O discurso que Victor Hugo proferiu no
funeral da jovem Emily Putron
"Nós é que estamos na sombra. Ela está na aurora.”
A frase acima compõe o discurso que o notável poeta e
romancista Victor Hugo, pai do romance francês moderno,
proferiu junto ao túmulo da jovem; a frase se refere à
falecida.
Allan Kardec transcreveu o discurso na Revista
Espírita de fevereiro de 1865. Emily faleceu de
repente em meio às alegrias da família, cuja irmã se
casara dias antes.
A seguir, o texto publicado por Kardec:
Discurso de Victor Hugo junto ao Túmulo de uma Jovem
Embora esta tocante oração fúnebre tenha sido publicada
por diversos jornais, encontra lugar igualmente lugar
nesta Revista, em razão da natureza dos
pensamentos que encerra, cujo alcance todos poderão
compreender. O jornal do qual a tomamos dá conta da
cerimônia fúnebre nos seguintes termos:
"Uma triste cerimônia reunia, quinta-feira última, uma
multidão dolorosamente comovida no cemitério dos
independentes, em Guernesey. Inumavam uma jovem, que a
morte viera surpreender em meio às alegrias da família,
e cuja irmã se casara dias antes. Era uma moçoila feliz,
a quem um dos filhos do grande poeta, Sr. François Hugo,
havia dedicado o décimo-quarto volume de sua tradução de
Shakespeare; ela morreu na véspera do lançamento desse
volume.
"Como acabamos de dizer, a assistência era numerosa a
esses funerais, numerosa e simpática, e foi com uma viva
emoção, com lágrimas que a amizade fazia correr, que ela
escutou as palavras de adeus pronunciadas, sobre essa
tumba tão prematuramente aberta, pelo ilustre exilado de
Guarnesey, pelo próprio Victor Hugo.
Eis o discurso pronunciado pelo poeta:
"Em algumas semanas, estamos ocupados com estas duas
irmãs; casamos uma e sepultamos a outra. Eis o perpétuo
tremor da vida. Inclinemo-nos, meus irmãos, ante o
severo destino.
"Inclinemo-nos com esperança. Nossos olhos não foram
feitos para chorar, mas para ver; nosso coração não foi
feito para sofrer, mas para crer. A fé numa outra
existência nasce da faculdade de amar. Não o esqueçamos:
nesta vida inquieta e apaziguada pelo amor, é o coração
quem crê. O filho conta encontrar a seu pai; a mãe não
consente em perder para sempre o filho. Esta recusa do
nada é a grandeza do homem.
"O coração não pode errar. A carne é um sonho; ela se
dissipa. Se esse desaparecimento fosse o fim do homem,
tiraria à nossa existência toda sanção. Não nos
contentamos com esta fumaça que é a matéria; precisamos
de uma certeza. Quem quer que ame, sabe e sente que
nenhum dos pontos de apoio do homem está na Terra. Amar
é viver além da vida. Sem esta fé, nenhum dom perfeito
do coração seria possível; amar, que é o objetivo do
homem, seria o seu suplício. O paraíso seria o inferno.
Não! digamos bem alto, a criatura amante exige a
criatura imortal. O coração necessita da alma.
"Há um coração neste féretro, e esse coração está vivo.
Neste momento, ele escuta minhas palavras.
"Emily de Putron era o doce orgulho de uma família
respeitável e patriarcal. Seus amigos e parentes tinham
por deleite sua graça e por festa seu sorriso. Ela era
como uma flor de alegria a desabrochar na casa. Desde o
berço era cercada de todas as ternuras; cresceu feliz, e
recebendo felicidade, dava felicidade; amada, amava. Ela
acaba de partir.
"Para onde foi? Para a sombra? Não.
"Nós é que estamos na sombra. Ela está na aurora.
“Ela está na glória, na verdade, na realidade, na
recompensa. Essas jovens mortas, que não fizeram nenhum
mal na vida, são bem-vindas do túmulo, e sua cabeça se
ergue suavemente fora da sepultura, para uma coroa
misteriosa. Emily de Putron foi buscar no céu a
serenidade suprema, complemento das existências
inocentes. Ela se foi: juventude, para a eternidade;
beleza, para o ideal; esperança, para a certeza; amor,
para o infinito; pérola, para o oceano; Espírito, para
Deus.
"Vai, alma!
"O prodígio desta grande partida celeste, que chamam
morte, é que os que partem não se afastam. Estão num
mundo de claridade, mas assistem, como testemunhas
enternecidas, ao nosso mundo de trevas. Estão no alto, e
muito perto. Ó, quem quer que sejais, que vistes
desaparecer na tumba um ente querido, não vos julgueis
abandonados por ele. Está sempre lá. Está ao vosso lado
mais que nunca. A beleza da morte é a presença. Presença
inexprimível das almas amadas, sorrindo aos nossos olhos
em lágrimas. O ser chorado desapareceu, mas não partiu.
Não mais percebemos o seu rosto suave... Os mortos são
os invisíveis, mas não estão ausentes.
"Rendamos justiça à morte. Não sejamos ingratos para com
ela. Ela não é, como se diz, um aniquilamento, uma
cilada. É um erro acreditar que tudo se perde na
obscuridade dessa fossa aberta. Aqui tudo reaparece. O
túmulo é um lugar de restituição. Aqui a alma retoma o
infinito; aqui ela readquire a sua plenitude; aqui ela
entra na posse de sua misteriosa natureza; liberta-se do
corpo, liberta-se da necessidade, liberta-se do fardo,
liberta-se da fatalidade. A morte é a maior das
liberdades. É, também, o maior dos progressos. A morte é
a ascensão de tudo o que viveu em grau supremo. Ascensão
fascinante e sagrada. Cada um recebe seu aumento. Tudo
se transfigura na luz e pela luz. Aquele que na Terra só
foi honesto, torna-se belo; o que foi apenas belo torna
sublime; o que só foi sublime torna-se bom.
"E agora, eu que falo, porque estou aqui? o que é que
trago a esta fossa? com que direito venho dirigir a
palavra à morte? Quem sou eu? Nada. Engano-me, sou
alguma coisa. Sou um proscrito. Exilado pela força
ontem, exilado voluntário hoje. Um proscrito é um
vencido, um caluniado, um perseguido, um ferido do
destino, um deserdado da pátria. Um proscrito é um
inocente sob o peso de uma maldição. Sua bênção deve ser
boa. Eu abençoo este túmulo.
"Abençoo o ser nobre e gracioso que está nesta fossa. No
deserto encontram-se oásis; no exílio encontram-se
almas. Emily de Putron foi uma dessas encantadoras almas
encontradas. Venho pagar-lhe a dívida do exílio
consolado. Eu a abençoo na profundeza da sombra. Em nome
das aflições sobre as quais ela resplandeceu docemente,
em nome das provações do destino, para ela acabadas,
para nós continuadas; em nome de tudo o que ela esperou
outrora e de tudo o que obtém hoje, em nome de tudo o
que ela amou, abençoo esta morte, abençoo-a na sua
grandeza, na sua juventude, na sua ternura, na sua vida
e na sua morte; abençoo-a na sua branca túnica
sepulcral, na sua missão que deixa desolada, no seu
caixão, que sua mãe encheu de flores e que Deus vai
encher de estrelas."
A estas notáveis palavras, não falta absolutamente senão
a palavra Espiritismo. Elas não expressam somente
uma crença vaga na alma e na sua sobrevivência; ainda
menos o frio nada, sucedendo à atividade da vida,
enterrando para sempre, sob seu manto de gelo o
Espírito, a graça, a beleza, as qualidades do coração;
também não é a alma abismada neste oceano do infinito,
que se chama o todo universal; é bem o ser real,
individual, presente em nosso meio, sorrindo aos que
lhes são caros, vendo-os, escutando-os, falando-lhes
pelo pensamento. Que de mais belo, de mais verdadeiro
que estas palavras: "Amar é viver além da vida. Sem esta
fé, nenhum dom perfeito do coração seria possível; amar,
que é o objetivo do homem, seria o seu suplício. O
paraíso seria o inferno. Não! digamos bem alto, a
criatura amante exige a criatura imortal. O coração
necessita da alma."
