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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Aflições coletivas


O Espiritismo tem sido uma doutrina de larga sabedoria, assim como um seguro instrumento de apoio para os indivíduos que lidam com graves desafios existenciais. Seu amplo repertório permite aprofundar a análise dos dramas humanos. Posto isso, Jesus advertiu-nos com muita clareza quanto às dificuldades da vida na Terra, assim como o remédio para enfrentá-las: “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (João, 16: 33).

Estendendo o ensinamento acima, o Espírito Emmanuel, no livro Caminho, Verdade e Vida (psicografia de Francisco Cândido Xavier), vaticinou: “É inegável que em vosso aprendizado terrestre atravessareis dias de inverno ríspido, em que será indispensável recorrer às provisões armazenadas no íntimo, nas colheitas dos dias de equilíbrio e abundância”.

Neste último mês de maio, nós brasileiros tivemos a oportunidade de pôr em prática tais recomendações, já que experimentamos os males da aflição em ampla dosagem. Francamente, não me recordo de ter vivido experiência semelhante nas últimas décadas. Creio que todos nós fomos afetados - em maior ou menor grau - pelas consequências da Greve dos Caminhoneiros, criminosamente estimulada pelo locaute dos empresários do setor. Como o Brasil está espiritualmente doente, num quadro assim de desequilíbrio institucional e de valores morais é difícil identificar, convenhamos, demonstrações cabais de contentamento e felicidade coletiva.

Por essa razão, é igualmente aceitável que trabalhadores pleiteiem melhores condições de vida, remuneração, benefícios etc. Que empresários lutem por concessões ou políticas de governo mais favoráveis aos seus empreendimentos. São coisas absolutamente compreensíveis nas desajustadas sociedades humanas contemporâneas. Mas o que se viu no referido episódio ultrapassou em muito as mais comezinhas regras de bom senso e respeito.

As pessoas passaram a externar as suas posições – geralmente divorciadas dos fatos – como autênticos torcedores de um clássico de futebol. Críticos e analistas de todos os matizes expressaram com veemência as suas opiniões – aliás, nem sempre devidamente embasadas. O presidente da gigante estatal, que estava no cerne dessa crise devido à sua política de reajustes de preços diários dos combustíveis, resolveu contrariar, alguns milímetros, os interesses de Mamon, e anunciou congelamento por determinado período. Mas nada parecia acalmar o ânimo dos envolvidos.

O próprio governo mostrou enorme incapacidade de perceber os sinais de descontentamento da classe, que já havia feito ameaças a priori. Quando concordou, enfim, em atender a pauta de queixas, faltou-lhe suficiente transparência e capacidade de comunicação para dar sustentação ao acordo. Em razão disso, elementos infiltrados – os “intervencionistas” – encontraram o terreno ideal para espalhar mentiras e mais insegurança com as suas exigências descabidas. Em dado momento, os caminhoneiros foram paradoxalmente encurralados. Os que desejavam partir e cuidar das suas vidas foram impedidos por outros indivíduos mais extremistas ainda. Se não tivesse havido intervenção da polícia e do exército, sabe-se Deus quanto tempo isso iria durar...   

Nesse quadro tempestuoso, a razão e a lógica foram, por fim, simplesmente abandonadas. As imagens transmitidas pelas emissoras de TV de cidadãos literalmente digladiando para adentrar em ônibus superlotados, obter um pouco de combustível, conseguir alguns alimentos, sem falar dos animais deixados à míngua por falta de ração, foram estarrecedoras. Mais preocupantes ainda: elas demonstraram o profundo sofrimento da população. Muitos colheram aflições por não terem efetuado cirurgias previamente agendadas, recebido tratamentos de saúde rotineiros ou obtido medicamentos para o alívio das suas dores. O sagrado direito de “ir e vir” foi derrogado devidos as circunstâncias.

Nada parecia sensibilizar os grevistas. Nenhum apelo, nenhum argumento e nem mesmo a pauta de reivindicações cabalmente aceita pelo governo os demovia de encerrar a terrível paralisação. Como sói acontecer em movimentos insanos como esse, a agressão física se fez presente (um motorista desencarnou vítima de absurda violência), motoristas foram surrados por membros de fora do movimento, entre outras escaramuças e selvagerias. Os automóveis de cidadãos foram inexplicavelmente depredados pela turbamulta enlouquecida.

Chamou-me igualmente a atenção a ausência de empenho dos religiosos em ajudar a pôr fim ao caos estabelecido. Na verdade, alguns que conheço estavam ativos na tomada de posição a favor dos grevistas ou disseminando mensagens de cunho beligerante. Assim sendo, fiquei a imaginar o quão radiante deveriam estar os Espíritos ligados às falanges do mal. Afinal de contas, o ambiente seriamente tumultuado favoreceu-lhes a interferência infeliz. Não tenho dúvida de que muitos incautos foram certamente manipulados por eles...

Todavia, como assevera o Espírito Emmanuel, na obra Vinha de Luz (psicografia de Francisco Cândido Xavier), “Cada criatura dá sempre notícia da própria origem espiritual”. O respeitável mentor acrescenta ainda que: “Os atos, palavras e pensamentos constituem informações vivas da zona mental de que procedemos”.

Refletindo sobre esse triste momento da nação lembrei-me de outra lição de Emmanuel, contida no livro Ceifa de Luz (psicografia de Francisco Cândido Xavier), “Valoriza a aflição de hoje, aprendendo com ela a crescer para o bem, que nos burila para a união com Deus, porque o Mestre que te propões a escutar e seguir, ao invés de facilidades no imediatismo da Terra, preferiu, para ensinar-nos a verdadeira ascensão, a humildade da Manjedoura...”

Muitos perderam nesse episódio. O governo foi colocado de joelhos juntamente com a nação estupefata. Perigosas concessões foram feitas aos grevistas em detrimento dos interesses da nação, abrindo espaço à chantagem de outros setores da economia. Os prejuízos causados foram consideráveis e de grande impacto ao país enfraquecido. Mas os causadores dessas aflições haverão de responder, em momento oportuno, perante as sagradas leis divinas. Afinal, ninguém tem o direito de infernizar a vida do outro.

 



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita