"Naquela mesa está faltando ele"
O ano era de 1969 e Sérgio Bittencourt, triste
com a morte de seu pai, Jacob do Bandolim,
compõe, num guardanapo de papel, a inesquecível
canção "Naquela mesa", gravada por Elizeth
Cardoso e, mais tarde, imortalizada na voz de
Nelson Gonçalves.
Na minha infância escutei muito "Naquela mesa",
que, ao menos para mim, exalava pura gratidão
aos que se foram e deixaram um bem imperecível:
a saudade.
A saudade, aliás, merece alguns comentários.
Vejo a saudade como uma “metamorfose ambulante”,
conforme cantava o roqueiro Raul Seixas. A
saudade de nossos entes queridos, logo que
partem, é uma saudade bem dolorida. Natural,
acabamos de nos despedir e as lembranças sempre
trazem uma dor mais aguda.
Porém, em geral, o tempo vai passando e a
saudade paulatinamente metamorfoseia-se, pois
aquela saudade dorida perde espaço para uma
saudade mais gostosa, que recorda os bons
momentos com profunda gratidão por tê-los
vivido.
Eis por que defino a saudade como esta
metamorfose ambulante, pois sofre, ao longo do
tempo, as mutações que a deixam mais amena e até
prazerosa.
Recordo-me da desencarnação de minha mãe, julho
de 1999. No início, a saudade batia pesado.
Hoje, depois de alguns anos, é muito bom sentir
aquela saudade do que vivemos.
Para quem tem o conhecimento da imortalidade da
alma, a saudade é uma aliada.
Pois bem, deixemos um pouco a saudade de lado
para falarmos sobre um texto de Kardec publicado
na Revista Espírita, 1868, e com o título de: "A
poltrona dos antepassados".
Diz Kardec que um amigo lhe contou sobre uma
poltrona que havia na casa de um notável poeta e
que nela ninguém se sentava.
É que a poltrona representava os antepassados,
aqueles que deixaram sua história e marcaram a
vida da família.
Mais do que um mero formalismo, a poltrona vazia
trazia dois símbolos: gratidão e saudade.
Embora o que nos una seja o sentimento, e este
não carece de vínculo material, posto que é de
alma para alma, não deixa de ser emocionante
encontrar histórias deste tipo, como as da
canção "Naquela mesa" e o texto "Poltrona dos
antepassados".
Talvez alguém mais rígido não entenda o que seja
a poesia de uma lembrança, que muitas vezes,
melodicamente, pede um símbolo material para
aplaudir aqueles que já deixaram este palco.