RICARDO BAESSO
DE OLIVEIRA
kargabrl@uol.com.br
Juiz de Fora, MG
(Brasil)
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A origem da
moralidade
A moralidade se
refere a
diretivas para a
vida, a
obrigações. Ao
que devemos e
que não devemos
fazer. Mas,
afinal, por que
somos seres
morais? Qual a
origem da ética?
Há duas
propostas
filosóficas a
serem
consideradas,
segundo comenta
o filósofo
Michael Ruse, no
livro Levando
Darwin a sério.
Primeiro, há a
proposta segundo
a qual a base
final da ética é
objetivista,
ou seja, as
normas morais
existem
independentemente
dos seres
humanos. As
normas de
conduta são
fixas e eternas
e, segundo
alguns, retratam
a vontade de
Deus. Matar é
errado, porque
Deus afirma
isso. O plano da
natureza vem de
Deus. Em
consequência, a
violação desse
plano, no caso
de nossos
pecados contra a
natureza, é uma
afronta a Deus,
o seu Ordenador.
A outra proposta
filosófica,
denominada de
subjetivismo,
alega que a
moralidade é uma
função da
natureza humana,
e que sem os
seres humanos
não existiria o
certo e o
errado. Não
existe uma fonte
independente de
moralidade. Tudo
depende dos
sentimentos,
pensamentos e
inclinações
humanos. Sendo
assim, a
moralidade vem
se instalando e
se desenvolvendo
na consciência
humana através
da história, na
medida em que
não existia
antes da
consciência. Os
subjetivistas se
dividem em dois
grupos: os que
acreditam que a
moral é
resultado da
evolução
biológica,
através da
seleção natural,
e os que creem
que a moral é
resultado da
cultura e não da
biologia.
O darwinismo
explica que a
moralidade
surgiu porque se
trata de uma
maneira efetiva
de tornar
cooperativos os
seres humanos.
Segundo os
biólogos
evolucionistas,
no processo da
evolução vemos o
caminho da
moralidade e, no
curso da
evolução, a base
do nosso
conhecimento do
bem e do mal, do
certo e do
errado. Edward
Wilson, eminente
biólogo de
Harvard, afirmou
que na evolução
biológica
(seleção
natural,
proposta pelo
darwinismo) está
a chave para a
nossa perfeita
compreensão da
moralidade.
Existe uma regra
férrea na
evolução social
humana: grupos
altruístas
derrotam grupos
egoístas. Os
seres humanos
foram obrigados
a buscar a
moralidade – a
fazer a coisa
certa, se
refrear, ajudar
os outros, às
vezes correndo
risco pessoal,
porque a seleção
natural
favoreceu essas
interações dos
membros do grupo
que beneficiam o
grupo como um
todo.
Para outros
teóricos, no
entanto, a
moralidade é
algo que surge
das relações
interpessoais
dentro da
sociedade.
Princípios
éticos são o
resultado da
cultura e não da
evolução
biológica. As
relações humanas
intragrupos
levaram ao
desenvolvimento
de regras
comportamentais
– o certo e o
errado – para
que a
convivência
humana se
tornasse
possível.
O surgimento da
religião teve,
sob esse
aspecto, papel
fundamental, ao
reforçar o papel
da ética no
entendimento
entre os homens
e,
consequentemente,
na sobrevivência
e no progresso
das sociedades.
A ideologia
compartilhada
pela religião
ajuda a resolver
o problema de
como os
indivíduos que
não são parentes
devem viver
juntos sem se
matar – dando a
eles uma ligação
que não é
baseada em
parentesco.
Também dá às
pessoas um
motivo, além do
interesse
genético, para
sacrificar suas
vidas em favor
dos outros. À
custa de alguns
membros da
sociedade que
morrem em
batalha como
soldados, a
sociedade como
um todo se torna
muito mais
eficaz em
conquistar
outras
sociedades ou
resistir a
ataques. A fé
religiosa
oferece a
segurança
psicológica que
advém
exclusivamente
do pertencimento
a um grupo. O
biólogo
evolucionista
David Sloan
Wilson, citado
por Dennett, no
livro
Quebrando o
encanto,
disse que a
religião existe
principalmente
para que as
pessoas
consigam,
juntas, o que
não conseguem
alcançar
sozinhas.
O que pensava
Kardec a
respeito? Na
obra Kardequiana
encontramos
elementos que se
identificam com
ambas as
propostas
filosóficas.
Kardec é
objetivista,
na medida em que
afirma que Deus
estabeleceu, no
Universo, Leis
morais, cuja
finalidade é o
progresso e a
felicidade das
almas, e que
essas leis não
dependem
essencialmente
das almas.
Observamos em
O Livro dos
Espíritos:
- A lei natural
é a lei de Deus.
É a única
verdadeira para
a felicidade do
homem.
Indica-lhe o que
deve fazer ou
deixar de fazer
e ele só é
infeliz quando
dela se afasta
(item 614).
- É eterna a lei
de Deus e
imutável como o
próprio Deus
(item 615).
Mas Kardec
também assume
compromissos com
a ideia
subjetivista,
porque mostra
que os bons
sentimentos não
povoam a alma de
uma só vez, mas
são resultado de
experiências
multimilenárias
em diferentes
dimensões de
vida. Conferimos
também na obra
já citada:
- Os homens são
obrigados a
modificar suas
leis, por
imperfeitas
(item 616).
- É dado ao
homem
aprofundar-se
nas leis de
Deus, mas uma
única existência
não lhe basta
para isso (617).
- Todos a
compreenderão um
dia, porquanto
forçoso é que o
progresso se
efetue (619).
- O homem traz
em sua
consciência a
lei de Deus, mas
como ele a
esquecera e
desprezara, quis
então Deus que
lhe fosse
lembrada,
através de
diferentes
revelações (item
621).
Concluindo: as
características
que consideramos
mais humanas,
como nossa
capacidade de
sentir com o
outro, nos
identificando
com suas dores e
necessidades,
assim como os
sentimentos que
guiam nossas
relações
familiares e
sociais,
provavelmente
refletem um
longo processo
de
aperfeiçoamento
do princípio
inteligente, que
começou há
dezenas de
milhões de anos,
quando nossos
ancestrais
começaram a
viver em grupos
sociais. Os
seres que vivem
em grupos
sociais são
capazes de
desenvolver
padrões de
comportamento
que não são
puramente
egoístas, no
sentido de
promover a
sobrevivência ou
o sucesso
reprodutivo de
um indivíduo à
custa de outro.
Muitos
pesquisadores
acreditavam que
os valores
morais,
particularmente
o altruísmo e a
generosidade,
que enobrecem
grande parte dos
seres humanos na
contemporaneidade,
tiveram suas
sementes
plantadas nessa
fase de nossa
evolução, quando
a sobrevivência
do grupo estava
na razão direta
da capacidade de
cada um ceder em
benefício do
todo. Assim,
através dos
milênios, o ser
espiritual vai
incorporando em
sua
individualidade
as noções do
certo, do belo,
do saudável, do
bom, do útil,
refletindo em
suas ações as
leis eternas de
Deus.