Democracia
Democracia: para uns, trata-se de uma palavra mágica, que
poderá significar liberdades ilimitadas, poder dizer e
fazer tudo o que se deseja, criticar tudo e todos,
reivindicar o possível e o impossível, não ter de
assumir responsabilidades pelos atos, enfim, será cada
um concretizar o que muito bem lhe apetecer, sem prestar
contas a ninguém; isto é, um regime em que a vontade
popular se manifesta, sem regras, independentemente das
capacidades de cada um, para assumir cargos políticos e
a partir destes impor a vontade individual e
indisciplinada de um qualquer líder popular. Não é esse
o conceito de Democracia que neste trabalho de
investigação, e reflexão, se pretende defender.
Para outros, porventura menos radicais, a Democracia
será um regime político, assente na vontade popular do
povo que, livremente, escolhe, através de eleições
livres e justas, os seus representantes, para os
diversos órgãos do poder político central, regional e
local, em relação aos quais, não são exigíveis, à
partida, na seleção desses candidatos, requisitos
especiais para o cargo a que concorrem, pelo contrário,
para além das exigências legais, o importante é que a
pessoa, a encabeçar uma determinada lista, seja popular,
bem aceite no seu meio social e comunitário, que garanta
uma forte captação de votos para a força política que
representa. Igualmente, não é este o perfil que, neste
trabalho, mais se apreciará, num candidato a um lugar de
responsabilidade executiva, ou deliberativa, embora se
admita que uma ou outra caraterística seja favorável à
população.
Um conceito moderno de Democracia não se compadece com
populismos, com os “caça-votos”, com uma
militância fanática, subserviente, amorfa e acrítica. A
Democracia, num mundo moderno, complexo, cada vez mais
globalizado, não se compatibiliza com o improviso, com
soluções casuísticas, que não garantem a estabilidade no
futuro, com pessoas que não conseguem defender as
fragilidades do regime, e que permitem que outras
beneficiem e protagonizem, através da manifestação dos
seus egos, situações a que, democraticamente, não teriam
direito, para tentarem obter um estatuto que, por outros
métodos e méritos próprios, muito dificilmente
conseguiriam.
Pretende-se, neste século XXI e, desejavelmente nos
seguintes: uma Democracia moderna, no sentido de
implementar valores que são deste tempo, verdadeiramente
humanos, solidários e tolerantes intercidadãos; uma
Democracia moderada em tudo o que facilite o diálogo, o
debate aberto e franco, sem sofismas nem traições; uma
Democracia que não discrimine ninguém, por causa das
ideias, opiniões, crenças, etnias e valores individuais
de cada cidadão; uma Democracia que respeite a fé, a
religião, a liberdade com responsabilidade humanamente
atribuída e assumida; uma Democracia cujo conceito não
ignore a tradição e civilização ocidentais, obviamente
do ponto de vista de toda uma cultura milenar
ocidentalizada, indiscutivelmente, no respeito pelas
outras culturas; uma Democracia cujo: «(…) conceito
cristão de Democracia parte da ideia do homem como
pessoa, livre e responsável, com destino próprio e
transcendente, mas essencialmente solidário dos outros
homens. Esta solidariedade exprime-se pela natural
integração em grupos sociais, desde a família ao estado,
passando pela escola, empresa, sindicato, Igreja,
comunidades cívicas, etc.». (CARTA PASTORAL DO
EPISCOPADO PORTUGUÊS, 1974 in: Dicionário Político,
1974:83).
A Democracia do século XXI, num mundo de feroz
competição, onde os valores como: a produtividade, a
mobilidade, a flexibilidade (a que se pretende
acrescentar agora a flexisegurança), a
especialização complementada pela polivalência, bem como
o domínio de conhecimentos tecnológicos, constituem
requisitos fundamentais para se vencer
profissionalmente: seja como trabalhador; seja como
empresário; e até como político. Também a Democracia
política postula qualidades pessoais, técnicas,
cognitivas e socioculturais que, por enquanto, não estão
reunidas em todos os cidadãos, potenciais candidatos ao
exercício de cargos políticos.
A busca de uma ideia de Democracia, que seja coerente
com algumas das atuais exigências, pode-se desenvolver,
justamente, a partir da capacidade de diálogo que cada
cidadão seja capaz de incrementar. Segundo uma certa
ótica: «O debate livre, a livre escolha e o
consentimento genuíno requerem, pois, um nível de
educação (que pode não ser uma educação formal) em
compreensão social de modo a que as pessoas possam
entender que estão a ser alvo de persuasão e propaganda
e assim sejam capazes de resistir a essas pressões.» (ARBLASTER,
1988:143). Educação, formação, treino, experiência e
competência, serão os próximos requisitos que a nova e
moderna Democracia vão exigir aos candidatos a funções
executivas e deliberativas, no decurso deste novo
século.
Independentemente das ideologias político-partidárias,
existentes em cada sociedade, e respetivos governantes,
em determinados períodos da sua história, há necessidade
de se definirem regras bem claras, rigorosas e eficazes
para eleitores e eleitos, para governados e governantes,
para candidatos a lugares políticos, principalmente para
aqueles que vão exercer funções executivas, legislativas
e sociais.
