Meritocracia (do latim meritum,
"mérito", e do sufixo
cracia,
"poder") indica
posições ou
colocações
conseguidas por
mérito pessoal.
É um sistema
de gestão que
considera o mérito como
a razão
principal para
se atingir
posições de
topo. Segundo a
meritocracia, as posições
hierárquicas
devem ser
conquistadas com
base no
merecimento,
considerando
valores como
educação moral e
aptidão
específica para
determinada
atividade.
Constitui-se
numa forma ou
método de
seleção e, num
sentido mais
amplo, pode ser
considerada uma
ideologia governativa
e uma filosofia
de vida.
Muitos
estudiosos da
área da
filosofia e da
sociologia
questionam a
possibilidade de
uma real
meritocracia,
argumentando que
muitos se
valeram do
conceito do
mérito para
responsabilizar
os que não foram
bem-sucedidos.
Alegam que a
meritocracia é
um ótimo
instrumento para
justificar
moralmente o
domínio de um
indivíduo sobre
outro, de uma
etnia sobre a
outra, de um
país sobre
outros países.
Há quem afirme,
jocosamente, que
merecimento é
argumento de
homens, brancos,
heterossexuais,
ricos,
escolarizados e
poderosos, que
se valem desse
conceito para
justificarem o
sucesso pessoal
e o domínio
sobre outras
pessoas. Não
aceitam o
argumento de que
todos os que
estão “bem na
vida” fizeram
por merecer e,
os que não estão
devem queixar-se
apenas deles
mesmos, por sua
indolência e
falta de
esforço.
John Rawls
(1921-2002),
filósofo
político
americano,
citado por
Michael Sandel,
no livro
Justiça,
coloca que, em
termos legais,
em uma sociedade
democrática,
todos podem se
esforçar e
competir, mas na
prática,
entretanto, as
oportunidades
estão longe de
ser iguais.
Segundo ele,
três problemas
se apresentam à
lei do mérito:
1-
Inteligência:
as pessoas
possuem
inteligências
distintas. A
inteligência tem
uma
herdabilidade de
50%, ou seja, a
genética explica
50% da variação
da inteligência,
sendo, portanto,
parcialmente
inata.
Pesquisadores
têm relacionado
a inteligência
com os seguintes
elementos
biológicos:
tamanho do
cérebro,
quantidade de
matéria cinzenta
nos lobos
frontais,
velocidade de
condução neural
e o metabolismo
da glicose. Tudo
isso é definido,
em grande parte,
por interações
de genes.
Inteligências
diferentes dão
aos indivíduos
chances
diferentes de
alcançarem o
mesmo objetivo.
2- Condições
sociofamiliares:
nem todos nascem
em famílias com
os mesmos
recursos
financeiros, com
os mesmos
valores morais,
dando a mesma
importância a
questões como
escolaridade ou
necessidade de
preparação para
a vida. Os
indivíduos
durante a sua
infância e
juventude são
submetidos a
estímulos
culturais
diferentes,
alimentos mais
ou menos
nutritivos,
acompanhamento
médico/odontológico
também
diferente.
3-
Oportunidades:
as oportunidades
surgem em
proporções
diferentes para
as diferentes
pessoas durante
a vida. No jogo
do destino,
precisam ser
considerados
elementos como
sorte e azar. E
quando se admite
que “Dona Sorte”
pode atuar no
quadro da vida,
surgem novas
argumentações:
se eu não
tivesse ido
àquela festa,
não teria
conhecido minha
esposa, que foi
decisiva em meu
sucesso
profissional; se
eu não tivesse
pegado aquele
livro na
biblioteca, não
teria descoberto
minha vocação
profissional; se
eu não tivesse
atendido aquele
telefonema,
jamais teria
conseguido tal
emprego etc.
Coloca-se uma
situação
prática: abre-se
uma vaga para
promotor de
justiça, através
de um concurso
público.
Admite-se que o
concurso é
honesto e que
poderão se
inscrever todos
aqueles que
satisfazem as
exigências
legais.
Apresentam-se
dois candidatos.
O primeiro
é filho de um
juiz de direito,
estudou em uma
faculdade “de
ponta”, teve no
lar todos os
estímulos para
estudar desde
cedo e todos os
livros sempre à
mão.
Assistências à
saúde e
alimentação
foram adequadas.
Nunca precisou
trabalhar e todo
o seu tempo
estava destinado
à instrução. O
segundo
candidato é
órfão de pai,
que faleceu
quando ele tinha
dois anos. Sua
mãe, uma honesta
e dedicada
lavadeira, criou
seis filhos com
imensas
dificuldades.
