LEDA MARIA
FLABOREA
ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP
(Brasil)
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Parábola dos
Trabalhadores
da Vinha
Da enxada à cátedra tudo
é trabalho na vinha.
Decididamente a parábola
não pode ser analisada
apenas do ponto de vista
religioso.
No nosso entendimento,
essa frase sintetiza a
essência do ensinamento
de Jesus, que Emmanuel,
estimado benfeitor
espiritual, registra com
maestria, no livro
Pão Nosso, lição 29,
trazido até nós pela
bendita mediunidade de
Francisco Cândido
Xavier: “A formosa
parábola dos servidores
envolve conceitos
profundos. Em essência
designa o local dos
serviços humanos e
refere-se ao volume de
obrigações que os
aprendizes receberam do
Mestre divino. Por
enquanto, os homens
guardam a ilusão de que
o orbe pode ser o
trabalho de hegemonias
racistas ou políticas,
mas perceberão em tempo
o clamoroso engano,
porque todos os filhos
da razão, corporificados
na crosta da Terra,
trazem consigo tarefas
de contribuir para que
se efetue um padrão de
vida mais elevado no
recinto em que agem
transitoriamente”.
Diferentes autores a
nomeiam de formas outras
como, por exemplo,
parábola dos
trabalhadores da última
hora, do empregador
generoso, mas que em
nada altera o objetivo
do Mestre ao narrá-la e
a essência divina nela
contida. O que
precisamos fazer é nos
debruçarmos sobre seu
estudo e retirar da
simplicidade da história
o que é vital para nós:
“o vinho”, a essência, a
seiva vital.
Sobre isto, Cairbar
Schutel traz observações
interessantes e
importantes, que em
parte são dirigidas aos
espíritas. Diz ele que
sem estudo, sem prática
bem conduzida, sem
orientação segura,
muitas práticas não
espíritas são tomadas
como sendo espíritas, o
que desvirtua o objetivo
dos centros e dos
trabalhos que devem ser
norteados pela Doutrina.
Cita o surgimento de
obras contraproducentes
(nada mais atual) que
mais confundem do que
explicam os princípios
consoladores que dizemos
professar. Coloca ainda
o abandono dos
familiares – em nome do
trabalho “espírita” –
bem como seus deveres
para com a sociedade e o
trabalho que lhe dão
sustento da vida
material.
Sua afirmação de que
“muitos trabalham, mas
poucos cuidam da Seara
do Senhor”, falhando nas
tarefas que lhes foram
confiadas, obriga-nos a
repensar nossas próprias
atitudes frente às
obrigações assumidas com
Jesus.
Para Huberto Rohden
existe uma grande
dificuldade no
entendimento da
parábola, tendo em vista
que ela é, segundo ele,
pura intenção espiritual
do Cristo e que, diante
disso, é difícil
estabelecer comparações
com a vida material,
elemento fortemente
usado pelo Mestre para
explicar a vida do
Espírito. Afirma que
“esta parábola não
comporta explicação no
plano do nosso ego
empírico-analítico”
(análise intelectual).
Importante lembrar que
Ele usava elementos da
realidade material,
simples, para explicar a
realidade espiritual,
complexa.
Procurando entender o
ensino do divino amigo,
encontramos como
objetivo estabelecer a
diferença entre
remuneração material e
“remuneração”
espiritual; e como
essência, a bondade e a
justiça divinas dadas de
graça a todos os Seus
filhos.
Neste ponto, um leque de
possibilidades abre-se
para a interpretação da
parábola – todas válidas
e, ao mesmo tempo,
nenhuma delas
conseguindo penetrar no
âmago da intenção do
Cristo, pois Ele vai
muito além. Poderemos “escanear”,
ver vários e diferentes
lados como uma
impressora 3D, mas não
poderemos, por ora,
penetrar na profundidade
dela. Todavia, com o que
nosso intelecto nos
proporciona, vamos fazer
uma escolha, que
certamente não será a
melhor nem tampouco a
única.
