ELENI FRANGATOS
eleni.moreira@uol.com.br
Vinhedo, SP
(Brasil)
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Você se apercebe do que
faz?
“Ninguém
pode voltar atrás e
fazer um novo começo,
mas qualquer um pode
recomeçar e fazer um
novo fim.” (Chico
Xavier)
A volta para casa
Pairo no espaço. Olho o
planeta Terra, azulado,
lindo, pequenino... Meus
movimentos são livres,
leves, como que deslizo
pelo etéreo. Meu destino
é errante. Não sei bem o
que fazer, meio que
perdido. Irmãos me
ajudaram, mas, na ânsia
de voltar ao meu
planeta, de rever os
meus, eu me rebelei até
contra sua ajuda.
Neguei-me inicialmente a
aceitar que havia
passado para outra
dimensão. Olhava os meus
chorando, tentei
tocá-los, falar com
eles, mas eles não me
ouviam, não sentiam a
minha presença... Uma
angústia grande tomou
conta de mim!
Eu havia me afastado
para ficar só. Foi então
que me apercebi que a
vida, que eu vivera na
Terra, era secundária. A
principal, aquela de
onde eu havia sido
originado, era
precisamente aquela para
onde eu voltara agora.
Esse, sim, havia sido o
meu ponto de partida e
não o contrário.
Fiquei pensando em como
durante toda uma vida a
minha percepção havia
sido precisamente o
contrário. O correto é
que eu estava voltando
para minha “casa”, o meu
verdadeiro lar, e não
deixando a minha “casa”
no planeta Terra. Como
essa ideia, com base em
falsas premissas, havia
influenciado
negativamente toda a
minha vida – pressupunha
uma coisa e era outra!
Como vemos a morte
A própria noção de
morte, minha e a dos
meus relacionamentos,
fora olhada por todo o
período de uma vida,
como algo triste,
pesado, motivo de choro,
quando afinal deveria
ser motivo de
contentamento, embora a
saudade física fosse
triste. Sim, quando
alguém que amamos e a
quem queremos bem se
afasta do nosso campo
físico, nosso egoísmo
nos faz pensar apenas
que não a veremos mais,
sentimos falta de um
olhar, de um carinho, de
um toque, um abraço, do
som da voz amada e uma
dor insuportável se
instala nos nossos
corações; e maior quando
esse distanciamento, que
chamamos de “perda”, é a
dor maior de um pai, ou
mãe, que “perde” um
filho, uma filha, contra
a lei que dizemos
natural: primeiro os
pais, depois os filhos,
e, na nossa dor pessoal,
única, esquecemos que a
Doutrina Espírita nos
ensina claramente a
causa de tudo isto. Mas
uma coisa é ler,
aprender, aplicar aos
outros, confortar os
outros com sábias
palavras, outra é quando
bate à nossa porta a
ausência de um ente
querido; não sabemos
lidar com isso, e a
tendência, na maioria
das vezes, é esquecer o
que nos foi ensinado.
Fantasia x Realidade
Refletia em tudo isto e
foi, de repente, que me
apercebi de algumas
coisas que influenciaram
tanto minha vida e a dos
outros com quem me
relacionei: minha
mulher, filhos, pais e
irmãos, amigos, colegas
de trabalho.
Vi, com a clareza de um
insight, como havia
desperdiçado uma vida
inteira, tão breve, tão
curta ela foi, e como me
preocupei com coisas tão
mesquinhas, tão inúteis;
apregoava, declarava
tanta coisa que pensava
ser, mas, bem fundo no
meu íntimo, eu sabia que
tudo não passava de um
simulacro, de interesses
escusos, que minha mente
construía
incessantemente. A minha
imagem era uma, mas eu,
o eu de verdade, era
outro. E foi então que
bateu a minha verdadeira
identidade e tive
vergonha de mim mesmo.
Na Terra, eu gostara
muito de ler e me
lembrei naquele instante
da frase do escritor
português, o grande Eça
de Queiroz: “sobre a
nudez forte da verdade,
o manto diáfano da
fantasia” (A Relíquia -
1887).
Amigo leitor, repare
como esta frase resume
nossas vidas. Uma
fantasia com a qual
cobrimos as duras
verdades do que pensamos
e fazemos em relação a
nós próprios e ao nosso
próximo. Em cada um de
nós existem três pessoas
distintas: aquela que
nós achamos que somos; a
que os outros pensam que
somos; e aquela que Deus
sabe que somos!
