Natal: tempo de solidariedade e gratidão
É possível afirmar-se, sem grande margem de erro, que
durante o ano inteiro, todos os dias recordam uma
qualquer efeméride: seja um acontecimento mundial, de
cariz social, cultural, científico, bélico, histórico,
religioso, hagiográfico; seja, ainda, no âmbito das
diversas profissões, biografias de grandes figuras
mundiais, descobertas tecnológicas, comemorações de
eventos que de alguma forma se tornaram referências
universais.
O Calendário anual dos Dias ecumênicos, mas, também,
nacionais, e dos temas a eles associados, realmente é
muito rico, e extenso, de resto, verifica-se ao longo do
ano que, por vezes, para um só dia, se revivem diversos
acontecimentos e, ainda que, de ano para ano, a lista
venha aumentando, e, em alguns casos, haja alteração da
data para o mesmo evento.
O Natal é um desses dias universais que, praticamente,
em todo o mundo cristão, se celebra com intensa emoção e
profunda devoção, esta no que respeita aos rituais
religiosos, aos quais e, paralelamente, se desenrola a
festa profana, no contexto familiar, num misto de: amor,
saudade, gratidão e alegria, na maior parte dos lares
portugueses.
Há princípios, valores e sentimentos que, nesta época do
ano, se destacam com mais veemência: uns, obviamente,
são verdadeiros, vividos e manifestados com grande
sinceridade e afetuosidade; outros, com intenções
diversas e objetivos bem definidos, não sendo de
escamotear o recurso à hipocrisia, à bajulação e à
obtenção de benefícios que, de outra forma, tais pessoas
não conseguiriam.
A quadra natalina também é propícia à exuberância
financeira, e/ou à ostentação de um qualquer poder:
através da exibição de ofertas luxuosas às pessoas a
quem se quer bem; ou impressionar, ou ainda, cativar
para um apoio, eventualmente, inconfessável. O Natal
serve para tudo isto, e muito mais.
Mas abordemos este período do ano tão sublime quanto
respeitável, para destacar os sentimentos da saudade
para aquelas pessoas, amigas, familiares e de quem
gostamos, para com elas convivermos e recordarmos bons
momentos de convívio, seja no âmbito acadêmico, social,
profissional e de lazer que, ao longo dos anos,
ocorreram.
De igual forma, não se podem ignorar os valores da
Solidariedade, da Humildade e da Gratidão que, nesta
época do ano, para muitas pessoas, se transformam em
autênticos atos de benevolência para com familiares,
amigos e colegas, pelo menos durante alguns dias, o
mundo conflituoso parece ficar afastado dos pensamentos,
e das ações de grande parte da humanidade.
O Natal presta-se muito bem para comportamentos
solidários, verificando-se que muitas pessoas doam a
outras alguns dos seus bens e, uma situação
interessante, é que uma faixa significativa de uma
população mais pobre não olha esforços, nem despesas
para ajudar quem mais precisa, justamente através dos
peditórios promovidos por diversas entidades,
habitualmente, privadas.
Com efeito, tais intervenções, promovidas por grandes
instituições, como Cruz Vermelha, Misericórdias, Banco
Alimentar, diversas Organizações Não Governamentais e
Instituições Particulares de Solidariedade Social, com
todo um corpo de voluntariado, angariam bens de primeira
necessidade para serem entregues às pessoas em
dificuldades.
Este espírito solidário, tão característico do povo
Português, faz-se notar ao longo do ano, no entanto, é
em situações de catástrofe ou em períodos mais
simbólicos, como o Natal, que a dádiva é, praticamente
instintiva, porque este valor de que tanto nos
orgulhamos, ultrapassa fronteiras, como é sabido.
Importa destacar que a solidariedade não é um conceito
vazio, nem tão pouco negociável, porque implica
autenticidade, bondade e humildade.
O Natal que, um pouco por todo o mundo, ainda se
comemora com a dignidade que se impõe, propicia às
famílias, aos amigos e até aos conhecidos mais chegados,
momentos de intensa confraternização, onde a saudade dos
que estiveram ausentes vem, emocionalmente, à “flor
da pele”, para, por entre abraços, beijos e
lágrimas, estas de alegria e felicidade, as pessoas “matarem”
as saudades, tantas vezes quantas necessárias, até que
os corações se acalmem.