Compreendendo as
alegorias ou elementos,
encontramos a vinha como
a representação do Reino
de Deus e, no nosso
caso, o nosso planeta, o
orbe que nos recebe para
essa nova experiência
carnal. O patrão
certamente é Deus – não
há como ignorar isso e
os trabalhadores somos
todos nós, a humanidade
terrena, com seu tempo
de entendimento das
coisas do Espírito. Os
obreiros que reclamam,
entendemos, são os
judeus ressentidos,
porque não aceitavam que
os gentios (convertidos)
também recebessem o
Reino dos Céus.
Aceitavam Deus há mais
tempo e exigiam
privilégios. Vamos nos
lembrar da parábola do
filho pródigo?
E os trabalhadores da
última hora, da
duodécima hora? Este
elemento dentro da
parábola permite-nos
fazer algumas
indagações: Serão eles
aqueles que se
arrependem
verdadeiramente no leito
de morte? Serão os
jovens convertidos e
desprezados pelos mais
antigos na fé e mais
fervorosos em seus
compromissos religiosos?
Essa contagem de tempo
dividido em horas,
trazido do Antigo
Testamento, também é
elemento importante,
pois representa o
processo de
espiritualização do
homem desde que recebeu
o livre-arbítrio em
priscas eras e nos leva
a pensar que todos nós
somos trabalhadores da
última hora; que todos
somos convidados a
participar do Reino
Celeste; que todos somos
filhos de Deus,
recebendo as mesmas
benesses, com diferentes
capacidades para
recolher o que podemos e
percebemos.
Retornemos ao texto.
Assim, do ponto de vista
material o empregador é
injusto, pois paga
igualmente tempos
diferentes de trabalho.
Mas, do ponto de vista
espiritual, não, pois se
baseia na premissa de
que o Reino de Deus não
é deste mundo e,
portanto, não pode ter
os mesmos critérios para
avaliação.
Senão, vejamos: Não
existe “recompensa” na
medida em que o
eu-espiritual não se
desgasta com o trabalho,
diferentemente do
eu-material que se
desgasta e precisa ser
recompensado – ganha
para gastar. Do ponto de
vista espiritual, todos
trabalham de graça, pois
não vivem na dimensão do
ego, do ser material.
Por Moisés foi dada a
lei, pelo Cristo veio a
Verdade. Discípulos de
Moisés trabalham dentro
da Lei, por recompensa;
discípulos do Cristo
trabalham de graça, por
amor.
O que nos chama a
atenção diante dessa
superficial análise é o
que o evangelista Lucas
narra no capítulo 17,
versículo 10: “Quando
tiverdes feito tudo que
devíeis fazer, dizei:
somos servos inúteis,
porque cumprimos a nossa
obrigação, nenhuma
recompensa merecemos por
isto”.
Buscamos, também, em
outras fontes, algumas
análises que merecem
destaques: a Bíblia de
Jerusalém cita
correlações com Mateus,
capítulo 19, versículo
30 e Romanos, capítulo
9, versículos de 19 a
21. Coloca que ao pagar
o salário integral dos
trabalhos no final do
dia, o Senhor demonstrou
bondade, que vai além da
justiça, mas sem
ofendê-la; que os
primeiros (aqueles que
mantêm uma aliança com
Deus desde os tempos de
Abraão) não devem se
escandalizar com o fato
de Deus admitir em Seu
Reino, também, os que
chegavam tarde
(pecadores e pagãos).
A Bíblia Peregrina
nomeia a parábola como a
dos “diaristas da vinha”
e coloca: no começo
anuncia-se uma inversão
de valores que no final
desemboca numa
igualdade; a relação
correta do homem com
Deus decide-se no
trabalho e quem quiser
praticar boas obras fará
um contato com Deus.
Impossível não nos
recordarmos de madre
Tereza de Calcutá e de
sua grande sabedoria ao
dizer que “no final é
tudo entre mim e Deus e
não entre mim e os
outros”.
