escolha, pois
sempre foi muito
avesso à
religião (hoje
já não é mais o
caso). Suas
piadas e os
comentários
maliciosos
acompanharam-me
alguns anos, mas
acabaram no dia
em que fiz o
Evangelho no
casamento de uns
amigos. Ele
ficou muito
emocionado e
passou a
respeitar o
Espiritismo.
Qual é, no
momento, sua
atividade no
âmbito espírita?
Aqui em Bruxelas
minha esposa e
eu fazemos parte
do NEECAFLA
(Núcleo de
Estudos
Espíritas
Camille
Flammarion),
casa que amamos
muito, que nos
acolheu com
muito carinho e
que é o nosso
lar espiritual
na Bélgica.
Contamos com
cerca de 15
trabalhadores
muito dedicados.
A maior parte
dos
frequentadores é
de língua
portuguesa, mas
a casa possui
atividades
também em
francês, uma das
três línguas
oficiais do
país. Faço parte
do conselho de
administração do
centro, cuido da
contabilidade,
dou palestras em
português e em
francês, aulas
de
desenvolvimento
mediúnico e
participo como
trabalhador nos
almoços
beneficentes
organizados pela
casa. Minha
esposa dá
palestras,
participa das
reuniões
mediúnicas e
também é membro
do conselho de
administração.
Qual o seu olhar
quanto à adesão
dos belgas à
Doutrina
Espírita? Quais
são os desafios
mais encontrados
com respeito a
isso?
Apesar de o
Espiritismo ter
sido codificado
na França e
Kardec mencionar
em suas viagens
espíritas visita
ao grupo de
Liège (que ainda
é ativo e é a
sede da União
Espírita Belga)
em 1862,
infelizmente a
adesão ainda é
muito baixa, por
diversos
fatores. Para
muitos, os
médiuns ainda
são associados a
adivinhos,
leitores da
sorte e
charlatães. Para
outros, o
Espiritismo é
uma seita. O
país é
majoritariamente
católico (a
Bélgica é um dos
países da Europa
com o maior
número de
igrejas por km2)
e houve um certo
distanciamento
dos belgas com
relação à
religião nas
últimas décadas,
seja por
descrença, por
indiferença ou
por falta de
confiança nelas.
Há também um
grande número de
ateus no país e
muita gente que
cristalizou a
ideia de que
Deus é para os
pobres e
incultos. Além
disso, dada a
sua condição
geográfica, a
Bélgica é um
território de
passagem entre
países como
França, Holanda,
Inglaterra e
Alemanha, tendo
sido palco de
muitas guerras e
conflitos nos
últimos séculos,
o que cria um
ambiente
espiritual
bastante
conturbado
(milhões
perderam a vida
durante as duas
Grandes Guerras
no século XX). A
isso alia-se a
falta de
luminosidade e o
frio
característicos
da região, o que
aumenta o peso
psíquico do país
e contribui para
que a Bélgica
seja um dos
países com a
maior taxa de
suicídio na
Europa. A
questão cultural
é também
importante, pois
o brasileiro tem
uma inclinação
quase que
natural pela
ideia do
Espiritismo/Espiritualismo,
haja vista os
elementos que
contribuíram
para a formação
espiritual do
nosso país.
Aqui, o mental,
o intelectual e
o científico têm
um peso muito
importante,
razão pela qual
os congressos
médico-espíritas
(onde se faz a
associação entre
ciência e
Espiritismo) têm
atraído um
público
interessado no
assunto e
contribuído para
a difusão do
Espiritismo.
Esses congressos
são organizados
pela Associação
Médico-Espírita
Internacional
(AME
Internacional) e
também pelo
Movimento
Espírita
Francófono.
Infelizmente, o
mundo novamente
ficou chocado
com os atentados
terroristas que
aconteceram na
Bélgica no mês
de março deste
ano. Relate-nos,
por favor, se
houve ou se está
havendo algum
tipo de
atividade mais
específica nas
casas espíritas
da Bélgica
relacionadas à
questão dos
atentados
terroristas? As
pessoas que vão
às casas
espíritas
abordam esse
tema?
Sim, há um
reflexo claro
nas atividades
espirituais das
casas espíritas.
Há mais de um
ano, desde o
atentado
terrorista no
semanário
francês “Charlie
Hebdo”, os
mentores
espirituais dos
trabalhos têm
pedido para que
façamos muita
luz pela
Bélgica,
salientando que
o ambiente
espiritual da
Europa é muito
delicado e
passaríamos por
momentos
conturbados já
previstos.
Ressaltam que
temos muita
proteção e
amparo, que não
devemos ter medo
ou deixar-nos
contaminar pela
atmosfera de
pessimismo e
desânimo e que
devemos
continuar no
caminho do bem.
O número de
resgates tem
aumentado em
ambos os
trabalhos
mediúnicos de
nossa casa e a
frase “Deus está
no comando” tem
sido repetida
várias vezes
pelos nossos
mentores.