Como seria magnífico se em todos os dias do ano se
festejasse o Natal, numa perspectiva de amor, de paz e
de felicidade. Infelizmente, tais como muitos outros
dias festivos, que se celebram ao longo do ano, assim
não acontece, o que, se por um lado não constituiu um
mal maior; por outro lado também permitiu viver este
período da família com mais veemência.
Este período de tempo também poderá ser aproveitado para
uma revisão da percepção, relativamente ao que fizemos
durante os restantes 364 dias, porque em boa verdade, ao
longo dos anos, ou dos anos ou até de décadas, muitos
erros foram cometidos: uns, involuntariamente; outros,
propositadamente, por isso, é chegado o momento de
acertarmos as contas com o “tribunal da nossa
consciência”.
O contexto natalino importa que seja experienciado sem
mágoas, sem aversões e, acima de tudo, que os
sentimentos negativos sejam substituídos por afetos
positivos, no mínimo, que a partir destes, se inicie um
processo de reconciliação para com as pessoas que, ao
longo do ano, ou dos anos, estiveram de costas voltadas
para nós e, provavelmente, também nós não teremos agido
da melhor forma, logo, é necessária a nossa
compreensão, benevolência, generosidade e humildade
para que possamos retomar o que, possivelmente, há
décadas terá sido interrompido, quantas vezes sem se
saber as razões de tais comportamentos.
O Natal é união da família, certamente, mas essa
circunstância constitui, apenas, uma parte da grandeza
que devemos dar ao dia do nascimento de Jesus Cristo,
obviamente, na perspectiva dos devotos católicos, porque
outras manifestações, realizadas por crentes noutras
dimensões religiosas, seguramente que devem ser
respeitadas, sem censuras, nem condenações, até porque
poderá alguém afirmar com total certeza quem é que
neste mundo está certo ou errado, no que respeita a uma
possível vida espiritual para além da morte física?
No âmbito das nossas tradições natalinas: sejam de
natureza religiosa cristã; sejam no âmbito dos festejos
profanos; sejam, ainda, ao nível da solidariedade para
com os mais necessitados, a verdade é que deveremos
colocar de lado todas e quaisquer divergências, que nos
tenham separado no passado e, retomemos agora uma vida
de harmonização, de amor, de paz e de felicidade.
Neste Natal de 2020, e no que a Portugal respeita,
haverá melhores condições materiais para que as pessoas,
as famílias, os trabalhadores, os empresários e todo o
tecido econômico-social possam “respirar” um
pouco de uma carga fiscal brutal que, durante alguns
anos lhes foi imposta, de fora para dentro,
desnecessariamente, conforme se tem vindo a comprovar.
Portugal e os Portugueses, em geral, têm razões para
festejar este Natal com redobrada esperança num futuro
melhor; com perspectivas de um nível de vida superior a
que, legal e legitimamente têm direito; portanto, haverá
motivos que justificam acreditar que o pior terá
passado, que soubemos vencer os obstáculos que nos foram
colocados, razões mais que suficientes para encararmos
este Natal com otimismo, com alento e alegria.
Desperdiçar esta quadra tão importante na vida das
pessoas, das famílias, das organizações pode significar
mais uma oportunidade perdida, no caminho do Bem Comum,
do Amor, da Paz e da Felicidade. Não querer aderir, com
entusiasmo, às seculares e salutares tradições
religiosas e profanas portuguesas, é colocar-se à margem
de uma comunidade civilizada, culta e humanista, como é
a Portuguesa, em particular, e a sociedade Lusófona em
geral.
Independentemente da crítica, já muito banal, que muitas
pessoas fazem, quando afirmam que “Natal deveria ser
todos os dias”, com a qual até se concorda, a
verdade é que, se pelo menos uma vez por ano, houver um
esforço de boa vontade, de afeto sincero e de alegria,
então vale a pena esperar um ano para se vivenciar este
dia, com a dignidade que tanto nos caracteriza.
Aproveito para lhes desejar: Um Santo e Feliz Natal, com
verdade, com lealdade, com reciprocidade, se possível,
com gratidão, seja no seio da família, seja com outras
pessoas, com aquela amizade de um sincero «Amor-de-Amigo»,
com um sentimento de tolerância, de perdão e muito
reconhecimento para com todas as pessoas que, ao longo
da nossa vida, nos têm ajudado, compreendendo-nos e
nunca nos abandonando. É este Natal que eu desejo
festejar com muita alegria, pesem embora as atuais
restrições e condicionalismos, impostos por uma pandemia
cruel e mortífera.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
é presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de
Portugal.
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