Lembra ainda que não é
cabível alegar injustiça
de Deus com base em uma
perspectiva de justiça
distributiva que exige
proporção matemática
entre trabalho e
salário, pois se trata
de uma perspectiva que
gera inveja e
mesquinhez; que não cabe
exigir a proporção, mas
aceitar com gratidão a
desproporção, pois Deus
não é injusto ao ser
generoso. “Acaso o teu
olho é mau, porque eu
sou bom?” Não cabe ao
homem querer submetê-Lo
ao regime de justiça
comutativa, presente nas
relações sociais de
troca, sendo que as
partes devem dar e
receber numa proporção
matemática. Uma troca é
justa, nesse conceito,
quando os produtos que
forem trocados
equivalem-se,
exatamente,
quantitativamente.
Na Tradução Ecumênica da
Bíblia, a parábola é
nomeada como a dos
“trabalhadores da
undécima hora”. Essa
medida de tempo aparece
no Antigo Testamento, em
alguns profetas, e nada
tem a ver com a contagem
moderna de tempo. As
horas do dia eram
contadas a partir das 6h
até às 18h e a undécima
hora do texto seria
entre 16h e 17h. O texto
destaca que, em
essência, Jesus quer
mostrar que a bondade
divina ultrapassa os
critérios humanos na
retribuição concedida
como salário devido sem,
contudo, descambar na
arbitrariedade que não
leva em conta a justiça.
Importante lembrar que
eram homens pobres que
trabalhavam durante as
colheitas, em todas as
suas etapas, e que
precisavam da diária
integral para o sustento
da família.
Concluindo nossas
reflexões: “saiu de
madrugada para
assalariar trabalhadores
para sua vinha”. O que
isto significa?
No nosso entender,
significa que há um
dinamismo natural no
homem de bem, aquele
homem que não perde
tempo com fantasias e
ilusões e atém-se ao que
realmente é importante
na vida; que a evolução
espiritual é meta divina
definida desde que
ocorreu o processo de
humanização do princípio
inteligente, na
“madrugada da vida”
humana, quando o
Espírito era simples e
ignorante das leis
divinas, ainda que as
tivessem ínsitas no seu
ser.
Mister se faz que nos
recordemos, ainda, que
Deus ajusta o trabalho
em nível da
conscientização do
obreiro e que esse homem
trabalha no que pode. O
Pai oferece o local, a
forma e o valor da
“remuneração”. Recebe
ainda a oportunidade de
progredir, no campo que
lhe foi destinado,
selecionado em função da
experiência que possui.
“E saiu perto da
terceira hora, viu que
outros estavam na praça
desocupados e
disse-lhes: ide também
vós para a minha vinha,
e lhes darei o que é
justo. E eles foram”.
A hora de contratação
dos trabalhadores
equivaleria às
diferentes convocações
de Deus aos filhos, para
o cultivo das virtudes.
Interessante relermos a
parábola da grande ceia
e a parábola da boda de
núpcias, procurando as
comparações que surgirão
muito claras com a
parábola alvo dos nossos
comentários.
Em inspirado texto,
Eliseu Rigonatti, no
livro Evangelho dos
Humildes, capítulo
20, diz: “uns começam
mais cedo a cuidar dos
seus Espíritos; outros
começam mais tarde. E,
no entanto, para os bons
trabalhadores, o salário
é o mesmo, não importa a
hora em que iniciaram o
trabalho de se
regenerarem”.
Bibliografia:
SCHUTEL, Cairbar.
Parábolas e Ensinos de
Jesus – 14ª ed.,
Casa Editora O Clarim –
Matão/SP –“Parábola dos
Trabalhadores da Vinha”.
ROHDEN, Huberto.
Sabedoria das Parábolas
– 12ª ed., Editora
Martin Claret – São
Paulo/SP – “Os
Trabalhadores da Vinha”.
KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o
Espiritismo – Cap.
20, itens 2 e 5.
CALLIGARIS, Rodolfo.
Parábolas Evangélicas -
11ª ed., FEB –
Brasília/DF, 2013.
XAVIER, F. C. Alma e
Luz – pelo Espírito
Emmanuel – Editora IDE,
lição 20.