Transmutando
tolerância
em
caridade
Vivemos uma era galopante, ciclópica, na qual as
mudanças de paradigmas, de hábitos, de visões, se fazem
mais rápido do que o tempo que a moça ajeitava o balaio,
quando sentia que o balaio ia escorregar. Um tempo que
se faz veloz, mas também interconectado, transparente,
no qual o mundo e seus fenômenos cabem no nosso bolso,
mas exatamente em um smartphone, e lutamos para
processar tudo o que ocorre na esfera terrestre,
oferecido por vários guichês, todos querendo a nossa
atenção.
Esse mundo pequeno e próximo desnuda diferenças,
opiniões, posicionamentos. Os hábitos, antes
aprisionados nas culturas e nas fronteiras, são jogados
em uma arena de questionamentos e de contestação, na
qual a ampliação do exercício coletivo nos convida a
mais tolerância e entendimento do outro. Um convite à
empatia, na regra evangélica do fazer ao próximo o que
se deseja para nós, como um limite universal.
Esse mundo plural e dinâmico nos convida à tolerância,
como regra para superar os conflitos e conviver em
sociedade, na busca de uma possível harmonia. Mas a
tolerância é uma palavra que indica falta de opção,
dever imposto, cabendo a nós avançar em uma outra
dimensão desse convívio, permeado de respeito,
paciência, perdão. Enfim, a caridade para com o próximo,
a despeito de suas características.
Só a caridade no seu sentido sublime, dado pelo Cap. XV
de O Evangelho segundo o Espiritismo, tem o potencial de
anular o preconceito, a xenofobia, o bullying, os
atritos de toda a ordem causados pela diferença agora
mais agudamente percebida. Só a caridade tem o condão de
despolarizar um mundo aprisionado em extremos, que
sufoca o diálogo e faz, de nossos objetivos diários,
alimentar e assistir a “tretas”, e “lacradas” nas redes
sociais, distantes do equilíbrio entre dissensos e
consensos necessários para que as coisas sejam
construídas no mundo concreto. O ódio nada constrói.
Sair dessa armadilha é imperioso. Esse ambiente dinâmico
no qual a realidade global se descortina a cada segundo
nos coloca fragilizados, nos invoca o medo, que nos põe
na defensiva, e daí atacamos, presos a sentimentos
primitivos. O espanto com a realidade gera a banalização
da violência, pela reação em palavras, sem gestos, por
meio de notas de repúdio ou dos famosos “textões” nas
redes sociais. Um mundo novo que nos convida a um
equilíbrio diferente, que se dará com mais do que
tolerar o que não se concorda, mas, sim, pela adoção do
amor que integra e que compreende, respeitando cada um
como filho de Deus que é, em seu grau de percepção e
maturidade, oriundo de sua trajetória como Espírito.
Kardec traz, no mesmo Cap. XV, que a máxima do
Espiritismo é “Fora da caridade não há salvação”, de um
sentido não excludente, pois o amor é possível de ser
alcançado por todos. Uma evolução espiritual calcada na
verdade, ou em uma denominação religiosa, é fonte de
lutas pela hegemonia e consequentemente de conflitos,
como se viu com o próprio Cristianismo, nos tristes
episódios das cruzadas e da inquisição, ou na tragédia
da morte da pensadora Hipátia, na Alexandria em 415
d.C., uma mártir desse desamor que não compreende.
Para transitar nesse mundo complexo e em rápida
ebulição, precisamos mais do que a timidez do tolerar.
Faz-se necessário um sentimento mais nobre, mais
poderoso, que vença essas nuvens de ódio que nascem no
mundo virtual, e que, vez ou outra, se precipitam em
chuvas de linchamentos reais e agressões físicas.
Somente o amor nos permitirá, como civilização
encarnada, construir uma empatia que enxergue em cada um
o Espírito encarnado, na sua luta para evoluir da melhor
maneira possível, precisando sempre de nossa mão amiga.
Um mundo onde todos se deem as mãos.