Em mensagem publicada na seção de Cartas desta mesma
edição, o leitor Warley Baccare Neto pergunta-nos:
Por que durante o sono corpóreo o desprendimento da alma
parece tão fácil e acessível a todas as pessoas,
independentemente de sua crença religiosa, enquanto na
ocorrência da morte corpórea ele parece tão difícil e
necessita, muitas vezes, de ajuda?
Já respondemos, algum tempo atrás, a uma pergunta
semelhante.
A emancipação da alma por ocasião do sono corporal é um
fato corriqueiro, que se verifica todos os dias, mas não
passa de um desprendimento parcial, visto que ela
continua ligada ao corpo físico. O perispírito é que faz
com que essa ligação persista durante todo o tempo em
que a alma, afastando-se do corpo físico, entra em
contato com outros espíritos, encarnados ou
desencarnados. O que ocorre então é apenas uma expansão
do laço perispiritual que une a alma ao corpo,
permitindo a ela deslocar-se a lugares próximos ou
distantes do local em que o corpo físico permanece no
estado de sono.
No caso da morte corpórea, mesmo antes do desligamento
completo da alma – fato que o Espiritismo chama de
desencarnação – pode ocorrer a emancipação parcial
semelhante à do sono, o que explica os fatos de
comunicação espírita por ocasião da morte, estudados por
vários pesquisadores, como Ernesto Bozzano, entre
outros.
O desprendimento completo da alma – tecnicamente chamado
de desencarnação – é que requer algum tempo, visto que
no processo reencarnatório o perispírito se liga ao
corpo molécula a molécula, o que implica dizer que é
preciso tempo para que essa ligação molecular se
desfaça.
Conforme a questão 155 d´O Livro dos Espíritos,
como regra geral, a separação da alma não se dá
instantaneamente. Ela se liberta gradualmente e não como
um pássaro cativo que, de repente, ganhasse a liberdade.
A desencarnação dá-se naturalmente, mas em alguns casos
é importante para o Espírito desencarnante o auxílio dos
benfeitores espirituais, como é mencionado em algumas
obras espíritas de origem mediúnica. É o caso do livro
Obreiros da Vida Eterna, de André Luiz,
psicografia de Chico Xavier, no qual o autor descreve
como se processou a liberação de Dimas. O caso é
relatado no cap. 13 do livro.
Eis resumidamente como o autor descreveu o processo:
Uma vez morto o corpo de Dimas, minutos depois
aproximou-se do filho, ainda ligado ao corpo, uma
venerável senhora – sua mãe – que se sentou no leito,
depondo a cabeça do enfermo no seu colo, enquanto a
afagava com suas mãos. Luciana e Hipólito – auxiliares
do mentor Jerônimo – foram liberados para velar pelo
sono da esposa de Dimas, a fim de que suas emissões
mentais não prejudicassem o esforço dos benfeitores.
André Luiz postou-se vigilante, com as mãos coladas à
fronte do enfermo e Jerônimo procedeu, então, ao serviço
complexo e silencioso de magnetização. Primeiramente,
insensibilizou inteiramente o vago(1),
para facilitar o desligamento nas vísceras. A seguir,
com passes longitudinais, isolou todo o sistema nervoso
simpático, neutralizando, mais tarde, as fibras
inibidoras no cérebro.
Há, segundo Jerônimo, três regiões orgânicas
fundamentais que demandam extremo cuidado nos serviços
de liberação da alma: o centro vegetativo, ligado
ao ventre, como sede das manifestações fisiológicas; o
centro emocional, zona dos sentimentos e desejos,
sediado no tórax, e o centro mental, o mais
importante, situado no cérebro. Dada essa explicação, o
mentor começou a operar sobre o plexo solar, desatando
laços que localizavam forças físicas. André notou então
que certa porção de substância leitosa extravasava do
umbigo, pairando em torno. Esticaram-se os membros
inferiores, com sintomas de resfriamento. Dimas gemeu em
voz alta, semi-inconsciente. Amigos acorreram,
assustados. Sacos de água quente foram-lhe postos nos
pés. Era preciso agir rápido. Com passes concentrados
sobre o tórax, Jerônimo relaxou os elos que mantinham a
coesão celular no centro emotivo, operando sobre
determinado ponto do coração, que passou a funcionar
como bomba mecânica, desreguladamente. Nova cota de
substância desprendeu-se do corpo, do epigástrio à
garganta, mas os músculos trabalhavam fortemente contra
a partida da alma, opondo-se à libertação das forças
motrizes, em esforço desesperado, o que ocasionava
angustiosa aflição ao paciente.
Após ligeiro descanso, Jerônimo voltou a intervir no
cérebro. Era a última etapa do processo. Concentrando
todo o seu potencial de energia na fossa romboidal,
Jerônimo quebrou alguma coisa que André não pôde
perceber com minúcias, e brilhante chama violeta-dourada
desligou-se da região craniana, absorvendo,
instantaneamente, a vasta porção de substância leitosa
já exteriorizada. Era difícil fixá-la com rigor. As
forças eram dotadas de movimento plasticizante. A chama
transformou-se em maravilhosa cabeça, em tudo idêntica à
do nosso amigo em desencarnação, constituindo-se, após
ela, todo o corpo perispiritual de Dimas, membro a
membro, traço a traço. À medida que o novo organismo
ressurgia, a luz violeta-dourada, fulgurante no cérebro,
empalidecia gradualmente, até desaparecer.
Dimas-desencarnado elevou-se alguns palmos acima de
Dimas-cadáver, apenas ligado ao corpo através de leve
cordão prateado, semelhante a sutil elástico, entre o
cérebro de matéria densa, abandonado, e o cérebro de
matéria rarefeita do organismo liberto.
A genitora de Dimas abandonou então, rapidamente, o
corpo grosseiro, e recolheu a nova forma, envolvendo-a
em túnica muito branca, que trazia consigo. Aos olhos
terrenos, Dimas morrera, inteiramente. Mas o cordão
fluídico permaneceria até o dia imediato, considerando
as necessidades do falecido, ainda imperfeitamente
preparado para desenlace mais rápido. Ao saírem, os
benfeitores espirituais deixaram Dimas aos cuidados de
sua mãe. Ele partiria para a Casa Transitória de Fabiano
apenas no dia seguinte, quando seria cortado o fio
derradeiro que o ligava aos despojos. Mas a partida
ocorreria após o enterro dos envoltórios pesados, a que
ele ainda se unia pelos últimos resíduos.
Pela descrição feita por André Luiz é possível notar a
complexidade do processo e como é importante em todo o
momento – nos chamados velórios – a atitude de prece, de
respeito, de paz, o que favorece de modo notável a
liberação da alma de forma definitiva.