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Crônicas e Artigos

Ano 10 - N° 478 - 14 de Agosto de 2016

MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis, RJ (Brasil)

 

 

Generalizações apressadas


O título deste capítulo não pertence a mim, mas ao mestre José Carlos Leal, a quem dedico este texto. É ele quem toca no assunto no livro Trabalhando para si mesmo, no capítulo que discorre sobre as diversas formas de trazer as pessoas para o nosso lado. Não fazer generalizações apressadas é uma delas.

Leal cita como exemplo uma festa na qual provavelmente estavam presentes, em sua maioria, gente de classe média alta. E, pelo visto, era época de eleições, quando se fala com ênfase na predileção – ou não – por esse ou aquele candidato.

Lá pelas tantas, um convidado perguntou a outro: – Fulano, em quem você vai votar? Resposta: – Ah, eu não vou votar em ninguém porque todo político é corrupto! Em seguida, desancou a classe, não poupando ninguém. Afinal, segundo ele, ‘todo político é corrupto’. Só que uma importante convidada da ocasião, esposa de um político que não é corrupto, retirou-se, ofendida, ao ouvir os vitupérios dirigidos à classe. Decerto ficou aquele clima de constrangimento, e a festa provavelmente tenha perdido a graça depois da declaração impensada.

Sabemos que a corrupção é um problema sério no Brasil. Não só nas altas esferas, mas também entre nós, cidadãos. Somos corruptos quando ‘furamos’ a fila do ônibus, quando estacionamos na faixa de pedestres ou quando pedimos um recibo ou atestado fajuto ao médico ou ao dentista. Atitudes típicas de um mundo que ainda não aprendeu a agir com ética e transparência.

Mesmo ainda às voltas com essa corrupção endêmica, é muito leviano afirmarmos em alto e bom som que todo político é corrupto. Afinal, não conhecemos todos eles. Para apregoarmos essa afirmativa como verdade absoluta, teríamos de conhecer, um por um, todos os vereadores, prefeitos, deputados, secretários, ministros, governadores e senadores. Um por um, repito.

Claro que há muitos envolvidos em corrupção. Principalmente porque o sistema, calcado em bases viciadas, acaba envolvendo a classe num turbilhão de negociatas e conchavos. Além disso, os escândalos que acompanhamos nos noticiários fazem com que vejamos a classe com total descrédito. Só que os telejornais, jornais impressos e congêneres mostram o desvio, o que foge à norma. O que é bom, correto e dentro dos padrões nem sempre é notícia. Por isso, a ênfase na corrupção, que precisa, de fato, entrar em extinção ampla, geral e irrestrita.

Há também outras generalizações com as quais precisamos ter cuidado. Uma delas diz que todo favelado é bandido. Como é que eu sei? Conheço todos eles? Visitei todas as favelas do Brasil? Entrei em todas as casas e conversei com todos os moradores para chegar a essa conclusão? Novamente o mesmo erro que pode gerar constrangimento. Em primeiro porque, ao dizer isso, não levo em conta que pode haver um morador de comunidade carente entre meus interlocutores. Ou então, alguém que viveu e cresceu no local, ascendeu socialmente, mas possui parentes e amigos na comunidade, tem orgulho de suas origens etc. Por que tomarmos a parte pelo todo e emitirmos uma opinião como se fosse uma verdade universal?

Já soube de uma situação constrangedora envolvendo um expositor espírita. Lá pelas tantas de uma palestra, o dito cujo disse, sem mais nem menos, que todo policial era corrupto. Havia um assistindo à palestra. Levantou-se, indignado, e retirou-se do salão. À saída, encontrou um dos diretores do centro e disse estar indo embora por ter sido ofendido pelo palestrante. Há policiais corruptos? A imprensa mostra que sim. Não são todos, contudo. Conheço vários, entre espíritas e não espíritas. Nenhum deles é corrupto. Há bons e maus policiais, assim como os há médicos, eletricistas, advogados, serralheiros, dentistas, atores, técnicos de refrigeração, jornalistas etc. Lamentável o descuido do meu colega expositor espírita.

O melhor a fazer, como recomenda José Carlos Leal, é trocarmos os quantitativos universais (todo e nenhum, por exemplo) pelos particulares – alguns, muitos, boa parte etc. Eu opto pelo alguns, pois talvez não sejam muitos os equivocados. Mas por andarem fora da linha, chamando atenção, causam alarido e deixam a impressão de que há centenas como eles. Talvez não haja.

