Em mensagem publicada nesta mesma edição na seção de
Cartas, o leitor Marconi Miranda, de Juiz de Fora (MG),
apresentou-nos o seguinte questionamento:
A Doutrina Espírita nos elucida sobre o que é caridade
através da sigla BIP a qual entendo e concordo
perfeitamente. A minha dúvida, no entanto, é na questão
de ajudar as pessoas, até que ponto a nossa ajuda não
estará interferindo no processo reencarnatório do outro,
como saberemos?
A dúvida levantada pelo leitor foi recorrente nas
décadas de 1960 e 1970, quando surgiram em nosso orbe os
transplantes de coração, que logo, com o sucesso obtido,
se tornaram uma prática usual e muito segura nos
procedimentos médicos.
No meio espírita houve naquela época quem entendesse que
doar um órgão equivaleria a interferir no chamado carma do
receptor. Ora, se o indivíduo deveria padecer de uma
dificuldade qualquer na área cardíaca, ou em outra
região do seu organismo, ceder-lhe um órgão saudável não
constituiria uma intervenção indevida na programação
reencarnatória da pessoa beneficiada?
Depoimentos de confrades respeitados no meio espírita,
como o Dr. Jorge Andréa e o médium Chico Xavier,
liquidaram a questão, porque eles simplesmente
confirmaram o que o autor espiritual Bernardino
escrevera no ano de 1863 e Kardec publicara no cap. V de
sua conhecida obra O Evangelho segundo o Espiritismo.
A Bernardino foi proposta uma questão semelhante à
formulada pelo leitor de Juiz de Fora: - Deve alguém
pôr termo às provas do seu próximo quando o possa, ou
deve, para respeitar os desígnios de Deus, deixar que
sigam seu curso?
Ele assim respondeu:
“Já vos temos dito e repetido muitíssimas vezes que
estais nessa Terra de expiação para concluirdes as
vossas provas e que tudo que vos sucede é consequência
das vossas existências anteriores, são os juros da
dívida que tendes de pagar. Esse pensamento, porém,
provoca em certas pessoas reflexões que devem ser
combatidas, devido aos funestos efeitos que poderiam
determinar.
Pensam alguns que, estando-se na Terra para expiar,
cumpre que as provas sigam seu curso. Outros há, mesmo,
que vão até ao ponto de julgar que, não só nada devem
fazer para as atenuar, mas que, ao contrário, devem
contribuir para que elas sejam mais proveitosas,
tornando-as mais vivas. Grande erro. É certo que as
vossas provas têm de seguir o curso que lhes traçou
Deus; dar-se-á, porém, conheçais esse curso? Sabeis até
onde têm elas de ir e se o vosso Pai misericordioso não
terá dito ao sofrimento de tal ou tal dos vossos irmãos:
‘Não irás mais longe?’ Sabeis se a Providência não vos
escolheu, não como instrumento de suplício para agravar
os sofrimentos do culpado, mas como o bálsamo da
consolação para fazer cicatrizar as chagas que a sua
justiça abrira? Não digais, pois, quando virdes atingido
um dos vossos irmãos: ‘É a justiça de Deus, importa que
siga o seu curso’. Dizei antes: ‘Vejamos que meios o Pai
misericordioso me pôs ao alcance para suavizar o
sofrimento do meu irmão. Vejamos se as minhas
consolações morais, o meu amparo material ou meus
conselhos poderão ajudá-lo a vencer essa prova com mais
energia, paciência e resignação. Vejamos mesmo se Deus
não me pôs nas mãos os meios de fazer que cesse esse
sofrimento; se não me deu a mim, também como prova, como
expiação talvez, deter o mal e substituí-lo pela paz’.
Ajudai-vos, pois, sempre, mutuamente, nas vossas
respectivas provações e nunca vos considereis
instrumentos de tortura. Contra essa ideia deve
revoltar-se todo homem de coração, principalmente todo
espírita, porquanto este, melhor do que qualquer outro,
deve compreender a extensão infinita da bondade de Deus.
Deve o espírita estar compenetrado de que a sua vida
toda tem de ser um ato de amor e de devotamento; que,
faça ele o que fizer para se opor às decisões do Senhor,
estas se cumprirão. Pode, portanto, sem receio, empregar
todos os esforços por atenuar o amargor da expiação,
certo, porém, de que só a Deus cabe detê-la ou
prolongá-la, conforme julgar conveniente. Não haveria
imenso orgulho, da parte do homem, em se considerar no
direito de, por assim dizer, revirar a arma dentro da
ferida? De aumentar a dose do veneno nas vísceras
daquele que está sofrendo, sob o pretexto de que tal é a
sua expiação? Oh! considerai-vos sempre como instrumento
para fá-la cessar. Resumindo: Todos estais na Terra para
expiar; mas, todos, sem exceção, deveis esforçar-vos por
abrandar a expiação dos vossos semelhantes, de acordo
com a lei de amor e caridade. - Bernardino, Espírito
protetor. (Bordéus, l863.)” (O Evangelho segundo o
Espiritismo, cap. V, item 27.)
Esperamos que as explicações acima satisfaçam à
expectativa do nosso prezado leitor.