E assim passam nossas
vidas numa
inconsequência, num
“laisser passer”,
negligenciando a maior
parte do que nos
comprometemos a fazer
pelo nosso progresso
espiritual, quando
viemos para este
planeta. Os prazeres, a
preguiça, a
inconsequência, o
orgulho, egoísmo,
arrogância, prepotência,
o ego inflado, entre
outros, formam esse
pacote físico, nós como
ser físico!
Não temos noção do que e
de quem somos e qual
nossa missão na nossa
vida atual. Mas, se
comparados com os
bilhões que compõem a
Humanidade, temos a
veleidade de nos
acharmos o ser mais
importante aqui
presente. Parece até
que, com o nosso
distanciamento, a ida
para outra dimensão, a
Terra daria um solavanco
e pararia uns segundos
para se perguntar: como
vou funcionar sem a
presença de fulano ou de
fulana? E agora, o que
vai ser de mim, de nós,
afinal, tudo se movia
por causa dele (a). Que
perda!!! rs... Assim nós
nos julgamos e cremos!
Pobres criaturas
enfatuadas...
Perdão!
E ali estava eu, nestas
reflexões que levam
unicamente ao caminho da
percepção, de se saber
que precisamos de nos
melhorar e que a vida
nos é oferecida para
isso e não a
aproveitamos. E decidi
que, embora longe e, no
entanto, mais próximo do
que nunca (mas isso os
simples mortais não
tinham essa noção,
poucos a têm ainda)
estava na hora de pedir
desculpas, pedir a
compreensão daqueles a
quem ferira, e a quem,
se pudesse voltar à sua
presença física, apenas
abraçaria, estreitaria
ao peito numa saudade
infinda, seguraria bem
forte e diria, rasgando
meu coração:
- Meu filho, me perdoe
quando nem ouvi o
projeto que você, ainda
menino, imberbe, quis
expor, como único, e eu
derrubei o seu sonho,
enfraqueci sua
autoestima, nem o deixei
terminar, desfiei um
rosário de contras para
o que você, tão menino
ainda, vinha
ingenuamente pedir minha
opinião, querendo ser
valorizado por mim, e eu
preferi mostrar toda a
minha experiência de
vida, os meus
conhecimentos e o
humilhei, pior, trocei
de você, ri, esquecendo
que ali estava meu
próprio filho apenas
querendo um elogio do
pai, seu herói! No
fundo, eu apenas estava
querendo controlar você,
mostrar que a autoridade
era eu. Perdão, meu
filho!
- Minha mulher, querida
companheira, a quem
tanto negligenciei me
achando com o direito de
dar a palavra final, fiz
de você uma dona de
casa, despedacei seus
sonhos quando você quis
trabalhar fora,
virilmente dando um não
sonoro e me
vangloriando: eu
sustento essa casa, eu
sou o homem da casa, não
quero minha mulher
trabalhando fora. E o
seu diploma de faculdade
ali ficou inutilmente
numa gaveta. E quantas
vezes eu a traí por
prazer momentâneo, sem a
respeitar como minha
mulher, sem me respeitar
como homem e esquecendo
o que isso poderia
representar para nossos
filhos. Que vergonha,
mulher! E você intuía e,
quando me confrontou, eu
gritei, e a chamei de
louca, de bipolar, de
doente mental, disse que
você precisava de um
psiquiatra, quando era
eu o doente a ser
tratado, porque o homem,
quando diz estas coisas,
é a forma de se
defender, de reverter a
culpa sobre o outro, no
caso você, mulher! E as
mulheres com quem a traí
não valiam porque,
algumas também casadas,
até suas amigas, apenas
procuravam prazer, ou
seja, faziam o mesmo sem
qualquer culpa como se,
ao fazer isso, se
sentissem mais mulheres,
mais fêmeas... Como eu a
humilhei nessas horas!
Perdão, minha mulher!
- E tu, meu amigo,
quantas vezes abriste
teu coração, confiando
em mim como um bom e
leal amigo, e eu apenas
sentia inveja dos teus
sucessos profissionais,
da tua situação
financeira, queria tua
mulher para mim, e
tentei, mas ela
nobremente me rechaçou
com indignação, e mais
te invejei. Quando
precisavas de um abraço
amigo, quando me
contavas algo que havia
te ferido, por dentro eu
rejubilava, mas fazia um
ar compungido... Perdão,
meu Amigo!
- Meus pais, quantos
sacrifícios fizeram para
me criar, pagar meus
estudos, e quantas vezes
deixei de visitá-los,
porque eu os considerava
velhos, decadentes,
chatos, e limitados – em
resumo, tinha vergonha
de apresentá-los a meus
chefes, meus colegas e
amigos. Nem sequer
perguntava aos meus
filhos se queriam
visitar os avós, eu já
tomava a frente e
arrumava desculpas,
achando que estava
fazendo um favor para os
meninos. E, quando eu os
visitava, após longos
períodos de ausência,
era sempre correndo, e
via a dor sufocada nos
olhos de meu pai, a
lágrima furtiva nos
olhos de minha velha
mãe. Quanto meus filhos
poderiam ter aprendido
com os avós! Que maldade
minha! Minha Mãe, meu
Pai, perdão, por favor!