Várias das generalizações apressadas que me incomodam dizem respeito a regionalismos tolos. Donato, um amigo da cidade do Rio de Janeiro, foi transferido da empresa onde trabalhava. Passou, portanto, a residir numa cidade do interior de São Paulo. Não estou dizendo que todo paulista faria o que fizeram com Donato, ok? Apenas o fato se deu em SP, como poderia ter acontecido em qualquer outro Estado brasileiro. No interior do RJ, inclusive. Tão logo Donato completou um mês no novo local, colegas de trabalho o chamaram para comer e beber algo depois do expediente. Donato aceitou de bom alvitre. O pessoal da empresa, cerca de cinco, pediu pizzas, chope, refrigerante etc. Lá pelas tantas, começaram, um por um, sem Donato se dar conta, a sair da mesa. Um disse que ia ao banheiro; outro, que precisava dar um pulinho em casa, logo ali perto etc. Foram embora e deixaram Donato sozinho, na mesa, para pagar a conta. Alegação do grupo: carioca é malandro e gosta de passar todo mundo para trás. Quiseram, por isso, testá-lo para ver se ele seria malandro a ponto de perceber a pegadinha e também para mostrar a Donato que eles, os paulistas do interior, também podiam ser tão malandros quanto o carioca da gema. E Donato – homem íntegro, pacato, pai de família – foi alvo de uma brincadeira sem graça, vinda de um grupo idem, por causa de uma tola generalização.

E o baiano, coitado! Todo baiano é preguiçoso, não é mesmo? Quantas vezes eu já ouvi isso da boca de amigos aqui do Sudeste! Por acaso conhecemos a população da Bahia em peso para afirmarmos isso? Eu, particularmente, só conheço baiano que trabalha. Já tive oportunidade de tê-los como colegas de profissão e asseguro que todos mandaram muito bem. Além disso, o que dizer de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Amado, Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Gal Gosta, Simone e Maria Bethânia? – Ah, mas isso que eles fazem não é trabalho! Acreditem vocês, já ouvi essa frase durante uma palestra em que falei sobre tais generalizações. Ao citar os referidos baianos ilustres, um desavisado levantou a mão e mandou a “pérola”. Até parece que trabalho é só aquele braçal ou intelectual realizado dentro de empresas, em horário comercial. Então, engenheiros, médicos, operários, carpinteiros são trabalhadores. Cantores, compositores, músicos, atores etc. não o são. Aham! Outra generalização apressada. Se for assim, o livro que você, leitor, esteja lendo não é fruto do trabalho de quem o escreveu. Será o quê, então? Diz O Livro dos Espíritos, na questão 675, que “Toda ocupação útil é trabalho”. Pois.

O movimento espírita brasileiro está repleto de baianos operosos. Aí vai uma lista, composta de encarnados e desencarnados: Divaldo Pereira Franco, Amélia Rodrigues, José Petitinga, Pedro Camilo, Joanna de Ângelis, Geraldo Guimarães, Maria Dolores, Manoel Philomeno de Miranda, Antônio da Silva Neto, Luís Olímpio Teles de Menezes e Marcel Cadidé Mariano, só para citar alguns. Isso sem falar nos anônimos que tocam o movimento espírita baiano.

Por causa dessas generalizações – aparentemente gaiatas, mas que escondem um preconceito – muitos acham que o argentino é um brega estridente e descabelado, que o francês cheira mal, que o alemão é frio e impessoal etc.

No livro Homossexualidade sob a Ótica do Espírito Imortal, o médico Andrei Moreira fala a respeito das generalizações apressadas com que tachamos os homossexuais. É comum, por exemplo, ouvirmos que todo homossexual é promíscuo. Só que, na verdade, existem gays promíscuos e não promíscuos, assim como os há entre os heterossexuais. Os argumentos que Andrei utiliza para desmistificar tal afirmativa são vários. Entre eles, o fato de ao homossexual ser negada a manifestação pública de sua orientação. Por isso, ele geralmente se porta como uma panela de pressão que explode quando se vê num espaço em que sua expressão afetiva pode ser mostrada livremente, como as boates gays, que são em número bem menor que as boates tradicionais e, por isso, concentram um número maior de frequentadores.

Há também os que dizem que todo homossexual é pervertido, o que é falso, já que o caráter e o comportamento moral são definidos por nossa conduta moral, nunca pela identidade sexual. Tenho amigos homossexuais e nunca encontrei nenhum pervertido. Só gente culta, íntegra, discreta e vítima desse tipo de generalização que só exclui e intimida.

