MARCUS VINICIUS
DE AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
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A tolerância zero
Uma briga de trânsito,
um mal-entendido em uma
festa, confusões em
filas, disputas por
vagas de estacionamento,
som alto do vizinho,
lutas por cadeiras em
praças de alimentação.
Eventos simples,
cotidianos, e que por
vezes terminam em ações
de violência, tiros,
agressões, facadas.
Pequenas causas de
grandes escândalos.
Um clima de tensão paira
no ar, no qual uma
simples fagulha atinge o
combustível volátil e “bum!”.
Tudo explode. Em
especial em aglomerações
e em lugares públicos
nos convertemos em um
irreconhecível agressor
a direcionar nossas
forças ao alvo da vez. O
que está nos levando a
tanta selvageria por
questões menores, na
vivência em sociedade?
Nesse sentido, a
expressão “tolerância
zero” adquire um caráter
negativo, de pessoas que
se irritam e explodem
com as mazelas
cotidianas, às quais
todos nós estamos
sujeitos, em um problema
que tem-se agravado, em
especial nos centros
urbanos. Basta ler os
jornais para atestar
essa infeliz assertiva.
Xingamentos, agressões,
preconceito. Pessoas
revelando sua pior face
em ações reais e
virtuais.
O stress do dia a
dia, diriam uns. A falta
de amor no coração,
dirão outros. Arriscam
alguns que se trata de
uma exacerbação do
individualismo, no qual
nosso problema é sempre
o maior. Imediatismo?
Falta de uma visão do
coletivo? Uma cultura de
violência? Penso que
todas essas hipóteses
são consistentes e têm
seu fundo de razão...
Colocaria grandes fichas
no medo, na falta de
confiança nas pessoas,
de pouca fé no futuro,
emergentes em uma
sociedade de profusão da
informação e de
consolidação de novos
modelos a cada dia, com
conflitos e confusão
permanentes. Esse
cenário gera posturas
defensivas, de hipóteses
de contra-ataques aos
dragões imaginários,
colocando no outro a
ameaça que nos ronda,
descambando para o ódio
e a vingança, para a
paranoia e a síndrome de
perseguição, de forma
difusa e sem sentido
definido, com rompantes
desastrosos.
Essa postura defensiva
agrava o stress,
afasta o amor e nos
coloca no centro das
questões, como uma
fortaleza blindada que
precisa se defender dos
perigos dessa vida. A
cada manchete, a cada
desastre, nosso medo
fala mais alto e vemos
esfacelar a imagem
daquele que já foi
chamado à imagem e
semelhança do criador: o
ser humano, espírito
encarnado, substituindo
este pelo inimigo.
O único mal a temer é
aquele que ainda existe
em nós, assevera o
Espírito André Luiz. Não
consintas que o gelo do
desencanto te entorpeça
o coração, nos ensina
Emmanuel. Em tempos de
decepção com o ser
humano, necessitamos
olhar o lado mais belo
dessa maçã. Ver, sem
extremos, que situações
conflituosas são por
vezes mal-entendidos,
ou, ainda, projeções de
outras dores que
arrastamos e não foram
bem tratadas, e que mais
das vezes, se formos
hábeis e pacientes, tudo
terminará bem.
Falta-nos, para romper
essa falta de crença,
olhar cada um como um
irmão. A Terra como uma
escola. O amor e a paz
como uma meta acima de
todas as outras. Falta
entender a reencarnação
no seu sentido profundo,
perceber a mão divina a
guiar nossos caminhos e,
ao mesmo tempo, nos dar
autonomia para
amadurecermos.
Necessitamos ver a Terra
como lar de Espíritos em
evolução, que choram e
sofrem, mas que crescem
com isso.
A vida é boa… Já foi
muito pior. Superamos e
tornamos proscritas a
escravidão, a violência
contra a mulher e outras
formas abjetas de
intolerância. Mas
precisamos não apenas
tolerar o outro. Mas
amá-lo, colocar-nos no
seu lugar, entender que
palavras mágicas como
“desculpe”, “obrigado”
operam milagres e que um
sorriso dissipa o
orgulho e mantém a paz
entre os homens como
meta primordial, acima
de todas as outras. O
outro, por vezes, está
tão apavorado e
defensivo como nós.
Surge assim uma outra
palavrinha mágica, a
indulgência se apresenta
como solução nesse
momento que passamos de
tolerância zero. Um
exercício de mudança de
lugar com o outro, de
busca de uma razoável
compreensão,
destacando-se o seu
valor no Cap. 10 de “O
Evangelho segundo o
Espiritismo”, que nos
orienta: “Sede
indulgentes meus amigos,
porque a indulgência
atrai, acalma, corrige,
enquanto o rigor
desalenta, afasta e
irrita”.
Nessa falta de
compreensão, de enxergar
no outro um irmão com
suas dificuldades, e que
tem o mesmo potencial de
angelitude que nós,
reside o caminho para a
derrocada da paz que se
faz necessária. E
dominados por esse
vórtex de sentimentos
negativos direcionados
para uma pessoa, em uma
situação cotidiana,
acabamos por nos ver
irreconhecíveis,
xingando e agredindo,
mostrando o nosso eu que
ainda precisa ser
trabalhado.
Assim, nos caminhos da
vida cotidiana, naqueles
que corremos o risco de
perder a paz interior,
por situações que são
verdadeiras gotas d’agua
no copo das mazelas que
acumulamos, ou ainda,
quando pelo medo
atacamos para nos
defender, olhemos para
nós, olhemos para o
nosso irmão e vejamos
nele a mesma essência
que nos anima, de lastro
divino, e que merece de
nós uma atuação fraterna
e racional, cedendo,
desculpando, sorrindo e
perdoando.
Afinal, como diz o
adágio, “Nem
todo dia é dia santo”.
Aliás, nós todos não
somos santos, aqui não é
o chamado paraíso e esse
problema que vivemos é
um de muitos que virão.
Mas isso tudo não nos
impede de construir essa
escalada à perfeição nas
pequenas coisas, como os
eventos cotidianos,
aprendendo, nessa
confusão toda, a ser
mais felizes.