Que ideia mais justa da morte do que esta: "O prodígio
dessa grande partida celeste que chamam morte, é que os
que partem não se afastam. Estão num mundo de claridade,
mas assistem, como testemunhas enternecidas, ao nosso
mundo de trevas... Estão no alto, e muito perto. Ó, quem
quer que sejais, que vistes desaparecer na tumba um ente
querido, não vos julgueis abandonados por ele. Está
sempre lá. Está ao vosso lado mais que nunca. É um erro
acreditar que tudo se perde na obscuridade desta fossa
aberta. Aqui tudo reaparece. O túmulo é um lugar de
restituição. Aqui a alma retoma o infinito; aqui ela
readquire sua plenitude."
Não é exatamente o que ensina o Espiritismo? Mas aos que
pudessem julgar-se vítimas de uma ilusão, ele vem aliar
à teoria a sanção do fato material, pela comunicação dos
que partiram, com os que ficam. Que há, pois, de tão
desarrazoado em crer que esses mesmos seres, que estão
ao nosso lado com um corpo etéreo, possam entrar em
relação conosco?
Ó vós, cépticos, que rides de nossas crenças, rides,
então, dessas palavras do poeta–filósofo, cuja alta
inteligência reconheceis! Direis que é um alucinado? que
é louco quando crê na manifestação dos Espíritos? É
louco quem escreveu: "Tenhamos compaixão dos punidos.
Ah! que somos nós mesmos? que sou eu, eu que vos falo?
Que sois vós, vós que me escutais? De onde viemos? É bem
certo que nada fizemos antes de nascer? A Terra não
deixa de assemelhar-se a uma masmorra. Quem sabe se o
homem não é um reincidente da justiça divina?
Olhai a vida de perto; ela é feita assim para que se
sinta a punição em toda parte." (Os Miseráveis,
7º vol., livro VII, capítulo 1º). – Não está aí a
preexistência da alma, a reencarnação na Terra; a Terra,
mundo de expiação? (Vide a Imitação do Evangelho,
números 27, 46, 47).
Vós que negais o futuro, que estranha satisfação é a
vossa de vos comprazerdes ao pensamento do aniquilamento
de vosso ser, daqueles a quem amastes! Oh! tendes razão
de temer a morte, porquanto, para vós, é o fim de todas
as vossas esperanças.
Tendo sido lido o discurso acima na Sociedade de Paris,
na sessão de 27 de janeiro de 1865, o Espírito da jovem
Emily de Putron, que, por certo, o escutava e
partilhava da emoção da assistência, manifestou-se
espontaneamente pela senhora Costel, e ditou as
seguintes palavras:
"As palavras do poeta correram como um sopro sonoro
sobre esta assembleia; fizeram estremecer os vossos
Espíritos; evocaram minha alma que ainda flutua incerta
no éter infinito!
"Ó, poeta, revelador da vida, bem conheces a morte, pois
não coroas com cipreste aqueles a quem choras, mas
prendes às suas frontes as frágeis violetas da
esperança! Passei rápida e ligeira, apenas aflorando as
comoventes alegrias da vida; ao final do dia fui
arrebatada sobre o trêmulo raio que morria no seio das
ondas.
"Ó minha mãe, minha irmã, minhas amigas, grande poeta!
não choreis mais, ficai atentos! O murmúrio que roça os
vossos ouvidos é meu; o perfume da flor pendente é o meu
suspiro. Misturo-me à grande vida para melhor penetrar o
vosso amor. Somos eternos; o que não teve começo não
pode acabar, e o teu gênio, ó poeta, semelhante ao rio
que corre para o mar, encherá a eternidade com o poder
que é força e amor!
Emily”