O espírita mal informado costuma ser adepto da seguinte generalização para justificar a existência do homossexual: o homem homossexual foi mulher na vida passada e a mulher homossexual foi homem. Por isso, gostaria de ser do outro sexo. Decerto há casos assim, mas como a Doutrina Espírita mostra que a vida não é uma fórmula exata de matemática, há homossexuais masculinos que são másculos, viris e plenamente satisfeitos como homens. Idem várias mulheres lésbicas que são femininas. Generalizar, portanto, é ater-se a imagens caricatas e preconceituosas do imaginário popular.

Muitas vezes, no movimento espírita, nos atemos a generalizações, sem percebermos.

No livro O Jovem Espírita Quer Saber, mocidades espíritas do RJ fazem questionamentos sobre diversos assuntos. As respostas são dadas por 25 escritores espíritas. Um deles, Marcel Cadidé Mariano, baiano de boa cepa. A ele coube o assunto suicídio. Uma das perguntas é bem curiosa. O adolescente que a formulou queria saber se um suicida demora muito tempo para reencarnar e quais etapas ele precisa passar antes de voltar ao corpo físico. Marcel, com muita propriedade, esclarece que “não podemos nos valer dos relatos mediúnicos romanceados para enquadrarmos todos os casos de suicídio”. Embora o suicida tenha de, cedo ou tarde, avaliar o ato que cometeu e retornar à Terra num corpo carnal que irá refletir as consequências de ter dado cabo da própria vida, cada caso é analisado isoladamente, sem fórmulas prontas. Tudo depende dos méritos e deméritos e das circunstâncias que levaram a pessoa a cometer suicídio. Não há tempo exato. Além disso, conforme explica Marcel, há várias “colônias e cidades no mundo espiritual inteiramente dedicadas aos suicidas, cada uma delas com métodos próprios. Portanto, não devemos generalizar os casos”.

Em janeiro de 2013, o incêndio na boate Kiss, na cidade de Santa Maria (RS), tirou a vida de mais de 240 jovens. Uma tragédia que indignou e enlutou todo o país. Na ocasião, a jornalista e educadora espírita Dora Incontri publicou em seu blog um artigo em que chamou atenção para o fato de alguns espíritas estarem dizendo que tais jovens haviam resgatado um pesado débito de vidas passadas. Como saber disso? O fato de sermos espíritas significa que temos acesso irrestrito ao planejamento reencarnatório de gente que nem conhecemos? Não seria desumano de nossa parte tirar da cartola uma declaração dessas sem ao menos nos sensibilizarmos ante a dor alheia, que merece ser tratada por nós com delicadeza e compreensão? Além disso, quem garante que tudo o que nos acontece está relacionado a resgate de vidas passadas?

Dora observa com muita propriedade: – (...) as dores nem sempre são efeitos do passado, mas sempre são motivo de aprendizado. O sofrimento no mundo resulta das mais variadas causas: má organização social, egoísmo humano, imprevidência... Estamos num mundo de precário grau evolutivo, onde e dor é nossa mestra, companheira, e o que muitas vezes entendemos como “punição” é aprendizado de evolução.

A Doutrina Espírita, portanto, existe para que estudemos e encaremos a vida de forma racional, o que não significa, segundo Dora, que essa racionalidade seja usada de forma fechada para dar respostas genéricas a todos os acontecimentos, principalmente se envolverem a perda de várias vidas humanas. Mesmo porque as famílias enlutadas provavelmente professam outras crenças, também merecedoras de nosso respeito.

Isso me fez lembrar um fato acontecido há muitos anos aqui no RJ. Uma simpática senhorinha, viúva há algum tempo, começou a frequentar um centro espírita. Até que um dia, um trabalhador do centro, ao saber que ela era viúva, disse-lhe, todo sorridente: – Ah, minha irmã, não se preocupe. Quando a senhora morrer, irá reencontrar o seu marido!

Para que ele disse isso? A senhora começou a tremer da cabeça aos pés, ficou desesperada ante a perspectiva de rever o antigo cônjuge, com quem provavelmente vivera momentos nada agradáveis. Felizmente uma colaboradora da instituição estava por perto e salvou a situação.

Quem foi que disse que iremos encontrar, do lado de lá, todo mundo que foi nosso parente ou amigo e que partiu antes de nós? Iremos encontrar alguns ou muitos? Talvez sim. Mas nunca poderemos afirmar; muito menos generalizar apressada e impensadamente. Como diz Dora Incontri, “Os espíritas devem se conformar com essa impotência momentânea: não alcançamos todas as variáveis de um fato como esse, para podermos oferecer uma explicação definitiva”.

Evitemos, pois, as generalizações apressadas. Além de não podermos prová-las, podem nos colocar em situações embaraçosas. Qualquer dúvida, basta lembrar a Regra Áurea: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles, esta é a lei e os profetas” Jesus. (Mateus, 7:12.)  



 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita