Carta Capital
republicou, em
10 de setembro
de 2015, matéria
do
Deutsche Welle
intitulada "A
foto do
menino
Aylan e
o poder
das
imagens"
(logo
abaixo),
um estudo sobre
o significado da
imagem que
merece ser lido
com atenção. |
Certas imagens,
especialmente
imagens
fotográficas,
marcam, mexem,
ficam. Algumas
se alojam nos
arquivos
cerebrais como
imagens
particulares,
com significados
pessoais; outras
são registradas
na memória
coletiva por seu
significado
sociológico. Mas
todas essas,
indistintamente,
se ligam aos
fatos geradores
e às dimensões
que alcançaram.
Quem viu não
esquece, jamais,
a fotografia do
menino e o
abutre,
registrada pelo
fotógrafo
sul-africano
Kevin Carter,
membro do Clube
do Bangue Bangue,
na guerra do
Sudão. Se a
imagem é,
tecnicamente,
ícone, algumas
são ícones
expressivos,
pelo significado
que guardam e
pelas
significações
que propõem.
Essa foto da
guerra do Sudão
extrapolou o
significado
imediato e
alcançou a
dimensão
paralela de uma
segunda
tragédia. Kevin
Carter se matou,
aos 33 anos de
idade, premido
pelo peso do
fato que
registrou e de
outros tão rudes
quanto os que
vivenciou em sua
curta
existência.
A foto do menino
Aylan difere e
assemelha-se ao
mesmo tempo à do
menino na guerra
do Sudão
(acima). Afora
os contextos, em
si mesmos
diferentes,
Aylan é branco,
o outro é negro
e conhecido por
Kong Nyong. Este
estava se
arrastando em
busca de
alimento no
momento em que o
fotógrafo o
observa com sua
lente, enquanto
que Aylan já
surgiu sem vida
na praia turca.
Se essas
diferenças estão
presentes nas
duas imagens, há
uma semelhança
cruel entre
elas: a
realidade da
violência e o
descaso humano.
Vera Maria
Calazans
Guimarães apresenta um
estudo acadêmico
muito bem
construído em
que a imagem do
menino do Sudão
é analisada sob
diversos vieses,
a partir da
constatação da
sua veracidade.
Apesar do prêmio Pulitzer que a
imagem ganhou em
1994, o seu
aparecimento
gerou tamanha
repercussão à
época de sua
publicação que
muitos duvidaram
pudesse ela
representar o
instante
completo da
realidade
reproduzida.
Ficou no ar a
impressão de
montagem e do
sensacionalismo.
Aylan, contudo,
por estar mais
próximo e ser um
fato recente,
causa maior
espanto e
indignação. Não
são mais apenas
as guerras
fratricidas em
campo aberto;
são também
outras guerras
que se travam
nos bastidores
do poder
mundial, onde o
caráter humano é
posto em
profunda
discussão e as
nações são
chamadas à
consciência da
corresponsabilidade.
É espantoso como
muitas resistem
a dar a sua
contribuição e
outras fogem do
dever de
repartir o seu
espaço público,
bem como seu
apoio material
às levas de
seres humanos
que fogem dos
conflitos ou da
fome em seus
lugares de
origem.
É incrível
perceber que
Aylan não
simboliza tanto
a inocência
quanto a
impotência. Seu
corpo inerte, à
frente do
policial turco,
rápido se
transforma no
símbolo que
agride a
insensibilidade
da razão,
apontando
diretamente para
uma ausência não
mais aceitável
no ser humano:
ausência de
humanidade.
Se até aqui fora
possível elencar
as 10 imagens
mais tristes da
história,
deve-se
contá-las a
partir de agora
por 11. A de
Aylan aí se
coloca
obrigatoriamente.
Isoladas,
nenhuma delas
tem o poder de
contar a
história que
representam, mas
podem, cada uma
por si, produzir
efeitos no
indivíduo que as
observa,
conduzindo-o a
ultrapassar o
momento primário
do
reconhecimento
para alcançar o
instante maior
da compreensão
do fato
histórico e,
assim, formar a
consciência que
só o saber
verdadeiro
proporciona.
A imortalidade
de Aylan e da
criança do Sudão
está presente
exatamente na
constatação da
mortalidade dos
seus corpos,
estes mesmos
corpos que
ficarão
imperecíveis na
memória da
história dos
homens até que
os efeitos do
descaso humano
desapareçam e
substituam a
chaga da
desesperança
pela certeza de
que todos somos
Espíritos
eternos com
direito à
dignidade,
estejamos
presentes no
corpo físico ou
no espiritual.