A Democracia, por uma das suas definições tradicionais,
também é considerada um regime político frágil: «O
pior dos regimes com a excepção de todos os ouros»,
porque: «Não sendo impositivo, está exposto ao crivo
da análise e da crítica; não visando perpetuar o
exercício do poder, possibilita a instabilidade;
apregoando o pluralismo, torna-se, aparentemente, mais
débil.» (GIRÃO & GRÁCIO, 1996:86).
A Democracia exige que os seus apologistas tenham
condições para a servir e defender com competência.
Nesse sentido não basta a qualidade de “bem-falante”
e saber apregoar, em comícios e intervenções eleitorais,
apenas as teorias que foram memorizadas, ou meia dúzia
de “palavras de ordem” e conceitos ideológicos,
constantes dos estatutos e programas das forças
políticas, para se formar um democrata.
A sociedade, em todos os seus elementos constituintes,
tem responsabilidades na preparação do
cidadão-democrata: este deve assumir-se como um igual
aos seus concidadãos, em tudo o que respeita à sua
condição de pessoa humana; sujeito de valores e de
princípios; respeitador dos direitos e cumpridor dos
deveres.
Com efeito, a Democracia pretende-se: «Como sistema,
pressupõe um envolvimento humano a fim de que cada
indivíduo tenha a todo o instante acesso às necessidades
e desejos dos outros. (…). Uma sociedade democrática
deve conseguir tudo o que cada homem tem para dar. Esta
fé na visão construtiva de uma sociedade coletiva dá o
valor mais integral ao indivíduo, considera o valor
individual como a base da democracia, a afirmação
individual como seu processo e a responsabilidade
individual como sua força motora. Sua tarefa
caracteriza-se pela libertação do espírito criativo do
homem porque a doutrina da verdadeira democracia é que
todo o homem é e deve ser um cidadão criativo …» (CARVALHO,
1979:57).
A Democracia, enquanto sistema que é vivenciado por toda
uma comunidade, tem, antes de atingir o plano coletivo,
um espaço adequado, um mundo específico, que é o próprio
indivíduo humano. A Democracia tem que existir:
primeiramente, em cada pessoa que a pratica no
inter-relacionamento quotidiano; no desempenho dos
diversos papeis ao longo da vida; porém, para que ela
frutifique em cada cidadão, é necessário que as diversas
instituições, que integram a sociedade, dêem o seu
contributo, destacando-se entre aquelas: a família, a
escola, a Igreja, a comunidade de integração do
indivíduo, a comunicação social, o Estado.
As instituições, não sendo a essência da Democracia,
podem congregar-se em torno da escola, para que esta,
recetora e depositária dos valores comunitários, possa
transmitir à criança, ao jovem, ao adulto e ao idoso uma
verdadeira praxis democrática: «A escola, sendo uma
instituição crítica do status quo, não pode ser estática
e formal, devendo dar ensejo ao treinamento para a
democracia no pequeno grupo. (…) Este treino para a
democracia deve ser desenvolvido, como dissemos, em toda
a actividade da vida …» (Ibid.:63).
A escola existe para o indivíduo e este para a
Democracia, enquanto sistema que permite construir: «Uma
sociedade melhor organizada na qual o indivíduo pudesse
viver uma vida mais plena e satisfatória.» (FOLLETT,
M.P., Dynamic Administration, Pág. 14, in: CARVALHO,
1979:62).
Apesar de tudo, acredita-se que a pessoa que nasce num
regime político-cultural, onde os valores da Democracia,
da Liberdade e da Cidadania são o suporte dessa
sociedade, as possibilidades de crescer e viver com mais
autonomia e responsabilidade são bem maiores e a
qualidade de vida, certamente, diferente,
desejavelmente, para melhor, porque aqueles valores são
o fundamento para que toda a pessoa humana se possa
assumir, com dignidade, no seio da sociedade,
interpretando os diversos papeis sociais, a vários
níveis, e, possivelmente, não sofrerá represálias, nem
perseguições e correspondentes punições, pelo facto de
expressar as suas ideias e participar, livre e
democraticamente, na vida cívica da sua comunidade,
aliás, esta característica, de livre expressão da
opinião, já vem da antiguidade helénica
Na verdade: «(…) em Atenas a liberdade de opinião era
inerente à Democracia, porque o processo de autogoverno
pelos cidadãos era necessariamente conduzido por debates
abertos na assembleia e no conselho. Nem existia nada de
parecido com a moderna organização partidária, por meio
da qual as vozes dissidentes pudessem ser disciplinadas
ou silenciadas. A Democracia e o debate aberto eram
inseparáveis.» (ARBLASTER, 1988:39).
Bibliografia:
GIRÃO, José Manuel dos Santos; GRÁCIO,
Rui Alexandre, (1996) Área de Integração, Vol. I,
Ensino Profissional, Nível 3, Porto: Texto Editora,
Ltda.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo é presidente do
Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
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