O Espiritismo responde

por Astolfo O. de Oliveira Filho

O leitor Luiz L. Marins, em mensagem publicada na seção de Cartas desta mesma edição, escreveu-nos o seguinte:

Gostaria de saber se um epiléptico, após o desencarne, continuaria ou não a ter convulsões. Haveria literaturas sobre isso?

Como é o tratamento espiritual de epiléptico recém-chegado na colônia espiritual?

Já li várias obras espíritas, mas nenhuma tem esta resposta.


Há enfermidades que, como sabemos, se prolongam na vida de além-túmulo, caso suas verdadeiras causas não se encontrem erradicadas. Assim, a resposta mais adequada à questão inicial é: Depende. Há casos em que a cura da epilepsia se encerra durante o processo reencarnatório e há outros em que, mantidas as causas que determinaram o processo, a problemática prossegue na vida de além-túmulo.

Claro que não vamos encontrar explicação específica nas obras fundamentais da doutrina espírita, mas apenas em obras mediúnicas mais recentes, da lavra dos médiuns Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco.

O caso Marcelo, relatado por André Luiz em seu livro No Mundo Maior, pode ajudar o leitor na elucidação das dúvidas apresentadas.

Eis um resumo de sua história, conforme informações prestadas pelo instrutor Calderaro:

1. Marcelo possuía, como quase todos nós, um pretérito intensamente vivido nas paixões e excessos da autoridade. Senhor de vigorosa inteligência, planou em altos níveis intelectuais, de onde nem sempre desceu para confortar ou socorrer. Portador de vários títulos honoríficos, muitas vezes os esqueceu, precipitando-se na vala comum dos caprichos criminosos. Chegada a época da colheita, experimentou sofrimentos atrozes. Inúmeras vítimas o esperavam além do sepulcro, e arremeteram contra ele, retendo-o longo tempo nas regiões inferiores, onde saciaram velhos propósitos de vingança, seviciando-lhe a organização perispiritual.

2. Em plena sombra de consciência, Marcelo rogou, chorou e penitenciou-se por vastos anos. Por mais que suplicasse e por muito que insistissem os elementos intercessórios, a ansiada libertação demorou muitíssimo, porque o remorso é sempre o ponto de sintonia entre o devedor e o credor, e ele trazia a consciência fustigada de remorsos cruéis. Os desequilíbrios perispiríticos flagelaram-no, assim, logo que atravessou o pórtico do túmulo, obstinando-se anos a fio.

3. Reportando-se ao caso Marcelo e, especificamente, à epilepsia, Calderaro explicou que o fenômeno epileptoide raramente ocorre por meras alterações no encéfalo, pois, geralmente, é enfermidade da alma, independente do corpo físico, que apenas registra, nesse caso, as ações reflexas. Céu e inferno, em essência, são estados conscienciais; se alguém agiu contra a Lei, ver-se-á dentro de si mesmo em processo retificador, tanto tempo quanto seja necessário. Assim como há inúmeras enfermidades para as desarmonias do corpo, há outras inúmeras para os desvios da alma.

4. Depois de muitos padecimentos, Marcelo viu clarearem-se seus horizontes internos, tendo afinal logrado entender-se com prestimoso orientador espiritual, a quem se ligara no passado remoto. Ele o socorreu e amparou e contou-lhe que seus familiares mais queridos já se encontravam de novo encarnados, em testemunhos e labores dignificantes. Foi assim que retornou à esfera carnal e reiniciou o aprendizado. Preocupava-se agora, sinceramente, em reajustar as preciosas qualidades morais, caracterizando-se, desde menino, pela bondade e obediência, docilidade e ternura naturais.

5. Passara a infância tranquilo, embora espreitado continuamente por antigos perseguidores invisíveis. Contudo, logo que ultrapassou os catorze anos de idade, Marcelo passou a rememorar os fenômenos vividos, e surgiram as chamadas convulsões epilépticas com certa intensidade. O rapaz, todavia, encontrou imediatamente os antídotos necessários, refugiando-se na "residência dos princípios nobres", ou seja, na região mais alta da personalidade, pelo hábito da oração, pelo entendimento fraterno, pela prática do bem e pela espiritualidade superior. Limitou, assim, a desarmonia neuropsíquica e reduziu a disfunção celular, reconquistando o próprio equilíbrio, dia a dia.

