Generalizações
apressadas
O título deste capítulo
não pertence a mim, mas
ao mestre José Carlos
Leal, a quem dedico este
texto. É ele quem toca
no assunto no livro
Trabalhando para si
mesmo, no capítulo
que discorre sobre as
diversas formas de
trazer as pessoas para o
nosso lado. Não fazer
generalizações
apressadas é uma delas.
Leal cita como exemplo
uma festa na qual
provavelmente estavam
presentes, em sua
maioria, gente de classe
média alta. E, pelo
visto, era época de
eleições, quando se fala
com ênfase na predileção
– ou não – por esse ou
aquele candidato.
Lá pelas tantas, um
convidado perguntou a
outro: – Fulano, em
quem você vai votar?
Resposta: – Ah, eu
não vou votar em ninguém
porque todo político é
corrupto! Em
seguida, desancou a
classe, não poupando
ninguém. Afinal, segundo
ele, ‘todo político é
corrupto’. Só que
uma importante convidada
da ocasião, esposa de um
político que não é
corrupto, retirou-se,
ofendida, ao ouvir os
vitupérios dirigidos à
classe. Decerto ficou
aquele clima de
constrangimento, e a
festa provavelmente
tenha perdido a graça
depois da declaração
impensada.
Sabemos que a corrupção
é um problema sério no
Brasil. Não só nas altas
esferas, mas também
entre nós, cidadãos.
Somos corruptos quando
‘furamos’ a fila
do ônibus, quando
estacionamos na faixa de
pedestres ou quando
pedimos um recibo ou
atestado fajuto ao
médico ou ao dentista.
Atitudes típicas de um
mundo que ainda não
aprendeu a agir com
ética e transparência.
Mesmo ainda às voltas
com essa corrupção
endêmica, é muito
leviano afirmarmos em
alto e bom som que todo
político é corrupto.
Afinal, não conhecemos
todos eles. Para
apregoarmos essa
afirmativa como verdade
absoluta, teríamos de
conhecer, um por um,
todos os vereadores,
prefeitos, deputados,
secretários, ministros,
governadores e
senadores. Um por um,
repito.
Claro que há muitos
envolvidos em corrupção.
Principalmente porque o
sistema, calcado em
bases viciadas, acaba
envolvendo a classe num
turbilhão de negociatas
e conchavos. Além disso,
os escândalos que
acompanhamos nos
noticiários fazem com
que vejamos a classe com
total descrédito. Só que
os telejornais, jornais
impressos e congêneres
mostram o desvio, o que
foge à norma. O que é
bom, correto e dentro
dos padrões nem sempre é
notícia. Por isso, a
ênfase na corrupção, que
precisa, de fato, entrar
em extinção ampla, geral
e irrestrita.
Há também outras
generalizações com as
quais precisamos ter
cuidado. Uma delas diz
que todo favelado é
bandido. Como é que eu
sei? Conheço todos eles?
Visitei todas as favelas
do Brasil? Entrei em
todas as casas e
conversei com todos os
moradores para chegar a
essa conclusão?
Novamente o mesmo erro
que pode gerar
constrangimento. Em
primeiro porque, ao
dizer isso, não levo em
conta que pode haver um
morador de comunidade
carente entre meus
interlocutores. Ou
então, alguém que viveu
e cresceu no local,
ascendeu socialmente,
mas possui parentes e
amigos na comunidade,
tem orgulho de suas
origens etc. Por que
tomarmos a parte pelo
todo e emitirmos uma
opinião como se fosse
uma verdade universal?
Já soube de uma situação
constrangedora
envolvendo um expositor
espírita. Lá pelas
tantas de uma palestra,
o dito cujo disse, sem
mais nem menos, que todo
policial era corrupto.
Havia um assistindo à
palestra. Levantou-se,
indignado, e retirou-se
do salão. À saída,
encontrou um dos
diretores do centro e
disse estar indo embora
por ter sido ofendido
pelo palestrante. Há
policiais corruptos? A
imprensa mostra que sim.
Não são todos, contudo.
Conheço vários, entre
espíritas e não
espíritas. Nenhum deles
é corrupto. Há bons e
maus policiais, assim
como os há médicos,
eletricistas, advogados,
serralheiros, dentistas,
atores, técnicos de
refrigeração,
jornalistas etc.
Lamentável o descuido do
meu colega expositor
espírita.
O melhor a fazer, como
recomenda José Carlos
Leal, é trocarmos os
quantitativos universais
(todo e nenhum, por
exemplo) pelos
particulares – alguns,
muitos, boa parte etc.
Eu opto pelo alguns,
pois talvez não sejam
muitos os equivocados.
Mas por andarem fora da
linha, chamando atenção,
causam alarido e deixam
a impressão de que há
centenas como eles.
Talvez não haja.
Várias das
generalizações
apressadas que me
incomodam dizem respeito
a regionalismos tolos.
Donato, um amigo da
cidade do Rio de
Janeiro, foi transferido
da empresa onde
trabalhava. Passou,
portanto, a residir numa
cidade do interior de
São Paulo. Não estou
dizendo que todo
paulista faria o que
fizeram com Donato, ok?
