Divulgar nem
sempre comunica
com eficiência
A palavra
evangelizar, por
exemplo, não
está presente no
dicionário das
obras básicas,
sequer tem
assento em O
Evangelho
segundo o
Espiritismo,
o livro de cunho
moral em que
Kardec estuda os
ensinos de
Jesus. Foi a
divulgação que
consagrou a
palavra
evangelizar no
Espiritismo
brasileiro.
Esta série de
imagens
utilizadas na
evangelização
infantil
espírita oferece
uma boa ideia da
centralidade do
Evangelho nesta
atividade e de
como os
espíritas
entenderam o que
deveria
prevalecer
enquanto
atividade
educadora.
Não muito tempo
atrás, o estudo
do uso do termo
divulgar, como
sinônimo de
comunicar,
causou furor e
descontentamento
nos meios
abradeanos[i].
Sem ilusão, e
indo direto ao
ponto: causou
verdadeira
divisão e teve
consequências
que até hoje se
veem presentes.
Teóricos da
comunicação
defendiam que a
palavra divulgar
não contemplava
o cerne da
comunicação, ou
seja, a
possibilidade de
diálogo como
meio para o
entendimento nas
relações
comunicativas
que os espíritas
pretendiam
estabelecer com
a sociedade. Os
práticos da
comunicação
entendiam, como
ainda entendem,
que a divulgação
basta a si
mesma.
E assim é.
Divulgar está
mais para o
monólogo, como
ação de
convencimento do
outro, de
conquista de
mentes e
corações e, por
que não, do
proselitismo.
Comunicar, pelo
contrário,
implica
dialogar, ouvir,
criar
consciência,
desenvolver pela
reflexão a
capacidade
crítica e
permitir-se
despojar do
sentimento de
propriedade da
verdade.
A divulgação
está para o
flash da câmera
fotográfica
assim como a
imagem está para
a comunicação.
Ou seja, a
imagem implica o
diálogo,
enquanto que o
flash apenas
clareia a
imagem.
Por exemplo. Uma
ação
publicitária,
mais do que
comunicar,
pretende
divulgar. A
mensagem aí se
vale de dois
elementos
completamente
nocivos à
comunicação
dialógica se
empregados como
finalidade, ou
seja, sedução e
a persuasão. Por
isso mesmo, a
possibilidade de
diálogo numa
mensagem
publicitária é
zero, mesmo que
ela se utilize
de argumentos
que
aparentemente
valorizem o
diálogo e lhe
deem foro de
superioridade. A
força da
mensagem
publicitária
está na sua
capacidade de
persuadir e
seduzir para o
consumo, única
verdade que lhe
interessa.
No fundo é o
seguinte: todo
conhecimento só
alcança
verdadeiro
efeito se
construído pelo
diálogo. O
contrário também
é verdadeiro:
nenhum
conhecimento
será
fundamentado
somente pela
divulgação. A
divulgação não
comunica, apenas
informa sobre a
existência do
conhecimento. No
entanto, se a
divulgação se
utiliza do
elemento
persuasivo, como
no modelo
publicitário,
mais do que
informar
pretende
convencer, mas o
convencimento
sem o diálogo é
o caminho para a
crença cega. Daí
o confronto
inevitável com a
razão espírita.
Tomemos o termo
evangelizar para
reflexão.
Trata-se de uma
palavra que não
tem presença na
obra de Allan
Kardec e aparece
em toda ela uma
única vez, na
Revista Espírita
de março de
1861, como
menção ao
trabalho dos
missionários
católicos junto
às tribos
indígenas. No
entanto, o termo
ganhou terreno
no Espiritismo
brasileiro de
tal modo que
está presente na
maioria dos
centros e
federações
espíritas. Onde
está a causa
disso? Na
divulgação
intensa de seu
emprego como
expressão
significativa da
ação espírita
junto à
infância. Neste
caso, a
divulgação
funcionou como a
anticomunicação,
ou seja, houve
um convencimento
altamente
persuasivo de
que evangelizar
é uma ação
imediata,
necessária e
urgente, e para
designar tal
ação emprega-se
o substantivo
evangelização.
Assim, quando se
divulga o
trabalho de
educação
infantil de um
determinado
centro espírita
empregando-se a
expressão
Evangelização
Infantil, ficam
implicadas
várias
significações e
a primeira delas
é que a
evangelização se
assemelha àquela
executada pelos
jesuítas junto
às tribos
indígenas, com a
diferença de que
agora o livro
base é O
Evangelho
segundo o
Espiritismo.
Um segundo
significado é o
de esconder uma
verdade
indiscutível:
O Evangelho
segundo o
Espiritismo
não existe fora
de O Livro
dos Espíritos.
Atribuir a ele,
isoladamente, a
função
educadora, pode
significar,
junto ao
público-alvo,
que o livro
possui uma
espécie de
capacidade
mágica de
resolver o
problema da
educação do ser
humano.
Se, em lugar de
divulgar,
houvesse a
intenção de
comunicar,
provavelmente o
termo
evangelizar
teria sido
substituído por
outro, que
melhor
expressasse esta
ação de educar
as crianças
segundo as
noções espíritas
da vida. E foi
este sentido
que,
intencionalmente,
levou Kardec a
abdicar deste e
de outros termos
para melhor
comunicar a nova
doutrina que
entregou ao
mundo.
De uma coisa se
está certo: a
divulgação não
consegue
ultrapassar os
limites do
simbólico, só a
comunicação tem
esse poder. É o
símbolo que age
persuasivamente,
ferindo e
marcando o
público que
pouco ou nada
sabe sobre
determinado
conhecimento.
Por isso, muita
gente se coloca
no campo da
divulgação de
crenças,
utilizando
interpretações
particulares dos
símbolos que lhe
foram
oferecidos, sem
perceber a
extensão real de
suas ações e
ilusões.
Entre as noções
básicas da
comunicação está
a do emprego de
termos em seu
significado
claro, preciso,
de modo a não
permitir
confusões de
sentido e dar à
mensagem a
objetividade
necessária. O
uso de palavras
devastadas por
muitos sentidos
para designar um
conhecimento
novo implica em
imensas
dificuldades, às
vezes
intransponíveis,
para informar e
comunicar esse
conhecimento. No
meio do caminho
se encontram as
confusões entre
os sentidos
consagrados e os
novos
significados,
que a boa
comunicação
evitaria com
naturalidade.
Não se pode
negar que houve
um intenso
trabalho de
convencimento
dos espíritas
para o emprego
do termo
evangelizar,
convencimento
que estava
atrelado à noção
de que a ação
por si só
justificava o
uso dessa
palavra, mas
que, no fundo,
derivava da
cultura herdada
de velhas
tradições
religiosas.
Junto ao termo
evangelizar se
encontram
outros, com
semelhante
situação, tais
como templo,
céu, inferno,
umbral, alma,
anjos, demônios
etc., a depender
de clareza
conceitual
sempre que
empregados.
Recordando,
quando das
disputas
estabelecidas
pelos teóricos
da comunicação
da Abrade entre
comunicar e
divulgar, restou
no final a
incerteza e um
imenso vazio. Os
teóricos, sempre
muito atrevidos,
ficaram sem
espaço, e os
práticos, na
defesa insana da
divulgação,
ficaram sem a
comunicação. O
traço que existe
entre os dois
lados hoje não é
de união, senão
de separação e
separação atada
a uma cruel
eternidade em
sua duração.
[i]
Refiro-me
aos
membros
da
Associação
Brasileira
de
Divulgadores
do
Espiritismo
(Abrade).