Esse candidato
nunca recebeu
estímulos em
casa para a
instrução; sem
livros, tendo
que trabalhar
desde cedo,
estudando à
noite em uma
faculdade de
recursos
limitados,
alimentação
pouco nutritiva
etc.
Pergunta-se:
qual deles,
considerando-se
que possuem a
mesma
inteligência e
que fizeram o
melhor possível
na preparação
para o concurso,
está,
teoricamente, em
melhores
condições de
vencer a
disputa?
Obviamente, o
primeiro
candidato.
As argumentações
apresentadas
acima são
claras, lógicas
e de difícil
contestação. Sob
a ótica
materialista,
pode não fazer
sentido o
princípio do
merecimento.
Todavia,
valendo-nos dos
postulados
fundamentais da
Doutrina
espírita, a
abordagem passa
a ser outra.
Compreendendo-se
que a atual
existência
física consiste
apenas em um
único episódio
em nossa longa
história
evolutiva, que
experimentamos
condições
múltiplas de
vida, em
ambientes
diferentes,
convivendo com
pessoas
diferentes e
fazendo as
nossas escolhas,
tudo se
modifica. A
meritocracia faz
sentido a partir
de uma abordagem
reencarnacionista,
e torna justa a
lei de Deus.
Criados por Deus
como seres
simples e
ignorantes,
todos somos
levados a viver
diferentes
experiências de
vida, onde
encontramos os
elementos
necessários ao
desenvolvimento
de nossas
potencialidades.
As nossas
encarnações são
construídas
segundo duas
variantes: a
necessidade
evolutiva e os
resultados de
nossas ações
anteriores.
Escreveu Kardec,
em comentário ao
item 964 de O
Livro dos
Espíritos:
“Todas as nossas
ações são
submetidas às
leis de Deus;
não há nenhuma
delas, por mais
insignificante
que nos pareça,
que não possa
ser uma violação
dessas leis. Se
sofremos as
consequências
dessa violação,
não nos devemos
queixar senão de
nós mesmos, que
nos fazemos
assim artífices
de nossa
felicidade ou de
nossa
infelicidade
futura”.
E ainda Kardec:
[...] é
necessário que o
Espírito adquira
a experiência, e
para isso é
necessário que
ele conheça o
bem e o mal.
(LE, item 634.)
Voltando ao
exemplo
apresentado
previamente, e
agora o
examinando
segundo um
raciocínio
espírita. O
primeiro
candidato (filho
do juiz) pode
ter sido um
filho de
lavadeira em
existência
anterior, e que,
superando todos
os obstáculos,
fez o melhor que
pôde, adquirindo
merecimentos,
que lhe são
considerados na
existência
atual. O
segundo
candidato (filho
da lavadeira
modesta) talvez
tenha sido um
filho de juiz no
passado, que
tendo recebido
todas as
facilidades em
existência
hipotética,
desconsiderou-as,
levando uma vida
de ócio ou
devassidão.
Retorna, pela
reencarnação, ao
cenário da
Terra, com
dificuldades
redentoras para,
através da vida
custosa,
reeducar-se
perante si
mesmo. E assim a
justiça se faz e
o princípio do
mérito torna-se
aplicável às
diferentes
situações da
vida.
Encontramos em
O Livro dos
Espíritos:
Depende dos
Espíritos
apressarem o seu
progresso rumo à
perfeição? –
Certamente. Eles
a alcançam mais
ou menos rápido,
conforme seu
desejo e
submissão à
vontade de Deus.
(item 117)
E também:
Não há
arrastamento
irresistível,
desde que se
tenha vontade de
resistir.
Lembrai-vos de
que querer é
poder.
(item 845)
E finalmente:
O homem sempre
poderia vencer
suas más
tendências
mediante seus
próprios
esforços? – Sim,
e às vezes com
pouco esforço. O
que lhe falta é
a vontade. Ah!
Como são poucos
os que se
esforçam entre
vós.
(item 909)
As considerações
espíritas,
todavia, não
podem ser
entendidas de
forma fatalista,
segundo o
conceito de que
as coisas são
como são em
decorrência
unicamente de
causas passadas
e de que devemos
nos sujeitar a
elas.
Rejeitarmos a
absurda
desigualdade
social
fortemente
presente em
nossa sociedade
e fazermos o
possível para
reduzirmos as
distâncias que
existem entre as
pessoas é
obrigação de
todos. Afinal,
como afirmava o
professor Paulo
Freire,
precisamos ver a
história como
tempo de
possibilidades e
não de
determinação.