- E às mulheres, aquela
menina ainda tão menina,
pudica na sua
virgindade, a quem
seduzi, não respeitando
seus sonhos, tudo
prometia, tudo fazia num
afã de possuí-la e,
quando meus sentidos
foram satisfeitos,
rapidamente a passei
para o rol de “inúteis”,
das “chatas”, e já
procurava outra para
sentir o prazer da
sedução, jogar o meu
charme num jogo mental
de sedução, mais
perigoso do que a
sedução física... Peço a
vocês que me perdoem!
- E os estranhos que de
mim se acercavam pedindo
um trocado para comer,
apesar de ver a
verdadeira fome
estampada em seus olhos,
eu dizia: “não, cara,
vai trabalhar, eu não
sustento vagabundo”. E o
olhar de fome batia na
minha farta refeição ali
exposta na mesa, na
calçada ensolarada do
restaurante ou barzinho,
e, com um olhar mesclado
de dor e de humilhação,
se afastavam.
Perdoem-me, se lhes for
possível!
Somos tão rápidos em
apontar as falhas nos
outros
E assim, fiquei
lembrando dolorosamente
como fora velhaco na
minha vida, porém tão
rápido em apontar as
falhas nos outros;
quanto mentira para
denegrir a imagem dos
outros, tirando proveito
de alguma informação que
a mim chegara por outras
vias; como quis
controlar e manipular a
vida de todos para meu
prazer pessoal. E como,
publicamente, eu
“ensinava” ao outro
aquilo que devia fazer
de sua vida, como ler O
Evangelho segundo o
Espiritismo uma vez por
semana no mínimo, quando
eu mesmo raras vezes o
fazia; como eu mentia no
Centro para chegar a
funções de “mando”, onde
pudesse exercer – com
importância – a minha
doentia autoridade...
Não tinha pudor nem em
denegrir a imagem de
outros irmãos com
insinuações fabricadas
ali, de momento,
distorcendo a verdade e
até falseando-a, desde
que isso servisse para
me alçar a um cargo de
mando.
E foi, então, que
reconheci que eu passava
uma imagem de executivo
poderoso, homem de
grande fortuna, pai
extremoso, marido
completo, filho
estremado, bom amigo,
ético e moral – um bom
Espírita, cumpridor dos
ensinamentos de Jesus!!!
Mas...
Eu havia sido um
simulacro de ser humano!
Por isso as depressões,
as raivas súbitas,
quando minhas vontades
não eram atendidas, a
taquicardia, a pressão
alta, dores de cabeça e
depois um câncer...
Tivesse eu pensamentos
mais elevados, tivesse
tido um comportamento
mais correto, mais
digno, e tudo teria sido
diferente.
Regressei à Colônia
Espiritual, estava
pronto agora para
aceitar com humildade o
meu tratamento
espiritual e, mais
tarde, iniciar meu
trabalho junto com meus
irmãos que, ao saber de
minhas intenções - agora
verdadeiras e autênticas
- logo me acolheram
amorosamente.
Você, leitor (a), talvez
acredite agora que,
embora eu seja um
Espírito normal como
tantos outros que, neste
momento, estão aí mesmo
do seu lado guiando-o,
orientando-o
amorosamente, quem sabe
se eu também não fiquei
do lado de nossa
irmãzinha articulista,
guiando seus dedos
vertiginosamente sobre o
teclado, porque queria
muito dizer-lhe tudo
isto para que você
também reflita com seus
botões e chegue às suas
próprias conclusões.
A vida é curta – não a
desperdice!
- Não desperdice a sua
vida em momentos fugazes
de mesquinhez. Seja
feliz, viva a vida
intensamente e com
alegria sadia e em paz.
Pratique o bem e o bem
virá em dobro. Agradeça
tudo o que lhe é dado,
até a doença, o
sofrimento, porque são
aprendizados e fazem de
você um ser mais humano,
mais compreensivo. A
sensação de bem agir,
bem fazer, é
inexplicável – nada há
de melhor na vida,
quando você respeita o
próximo e, acima de
tudo, se respeita a si
próprio como ser
sagrado. Agradeça por
lhe ter sido dada a
oportunidade de refletir
sobre sua própria vida e
ter tempo ainda para
mudar o que precisa ser
mudado.