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Crônicas e Artigos

Ano 10 - N° 494 - 4 de Dezembro de 2016

MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

 

 
A tolerância zero


Uma briga de trânsito, um mal-entendido em uma festa, confusões em filas, disputas por vagas de estacionamento, som alto do vizinho, lutas por cadeiras em praças de alimentação. Eventos simples, cotidianos, e que por vezes terminam em ações de violência, tiros, agressões, facadas. Pequenas causas de grandes escândalos.

Um clima de tensão paira no ar, no qual uma simples fagulha atinge o combustível volátil e “bum!”. Tudo explode. Em especial em aglomerações e em lugares públicos nos convertemos em um irreconhecível agressor a direcionar nossas forças ao alvo da vez. O que está nos levando a tanta selvageria por questões menores, na vivência em sociedade?

Nesse sentido, a expressão “tolerância zero” adquire um caráter negativo, de pessoas que se irritam e explodem com as mazelas cotidianas, às quais todos nós estamos sujeitos, em um problema que tem-se agravado, em especial nos centros urbanos. Basta ler os jornais para atestar essa infeliz assertiva. Xingamentos, agressões, preconceito. Pessoas revelando sua pior face em ações reais e virtuais.

O stress do dia a dia, diriam uns. A falta de amor no coração, dirão outros. Arriscam alguns que se trata de uma exacerbação do individualismo, no qual nosso problema é sempre o maior. Imediatismo? Falta de uma visão do coletivo? Uma cultura de violência?  Penso que todas essas hipóteses são consistentes e têm seu fundo de razão...

Colocaria grandes fichas no medo, na falta de confiança nas pessoas, de pouca fé no futuro, emergentes em uma sociedade de profusão da informação e de consolidação de novos modelos a cada dia, com conflitos e confusão permanentes. Esse cenário gera posturas defensivas, de hipóteses de contra-ataques aos dragões imaginários, colocando no outro a ameaça que nos ronda, descambando para o ódio e a vingança, para a paranoia e a síndrome de perseguição, de forma difusa e sem sentido definido, com rompantes desastrosos.

Essa postura defensiva agrava o stress, afasta o amor e nos coloca no centro das questões, como uma fortaleza blindada que precisa se defender dos perigos dessa vida. A cada manchete, a cada desastre, nosso medo fala mais alto e vemos esfacelar a imagem daquele que já foi chamado à imagem e semelhança do criador: o ser humano, espírito encarnado, substituindo este pelo inimigo.

O único mal a temer é aquele que ainda existe em nós, assevera o Espírito André Luiz. Não consintas que o gelo do desencanto te entorpeça o coração, nos ensina Emmanuel. Em tempos de decepção com o ser humano, necessitamos olhar o lado mais belo dessa maçã. Ver, sem extremos, que situações conflituosas são por vezes mal-entendidos, ou, ainda, projeções de outras dores que arrastamos e não foram bem tratadas, e que mais das vezes, se formos hábeis e pacientes, tudo terminará bem.

Falta-nos, para romper essa falta de crença, olhar cada um como um irmão. A Terra como uma escola. O amor e a paz como uma meta acima de todas as outras. Falta entender a reencarnação no seu sentido profundo, perceber a mão divina a guiar nossos caminhos e, ao mesmo tempo, nos dar autonomia para amadurecermos. Necessitamos ver a Terra como lar de Espíritos em evolução, que choram e sofrem, mas que crescem com isso.

A vida é boa… Já foi muito pior. Superamos e tornamos proscritas a escravidão, a violência contra a mulher e outras formas abjetas de intolerância. Mas precisamos não apenas tolerar o outro. Mas amá-lo, colocar-nos no seu lugar, entender que palavras mágicas como “desculpe”, “obrigado” operam milagres e que um sorriso dissipa o orgulho e mantém a paz entre os homens como meta primordial, acima de todas as outras. O outro, por vezes, está tão apavorado e defensivo como nós.

Surge assim uma outra palavrinha mágica, a indulgência se apresenta como solução nesse momento que passamos de tolerância zero. Um exercício de mudança de lugar com o outro, de busca de uma razoável compreensão, destacando-se o seu valor no Cap. 10 de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, que nos orienta: “Sede indulgentes meus amigos, porque a indulgência atrai, acalma, corrige, enquanto o rigor desalenta, afasta e irrita”.

Nessa falta de compreensão, de enxergar no outro um irmão com suas dificuldades, e que tem o mesmo potencial de angelitude que nós, reside o caminho para a derrocada da paz que se faz necessária. E dominados por esse vórtex de sentimentos negativos direcionados para uma pessoa, em uma situação cotidiana, acabamos por nos ver irreconhecíveis, xingando e agredindo, mostrando o nosso eu que ainda precisa ser trabalhado.

Assim, nos caminhos da vida cotidiana, naqueles que corremos o risco de perder a paz interior, por situações que são verdadeiras gotas d’agua no copo das mazelas que acumulamos, ou ainda, quando pelo medo atacamos para nos defender, olhemos para nós, olhemos para o nosso irmão e vejamos nele a mesma essência que nos anima, de lastro divino, e que merece de nós uma atuação fraterna e racional, cedendo, desculpando, sorrindo e perdoando.

Afinal, como diz o adágio, “Nem todo dia é dia santo”. Aliás, nós todos não somos santos, aqui não é o chamado paraíso e esse problema que vivemos é um de muitos que virão. Mas isso tudo não nos impede de construir essa escalada à perfeição nas pequenas coisas, como os eventos cotidianos, aprendendo, nessa confusão toda, a ser mais felizes.



 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita