A consciência
que tarda é a
lacuna que
permite e
convida à
permanência do
velho.
A teimosia, ao
lado de outros
fatores como a
preguiça
intelectual e o
orgulho
prepotente,
marca as ações
de muitas
lideranças do
Espiritismo
brasileiro. A
mudança está no
cerne do
progresso do
homem, e, onde
não há a
presença da
mudança, há
ausência de
progresso.
Mudar, já diziam
os gregos, é o
que justifica a
permanência. No
Espiritismo
aprende-se que a
vida se
constitui de
mutabilidade e
de
imutabilidade,
assim como
compreendia,
também, Saussure
no campo da
linguística. As
leis naturais
são imutáveis,
mas a natureza e
tudo o mais são
mutáveis, com o
homem no centro
das ações a
impulsionar o
progresso.
A considerar os
tempos de
Kardec, este
terá sido de uma
coragem imensa
ao assumir a
condução de um
processo fadado
a atrair forças
contrárias de
grande poder, e
ao mesmo tempo a
derrubar
barreiras tão
grandes quanto
nos átrios das
igrejas e nos
depósitos do
saber.
No entanto, a
comparar a
apatia que
assola nossos
tempos e as
lideranças
espíritas de
forma geral,
Kardec terá sido
audacioso quando
resolveu adotar
uma nova
nomenclatura
para a doutrina
em gestação.
Escolheu o termo
Espiritismo,
que, ao que se
sabe, já estava
presente em pelo
menos um
dicionário
inglês, mas não
tinha emprego
corrente e não
sofria da
polissemia que
costuma assolar
as palavras
depois de muito
utilizadas, sob
a lógica do
próprio sentido
daquilo que
tinha em mãos.
Para novas
coisas, novos
termos, diria.
Entendia Kardec,
como entendem os
homens dotados
de saber, que as
descobertas, as
invenções, as
tecnologias, as
doutrinas, os
conhecimentos,
quando
amadurecidos
pelos estudos e
as pesquisas,
carecem de
palavras
específicas para
se apresentarem,
cujo sentido
seja o mais
claro possível
e, por
consequência, de
menor polissemia
para que a
consciência
sobre e deles
não pese senão
na sua medida
exata. Kardec
fugiu do termo
espiritualismo
exatamente pela
imensa
quantidade de
significados que
compreendia e
dotou sua
doutrina do
termo
Espiritismo,
ao adepto
denominou
espírita, ao
corpo espiritual
chamou de
perispírito
e por essa
trilha seguiu
até o fim.
Ninguém de bom
senso poderia
exigir que a
sociedade humana
tomasse o
Espiritismo por
sua doutrina,
mas,
efetivamente,
ninguém que ouve
o termo que
identifica essa
doutrina o
confunde com
outra, senão
quando preso nas
redes da
ignorância ou
quando atado à
corrente da
desonestidade.
A providência de
Kardec na adoção
dos novos termos
o levaria a
esperar que o
mesmo
procedimento
fosse adotado
por seus
pósteros
enquanto líderes
dessa doutrina?
Sem dúvida, essa
é a lógica do
pensamento
fundador e está
explicitada na
ideia básica do
progresso.
Entretanto,
mesmo que o
fundador não se
expressasse a
respeito, a
força interna
dos novos
conhecimentos
conduz por si
mesma à busca de
palavras, novas
ou de menor uso,
para dar sentido
às ideias que
são colocadas e
evitar as
confusões
prejudiciais dos
significados
diversos,
especialmente no
âmbito do senso
comum.
O ser humano,
vale repisar,
vive da e na
linguagem, ou
seja, existe na
linguagem e não
sobrevive fora
dela. Toda
comunicação se
faz pela
linguagem e,
embora não se
possa alcançar
uma comunicação
com absoluta
precisão,
pode-se
comunicar com
alto grau de
precisão,
especialmente
quando se cuida
de cercar a
mensagem de
clareza, de modo
a evitar a
multiplicidade
de sentidos.