6. Esforçando-se e atendendo às sugestões daqueles que o beneficiavam, Marcelo vinha sendo o médico de si mesmo, única fórmula em que o enfermo pode encontrar a própria cura. Dispensava com isso a terapêutica dos hipnóticos e dos choques, a qual, provocando estados anormais no organismo perispirítico, quase sempre nada consegue senão deslocar os males, sem os combater nas origens.

7. Certo dia, Marcelo recolheu-se ao seu quarto e, em breves minutos, afastou-se do corpo denso e foi ter com Calderaro, a quem saudou com especial carinho. Ele mostrava profunda lucidez e estava feliz. Daí a pouco, porém, dois vultos sombrios cautelosamente se aproximaram do grupo. Pareciam dois transeuntes desencarnados. Marcelo empalideceu, levou a destra ao peito e arregalou os olhos desmesuradamente. Suas ideias pareciam embaralhar-se no cérebro e foi nesse estado que, desprendendo-se, célere, da companhia de Calderaro, correu desabalado, retornando ao corpo físico. O Instrutor explicou que a simples reaproximação de inimigos do passado alterava-lhe as condições mentais. Receoso e aflito, temia o regresso à situação dolorosa em que se viu, há muitos anos, nas esferas inferiores, e buscava, assim, o corpo físico, à maneira de alguém que se escondia em casa, em face de uma tempestade iminente.

8. Depois que André Luiz o abraçou como a um filho querido, a crise amainou. Ficara, porém, a dúvida: por que tal distúrbio, se ali no quarto só estavam Marcelo, André Luiz e Calderaro? André passou, então, a observar o cérebro de Marcelo. A luz habitual dos centros endócrinos empalidecera; somente a epífise emitia raios anormais. No encéfalo o desequilíbrio era completo. Os vários centros motores, inclusive os da memória e da fala, jaziam desorganizados, inânimes. Marcelo-espírito contorcia-se de angústia, justaposto ao Marcelo-forma, encarcerado na inconsciência orgânica, presa de convulsões que confrangiam André. Calderaro aplicou-lhe passes; Marcelo aquietou-se; refez-se a atividade cerebral; as células nervosas retomaram sua tarefa. O rapaz caiu então em profundo sono, pois o Instrutor entendeu conveniente proporcionar-lhe maior repouso.

9. Calderaro fitou André Luiz e perguntou se ele se lembrava dos reflexos condicionados de Pavlov. O caso de Marcelo verificava-se em consonância com os mesmos princípios. No passado, ele errou de muitos modos e o remorso guardou-lhe a consciência, entregando-o aos seus inimigos nos planos inferiores e conduzindo-o à colheita dos espinhos que semeara. Em face desses desvios, perambulou desequilibrado, de alma doente, exposto à dominação das antigas vítimas, desarranjando os centros perispirituais e enfermando-os para muito tempo. Eis a explicação da crise epiléptica.

10. Na verdade, Marcelo tinha registrada no perispírito a lembrança fiel dos atritos experimentados fora do veículo denso. "As zonas motoras de Marcelo, em razão disso – salientou o atencioso orientador –, simbolizando a moradia das forças conscientes, em sua atualidade de trabalho, constituem uma região perispiritual em convalescença, quais as sensíveis cicatrizes do corpo físico. Ao se reaproximar de velhos desafetos, o rapaz, que ainda não consolidou o equilíbrio integral, sujeita-se aos violentos choques psíquicos, com o que as emoções se lhe desvairam, afastando-se da necessária harmonia." A mente desorientada abandona o leme da organização perispirítica e dos elementos fisiológicos, assume condições excêntricas, dispersa as energias, em movimentos desordenados. Essas energias passam, então, a atritar-se e a emitir radiações de baixa frequência, aproximadamente igual à da que lhe incidia do pensamento alucinado de suas vítimas. Daí às convulsões, era um passo.