Apenas o fato se deu em
SP, como poderia ter
acontecido em qualquer
outro Estado brasileiro.
No interior do RJ,
inclusive. Tão logo
Donato completou um mês
no novo local, colegas
de trabalho o chamaram
para comer e beber algo
depois do expediente.
Donato aceitou de bom
alvitre. O pessoal da
empresa, cerca de cinco,
pediu pizzas, chope,
refrigerante etc. Lá
pelas tantas, começaram,
um por um, sem Donato se
dar conta, a sair da
mesa. Um disse que ia ao
banheiro; outro, que
precisava dar um pulinho
em casa, logo ali perto
etc. Foram embora e
deixaram Donato sozinho,
na mesa, para pagar a
conta. Alegação do
grupo: carioca é
malandro e gosta de
passar todo mundo para
trás. Quiseram, por
isso, testá-lo para ver
se ele seria malandro a
ponto de perceber a
pegadinha e também para
mostrar a Donato que
eles, os paulistas do
interior, também podiam
ser tão malandros quanto
o carioca da gema. E
Donato – homem íntegro,
pacato, pai de família –
foi alvo de uma
brincadeira sem graça,
vinda de um grupo idem,
por causa de uma tola
generalização.
E o baiano, coitado!
Todo baiano é
preguiçoso, não é mesmo?
Quantas vezes eu já ouvi
isso da boca de amigos
aqui do Sudeste! Por
acaso conhecemos a
população da Bahia em
peso para afirmarmos
isso? Eu,
particularmente, só
conheço baiano que
trabalha. Já tive
oportunidade de tê-los
como colegas de
profissão e asseguro que
todos mandaram muito
bem. Além disso, o que
dizer de Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Jorge
Amado, Ivete Sangalo,
Carlinhos Brown, Gal
Gosta, Simone e Maria
Bethânia? – Ah, mas
isso que eles fazem não
é trabalho!
Acreditem vocês, já ouvi
essa frase durante uma
palestra em que falei
sobre tais
generalizações. Ao citar
os referidos baianos
ilustres, um desavisado
levantou a mão e mandou
a “pérola”. Até parece
que trabalho é só aquele
braçal ou intelectual
realizado dentro de
empresas, em horário
comercial. Então,
engenheiros, médicos,
operários, carpinteiros
são trabalhadores.
Cantores, compositores,
músicos, atores etc. não
o são. Aham! Outra
generalização apressada.
Se for assim, o livro
que você, leitor, esteja
lendo não é fruto do
trabalho de quem o
escreveu. Será o quê,
então? Diz O Livro
dos Espíritos, na
questão 675, que
“Toda ocupação útil é
trabalho”. Pois.
O movimento espírita
brasileiro está repleto
de baianos operosos. Aí
vai uma lista, composta
de encarnados e
desencarnados: Divaldo
Pereira Franco, Amélia
Rodrigues, José
Petitinga, Pedro Camilo,
Joanna de Ângelis,
Geraldo Guimarães, Maria
Dolores, Manoel
Philomeno de Miranda,
Antônio da Silva Neto,
Luís Olímpio Teles de
Menezes e Marcel Cadidé
Mariano, só para citar
alguns. Isso sem falar
nos anônimos que tocam o
movimento espírita
baiano.
Por causa dessas
generalizações –
aparentemente gaiatas,
mas que escondem um
preconceito – muitos
acham que o argentino é
um brega estridente e
descabelado, que o
francês cheira mal, que
o alemão é frio e
impessoal etc.
No livro
Homossexualidade sob a
Ótica do Espírito
Imortal, o médico
Andrei Moreira fala a
respeito das
generalizações
apressadas com que
tachamos os
homossexuais. É comum,
por exemplo, ouvirmos
que todo homossexual é
promíscuo. Só que, na
verdade, existem gays
promíscuos e não
promíscuos, assim como
os há entre os
heterossexuais. Os
argumentos que Andrei
utiliza para
desmistificar tal
afirmativa são vários.
Entre eles, o fato de ao
homossexual ser negada a
manifestação pública de
sua orientação. Por
isso, ele geralmente se
porta como uma panela de
pressão que explode
quando se vê num espaço
em que sua expressão
afetiva pode ser
mostrada livremente,
como as boates gays, que
são em número bem menor
que as boates
tradicionais e, por
isso, concentram um
número maior de
frequentadores.
Há também os que dizem
que todo homossexual é
pervertido, o que é
falso, já que o caráter
e o comportamento moral
são definidos por nossa
conduta moral, nunca
pela identidade sexual.
Tenho amigos
homossexuais e nunca
encontrei nenhum
pervertido. Só gente
culta, íntegra, discreta
e vítima desse tipo de
generalização que só
exclui e intimida.
O espírita mal informado
costuma ser adepto da
seguinte generalização
para justificar a
existência do
homossexual: o homem
homossexual foi mulher
na vida passada e a
mulher homossexual foi
homem. Por isso,
gostaria de ser do outro
sexo. Decerto há casos
assim, mas como a
Doutrina Espírita mostra
que a vida não é uma
fórmula exata de
matemática, há
homossexuais masculinos
que são másculos, viris
e plenamente satisfeitos
como homens. Idem várias
mulheres lésbicas que
são femininas.