Aqueles que
possuem
mediunidade mais
ostensiva (psicofonia,
vidência,
audiência e
psicografia) têm
sentido reflexos
no corpo físico
(doenças
gástricas, dores
no corpo, fadiga
intensa) em
função dessa
perturbação na
atmosfera
espiritual da
Europa. Nas
palestras
públicas as
pessoas têm
perguntado o
porquê de tudo
isso e por que o
mundo parece
estar piorando a
cada dia. As
nossas respostas
vão no sentido
das orientações
dos mentores da
casa, da
transição
planetária pela
qual passa o
planeta e de que
o mal trabalha
para o bem sem o
saber.
Como você passou
esses momentos
de terror e de
que maneira os
conhecimentos
espíritas o
auxiliaram a
passar por essa
situação tão
dramática?
No dia dos
atentados eu
estava nos
Estados Unidos,
tendo retornado
apenas três dias
depois. Mas
minha esposa e
minha filha
estavam em
Bruxelas. Os
relatos foram de
caos, de
revolta, de
impotência, de
pânico e de
horror. O medo
se instalou e as
ambulâncias e as
viaturas
policiais
cruzavam a
cidade de um
extremo a outro
com celeridade.
Mesmo longe deu
para sentir a
angústia dos que
aqui estavam.
Nesses momentos
os nossos
conhecimentos
espíritas são
colocados à
prova e é
preciso ter
muita fé,
serenidade e
resignação para
não julgar, não
se desesperar e
não se deixar
abater pelo
clima de caos e
incerteza. Em
nosso caso a fé
em Deus e num
futuro melhor,
além da certeza
de que o mal é
transitório,
foram
fundamentais
para nos acalmar
e mantermos a
confiança em
Jesus.
Uma outra
questão
nevrálgica na
Europa é este
momento em que
milhares de
refugiados de
guerra procuram
no continente um
lugar seguro
para viverem,
tentando fugir
do terror. Você
acredita que o
povo belga está
apto a praticar
a caridade e
acolher como
irmãos essas
pessoas?
Como você mesmo
disse, esse é um
ponto muito
delicado e de
difícil solução
aqui na Europa.
Ha várias
dimensões nessa
tragédia, sendo
as mais
relevantes a
humanitária, a
econômica, a
social e, mais
fundamental
ainda, o medo de
se acolherem
terroristas
entre os
refugiados. Há
muita boa
vontade, desejo
sincero de
ajudar, mas
também há muita
dificuldade em
se separar o
joio do trigo.
Os quadros com
que as
autoridades têm
se defrontado
são cruéis e
desumanos. O
povo belga está
muito comovido
com tudo o que
está ocorrendo
nessa crise de
refugiados e faz
o melhor que
pode para
mitigar essa
tragédia
humanitária, mas
nem todos estão
aptos, ou podem,
ou querem
acolher os
refugiados. As
ondas
migratórias
provocam uma
sobrecarga nos
serviços sociais
e muitas vezes a
integração é
difícil, pois
não basta
simplesmente
deixá-los entrar
no país. É
preciso acolher
essa gente,
ensiná-la a
falar os idiomas
do país,
encontrar
trabalho, escola
para as crianças
e assim por
diante. O tema
representa um
verdadeiro
desafio às
autoridades
europeias e está
longe de ter uma
solução.
Deixe-nos uma
frase, uma
palavra, ou um
pensamento, que
traduza o valor
que a Doutrina
Espírita tem em
sua vida.
Há um aspecto
lógico-racional
presente no
Espiritismo que
fascina meu
Espírito ou
minha
inteligência (esprit,
em francês, além
de espírito,
significa mente
ou razão). Os
exemplos são a
fé raciocinada,
a noção de
continuidade da
vida através das
múltiplas
existências, de
que somos
herdeiros de
nossas escolhas,
de que estamos
no lugar certo e
compatível com
nossas
necessidades
evolutivas, de
que evoluímos
rumo a mundos
melhores e de
que Deus é a
Inteligência
Suprema. Mas
creio que o
grande legado do
Espiritismo
Cristão em minha
vida, o
Espiritismo como
exemplificado
por Jesus, por
Chico Xavier,
por Francisco de
Assis, por
Divaldo Pereira
Franco, é aquele
que fala ao meu
coração todos os
dias através do
Amor, do Perdão,
da Caridade, da
Bondade, da
Humildade e da
realização do
Bem.
Nota da Autora:
Para saber mais
sobre o
Espiritismo na
Bélgica, eis
alguns sites
interessantes:
União Espírita
Belga:
http://www.spirite.be
NEECAFLA:
http://www.neecafla.be
Movimento
Espírita
Francófono:
http://www.lmsf.org
Congresso
Francófono de
Medicina e
Espiritualidade:
http://congres.lmsf.org
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