11. O caso de Marcelo mostrava ser impossível pretender a cura dos alienados mentais e dos chamados loucos à força de processos exclusivamente objetivos. É indispensável penetrar a alma, devassar o cerne da personalidade, melhorar os efeitos socorrendo as causas; por conseguinte, não se restauram corpos doentes sem os recursos do Médico Divino das almas, que é Jesus Cristo. Os fisiologistas farão muito, tentando retificar a disfunção das células; no entanto, é mister intervir nas origens das perturbações. O caso em pauta era tão somente um dos múltiplos aspectos do fenômeno epileptoide, mas esse desequilíbrio perispiritual assinala-se por gradação demasiado complexa. A confirmação da teoria dos reflexos condicionados não se aplica exclusivamente a ele. Há milhões de pessoas irascíveis que, pelo hábito de se encolerizarem facilmente, viciam os centros nervosos fundamentais pelos excessos da mente sem disciplina, convertendo-se em portadores do "pequeno mal", em dementes precoces, em neurastênicos de tipos diversos ou em doentes de franjas epilépticas, que andam por aí, submetidos à hipoglicemia insulínica ou ao metrazol, quando a educação mental, para a correção das próprias atitudes internas no ramerrão da vida, lhes seria tratamento mais eficiente e adequado, pois regenerativo e substancial.

12. Isso não significa que todos os doentes, sem exceção, possam dispensar o concurso dos choques renovadores. O que se deseja salientar é que o homem, pela sua conduta, pode vigorar a própria alma, ou lesá-la. "O caráter altruísta, que aprendeu a sacrificar-se para o bem de todos, estará engrandecendo os celeiros de si mesmo, em plena eternidade; o homicida, esparzindo a morte e a sombra em sua cercania, estabelece o império do sofrimento e da treva no próprio íntimo", acrescentou Calderaro. (Cf. cap. 8 do livro No Mundo Maior, de André Luiz, obra psicografada por Francisco Cândido Xavier, publicada em 1947 pela Federação Espírita Brasileira.)

Outra obra importante que focaliza situações semelhantes que se refletem na vida dos enfermos da alma no além-túmulo é Tormentos da Obsessão, de Manoel Philomeno de Miranda, psicografada por Divaldo Franco e publicada em 2001.

Essa obra apresenta-nos a narração de várias vidas e suas histórias reais. As experiências nela relatadas foram vivenciadas no Hospital Esperança, situado na esfera espiritual, no qual se encontram internados inúmeros irmãos falidos e comprometidos com o próximo, em lamentáveis estados de perturbação, após haverem abandonado os compromissos nobres que substituíram pela alucinação e pelo transtorno moral que se permitiram. Nesse Nosocômio Espiritual encontram-se recolhidos especialmente pacientes que foram espiritistas fracassados, os quais são ali tratados graças à magnanimidade do benfeitor Eurípedes Barsanulfo, que o ergueu.

Aprendemos com as lições contidas nas duas obras mediúnicas que mencionamos que qualquer tipo de enfermidade tem no Espírito a sua origem, em face da conduta mental, emocional e moral que ele se permite, produzindo transtorno vibratório que se refletirá na área correspondente do corpo perispiritual, e mais tarde no físico. “Somente agindo-se no mesmo nível e campo, propondo-se simultaneamente a mudança de atitude psíquica e comportamental do paciente, se pode aguardar resultados satisfatórios na correspondente manifestação da saúde.” (Cf. Tormentos da Obsessão, cap. 2 – O Sanatório Esperança.)

Ainda sobre o tema epilepsia sugerimos ao leitor e demais interessados que leiam, quando for possível, os seguintes textos publicados nesta revista:

a) Estudo do livro No Mundo Maior, de André Luiz, parte 11 - para acessá-lo, clique aqui

b) “Nas fronteiras da epilepsia”, artigo de autoria do Dr. Nubor Orlando Facure – para acessá-lo, clique aqui

c) O Espiritismo responde – para acessar o texto, clique aqui
 


 
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