Generalizar, portanto, é
ater-se a imagens
caricatas e
preconceituosas do
imaginário popular.
Muitas vezes, no
movimento espírita, nos
atemos a generalizações,
sem percebermos.
No livro O Jovem
Espírita Quer Saber,
mocidades espíritas do
RJ fazem questionamentos
sobre diversos assuntos.
As respostas são dadas
por 25 escritores
espíritas. Um deles,
Marcel Cadidé Mariano,
baiano de boa cepa. A
ele coube o assunto
suicídio. Uma das
perguntas é bem curiosa.
O adolescente que a
formulou queria saber se
um suicida demora muito
tempo para reencarnar e
quais etapas ele precisa
passar antes de voltar
ao corpo físico. Marcel,
com muita propriedade,
esclarece que “não
podemos nos valer dos
relatos mediúnicos
romanceados para
enquadrarmos todos os
casos de suicídio”.
Embora o suicida tenha
de, cedo ou tarde,
avaliar o ato que
cometeu e retornar à
Terra num corpo carnal
que irá refletir as
consequências de ter
dado cabo da própria
vida, cada caso é
analisado isoladamente,
sem fórmulas prontas.
Tudo depende dos méritos
e deméritos e das
circunstâncias que
levaram a pessoa a
cometer suicídio. Não há
tempo exato. Além disso,
conforme explica Marcel,
há várias “colônias e
cidades no mundo
espiritual inteiramente
dedicadas aos suicidas,
cada uma delas com
métodos próprios.
Portanto, não devemos
generalizar os casos”.
Em janeiro de 2013, o
incêndio na boate Kiss,
na cidade de Santa Maria
(RS), tirou a vida de
mais de 240 jovens. Uma
tragédia que indignou e
enlutou todo o país. Na
ocasião, a jornalista e
educadora espírita Dora
Incontri publicou em seu
blog um artigo em que
chamou atenção para o
fato de alguns espíritas
estarem dizendo que tais
jovens haviam resgatado
um pesado débito de
vidas passadas. Como
saber disso? O fato de
sermos espíritas
significa que temos
acesso irrestrito ao
planejamento
reencarnatório de gente
que nem conhecemos? Não
seria desumano de nossa
parte tirar da cartola
uma declaração dessas
sem ao menos nos
sensibilizarmos ante a
dor alheia, que merece
ser tratada por nós com
delicadeza e
compreensão? Além disso,
quem garante que tudo o
que nos acontece está
relacionado a resgate de
vidas passadas?
Dora observa com muita
propriedade: – (...)
as dores nem sempre são
efeitos do passado, mas
sempre são motivo de
aprendizado. O
sofrimento no mundo
resulta das mais
variadas causas: má
organização social,
egoísmo humano,
imprevidência... Estamos
num mundo de precário
grau evolutivo, onde e
dor é nossa mestra,
companheira, e o que
muitas vezes entendemos
como “punição” é
aprendizado de evolução.
A Doutrina Espírita,
portanto, existe para
que estudemos e
encaremos a vida de
forma racional, o que
não significa, segundo
Dora, que essa
racionalidade seja usada
de forma fechada para
dar respostas genéricas
a todos os
acontecimentos,
principalmente se
envolverem a perda de
várias vidas humanas.
Mesmo porque as famílias
enlutadas provavelmente
professam outras
crenças, também
merecedoras de nosso
respeito.
Isso me fez lembrar um
fato acontecido há
muitos anos aqui no RJ.
Uma simpática
senhorinha, viúva há
algum tempo, começou a
frequentar um centro
espírita. Até que um
dia, um trabalhador do
centro, ao saber que ela
era viúva, disse-lhe,
todo sorridente: –
Ah, minha irmã, não se
preocupe. Quando a
senhora morrer, irá
reencontrar o seu
marido!
Para que ele disse isso?
A senhora começou a
tremer da cabeça aos
pés, ficou desesperada
ante a perspectiva de
rever o antigo cônjuge,
com quem provavelmente
vivera momentos nada
agradáveis. Felizmente
uma colaboradora da
instituição estava por
perto e salvou a
situação.
Quem foi que disse que
iremos encontrar, do
lado de lá, todo mundo
que foi nosso parente ou
amigo e que partiu antes
de nós? Iremos encontrar
alguns ou muitos? Talvez
sim. Mas nunca poderemos
afirmar; muito menos
generalizar apressada e
impensadamente. Como diz
Dora Incontri, “Os
espíritas devem se
conformar com essa
impotência momentânea:
não alcançamos todas as
variáveis de um fato
como esse, para podermos
oferecer uma explicação
definitiva”.
Evitemos, pois, as
generalizações
apressadas. Além de não
podermos prová-las,
podem nos colocar em situações
embaraçosas. Qualquer
dúvida, basta lembrar a
Regra Áurea:
“Tudo quanto, pois,
quereis que os homens
vos façam, assim fazei-o
vós também a eles, esta
é a lei e os profetas”
–
Jesus. (Mateus, 7:12.)