A doutrina, por
seus inúmeros
pilares, toca
mais ou menos em
grande parte dos
conhecimentos
humanos, e, por
o fazer, conduz
a mudanças
continuamente,
mudanças no viés
da compreensão,
ou seja, da
consciência
sobre a coisa, e
mudanças nas
formas de
expressão para
identificar tais
coisas e sua
relação com as
novas ideias
sobre elas
mesmas. Assim, a
adoção ou
manutenção de
velhas formas de
expressão para
designar as
novas ideias não
só facilita a
confusão dos
sentidos como
impede que o
processo de
mudança se dê na
velocidade
necessária. Sem
dizer que é
terrível
estultice manter
antigas palavras
de sentidos
variados para
designar as
novas ideias,
que alteram
todos aqueles
sentidos
acumulados. O
mesmo se pode
dizer das
palavras
dominadas por um
determinado
sentido
construído
historicamente,
de tal forma que
absolutamente
não conseguem
designar outra,
senão a ideia
que a domina.
Grande parte das
lideranças
espíritas é
preguiçosa, ou
demasiado
orgulhosa,
quando se trata
de mudar para
melhorar. E se
essas lideranças
agem dessa
forma, o que não
esperar daqueles
que são por elas
conduzidos? Por
razões como
essa, proliferam
e reproduzem-se
termos
carcomidos pelo
tempo, com
significado
dominante não
raro, e por isso
mesmo impróprios
para as novas
ideias,
expressões como:
evangelizar,
doutrinar,
culto, templo,
céu e tantas
outras.
Aqui se faz o
“culto do
evangelho no
lar”, ali a
“doutrinação de
Espíritos”,
acolá a
“evangelização
infantil” e
assim por
diante. Na
esteira dessas
adoções
inapropriadas,
surgem termos
que acabam vendo
suas ideias
originais
naufragar no mar
dos significados
das palavras que
vieram
substituir, como
ocorre com
“umbral”,
empregado para
substituir
“inferno” quando
seu significado
é portador de
ideia
completamente
inversa. O mesmo
ocorre com
“Nosso Lar”,
quando utilizado
como sinônimo de
“céu”, “água
fluídica” em
lugar de “água
benta”, numa
lista imensa de
inconsequências
linguísticas.
Se o verbo
doutrinar em
seu significado
semântico indica
o ato ou ação de
instruir sobre
determinada
doutrina, é
certo que também
na polissemia
dos sentidos em
que se insere
revela o ato de
impor ideias em
detrimento de
outras, numa
ação que se
aproxima da tão
combatida ideia
kardequiana de
condenação do
proselitismo.
Dirigentes
malformados não
apenas se
conduzem
autoritariamente
nos momentos de
contato afetivo
com os Espíritos
em situação de
atraso ou
desespero, como
lhes nega o
direito do
diálogo ao
estabelecer
exigências
impossíveis de
serem atendidas
por eles. E agem
como detentores
prepotentes da
verdade, numa
ação
“doutrinadora”
inoportuna e
ineficiente.
Já o verbo
evangelizar
possui no seu
sentido o
significado de
converter para
sua crença
utilizando os
Evangelhos, o
que não só pode
se constituir em
proselitismo,
como, ainda e
pior, assumir
uma inversão de
valores de tal
ordem que “O
Evangelho
segundo o
Espiritismo”
passa a ser o
“Espiritismo
segundo o
Evangelho”,
eliminando-se,
assim, o
conteúdo
espírita que
pretende dar
conta do ensino
moral de Jesus.
Sem este
conteúdo, o
Evangelho volta
a ser letra
morta em sua
generalidade.
Empregado por
largos séculos e
escala pela
Igreja, em sua
ação
catequizadora, o
ato de
evangelizar
mantém-se,
predominantemente,
no seu
significado
menos
interessante
para as novas
ideias que o
Espiritismo
apresenta.
O substantivo
culto indica
claramente o ato
de adoração
ritualística da
divindade, ideia
desde sempre
combatida pelo
Espiritismo, por
seus argumentos
e a lógica
interna deles,
de modo que o
seu emprego na
denominação de
atividades, seja
nos estudos
particulares,
seja em reuniões
em centros
espíritas, é não
apenas sinal de
mau gosto, mas
de total
despreparo para
a ação de
comunicar o
Espiritismo.
O “imenso
esforço de
igrejificar o
Espiritismo”,
tão alertado por
Herculano Pires,
tem merecido o
desprezo de
muitas
lideranças,
exatamente pelo
fato de ser mais
fácil manter o
velho e roto
tecido religioso
do passado que
trabalhar para
que a doutrina
se insira,
realmente, na
sociedade como
um corpo capaz
de contribuir
para uma mudança
cultural sem
precedentes no
mundo.
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