A lição do dinheiro
Maria Dolores
Ele era salteador pela
primeira vez.
O cofre agora aberto
estava à mão.
E, lá dentro, ele viu,
ante a casa vazia,
Um pacote mostrando que
trazia
A soma respeitável de um
milhão.
Dispunha-se a empalmar
toda a quantia...
Quando o dinheiro lhe
falou
Em forma de conselhos e
queixumes:
- Pensa, amigo, na
obrigação que assumes,
Ao levar-me daqui, nas
condições de um louco,
Já que podes buscar-me
em compromisso
Entre a força da fé e a
bênção do serviço.
Retirando-me em paz,
lidando pouco a pouco,
Não quero ser motivo
Para que sejas preso
como eu vivo.
Fui criado por Deus para
fazer o bem,
Não desejo aumentar as
lutas de ninguém.
Quero sair daqui para
ser agasalho
Aos que gemem sem teto e
sem trabalho.
Anseio consolar as mães
que padecem na estrada,
De alma aflita e
cansada,
Ante a dor dos filhinhos
A esmolarem socorro em
remotos caminhos;
Espero ser o apoio do
homem triste
Que de tanto sofrer
necessidade,
Já não sabe se resiste
À tentação da morte que
o invade.
Sonho doar auxílio ao
doente sem nome
A fim de que suporte
O duro sofrimento que o
consome
Livrando-se, por fim,
das lâminas da morte.
Quero sair daqui para
que alguém me aceite
De modo a ser o amigo
sorridente,
Que ofereça uma xícara
de leite
À criança doente.
Quero ser cobertor para
quem sente frio,
Prato que nutra, força
que refaça,
Algo que plante amor no
coração vazio,
Instrumento do bem que
ajuda, serve e passa.
Mas ouve, amigo meu, não
me faças razão
De largar este cofre e
levar-te à prisão.
Trabalha e vem buscar-me
Sem calúnia, sem crime,
sem alarme,
Quero ser luz e ação em
tudo o que progrida
E seiva a circular nas
árvores da vida.
Vê onde a sovinice me
prendeu,
Não te desejo o cárcere
em que moro
Na prova rude que me
aconteceu.
Quero ser livre e forte,
assim como és,
Caminhar com teus pés
Aspiro a ser-te amigo e
companheiro...
Calara-se o Dinheiro
E o pobre salteador
inexperiente,
Recuando, atingiu grande
portão à frente.
Nisso, o dono da casa,
envolto em grande
escolta,
Veio à mansão de volta;
Vendo o lar violentado e
o cofre aberto
Com o dinheiro intocado,
Saudou o salteador que
via perto
E, acreditando nele a
presença de alguém
Que lhe guardara a casa
para o bem,
Agradeceu-lhe o gesto
De homem leal e
honesto...
Sustentando o silêncio e
a tristeza no olhar,
O pobre sem vintém
começou a chorar...
Ali mesmo, porém,
começou vida nova,
Transformado por dentro,
alterou-se-lhe a prova;
Passando a servidor da
mansão que arrombara,
Agia com firmeza, nobre
e rara...
Trabalhou a formar, de
tostão a tostão,
Os bens com que sabia
socorrer
Quem achasse a sofrer...
E quando auxiliava aos
semelhantes
Em provações
alucinantes,
Nos quais dizia ver os
próprios irmãos seus,
Rememorava a fala do
milhão
E clamava, em voz alta,
ao lembrar-lhe a lição:
- Obrigado, meu Deus!...
Do livro Maria
Dolores, obra
mediúnica psicografada
pelo médium Francisco
Cândido Xavier.