A opinião de Herculano
Pires sobre o aspecto religioso e o tríplice aspecto do
Espiritismo
Herculano Pires em sua obra “O Espírito e o Tempo”
afirma no início da terceira parte (“Doutrina Espírita”
p. 130):
“Aqueles, portanto, que não compreendem a natureza
tríplice do Espiritismo, ou tentam reduzi-la apenas a um
dos seus aspectos, praticam uma violência contra a
Doutrina”.
Poucas páginas depois (p. 137), o professor Herculano
Pires reforça a sua posição nesse tópico, através de
menção a outra importante obra. Vejamos:
“...Nenhuma explicação nos parece mais feliz, mais
precisa e mais didática, do que a formulada pelo
Espírito de Emmanuel, no livro O Consolador, recebido
mediunicamente por Francisco Cândido Xavier. Interpelado
a respeito do aspecto tríplice da doutrina, o Espírito
respondeu nestes termos: “Podemos tomar o Espiritismo,
simbolizado desse modo, como um triângulo de forças
espirituais. A ciência e a filosofia vinculam à Terra
essa figura simbólica, porém, a religião é o ângulo
divino, que a liga ao céu. No seu aspecto científico e
filosófico, a doutrina será sempre um campo de
investigações humanas, como outros movimentos coletivos,
de natureza intelectual, que visam ao aperfeiçoamento da
humanidade. No aspecto religioso, todavia, repousa a sua
grandeza divina, por constituir a restauração do
Evangelho de Jesus Cristo, estabelecendo a renovação
definitiva do homem, para a grandeza do seu imenso
futuro espiritual” (grifos meus).
A constatação dessa posição tão marcante de Herculano
Pires, em uma de suas obras mais emblemáticas (“O
Espírito e o Tempo” foi eleito o sétimo melhor livro
espírita do século XX, em pesquisa feita pela Editora
Candeia em 1999, e é considerada por muitos estudiosos
uma das mais importantes obras do professor Herculano),
pode até surpreender alguns confrades. No entanto, uma
análise um pouco mais cuidadosa focada na obra de Allan
Kardec pode ajudar a entender o porquê dessa opinião.
De fato, muitos confrades combatem o aspecto religioso
do Espiritismo, afirmando que o Espiritismo é uma
filosofia científica ou uma ciência filosófica “apenas”
com consequências morais, e não propriamente religiosas.
Para sustentarem essa opinião, entre outras citações,
utilizam o texto de Allan Kardec: “O Espiritismo é uma
filosofia de causas científicas e inevitáveis
consequências morais”.
Entretanto, essa percepção pode ser questionada e mesmo
refutada. As “consequências morais” de que falam Allan
Kardec não são efeitos indiretos, vagos, subjetivos de
melhoria emocional e/ou comportamental apenas...
As consequências morais associadas ao aprendizado e
vivência espíritas consistem em um firme propósito de
transformação moral fortemente sustentado em
um profundo senso de imortalidade da alma e consciência
do porvir (a chamada “fé no futuro”) e uma mentalidade
construída a partir dos princípios mais profundos
chancelados na busca pela fraternidade humana. Portanto,
a moral espírita está intrinsecamente associada a uma
profunda mentalidade religiosa, no que a religiosidade
tem de mais elevado.
Não é porque o Espiritismo apresenta uma religiosidade
não hierárquica, não profissional, não paramentada, não
dogmática, que significa que o Espiritismo não apresente
uma profunda religiosidade naquilo que consiste na
essência do pensamento religioso.
No início do movimento, Kardec enfatiza o aspecto
científico e filosófico da Doutrina Espírita, mas, ainda
assim, inicia “O Livro dos Espíritos” com a pergunta “O
que é Deus?”, e com uma vasta discussão sobre “as causas
primárias”, o que é muito mais inserido em um contexto
filosófico-religioso do que científico-filosófico.
Vale mencionar que os nomes da Falange do Espírito de
Verdade registrados em “Prolegômenos” são, em sua
maioria (sete em dez nomes citados), personalidades mais
associadas à tradição religiosa do que às contribuições
cientifica e/ou filosófica da humanidade.
Os títulos das quatro (4) partes de “O Livro dos
Espíritos” destacam o cerne de discussão
filosófico-religiosa da Doutrina Espírita (muito embora
tendo sido construída via análise de valor científico da
fenomenologia mediúnica (isto é, a análise do fato)):
- Das Causas Primárias
- Do Mundo Espírita ou Espiritual
- Das Leis Morais
- Das Esperanças e Consolações
Sempre é válido reforçar que os excessos biblicistas,
místicos e/ou igrejeiros de nosso movimento constituem
um desvio grave do pensamento espírita original.
Entretanto, isso não será resolvido, cometendo-se um
erro tão grande ou até maior que seria querer alijar do
trabalho espírita sua conotação em termos de
religiosidade, no que essa abordagem tem de mais
elevada.
A tentativa de eliminação, “por decreto”, do aspecto
religioso do Espiritismo poderia fomentar estudos
excessivamente técnicos, mas desprovidos de uma
objetivação maior, que consiste na espiritualização
efetiva do ser humano. Seria o caso de se questionar: O
Espiritismo sem Deus, sem Jesus, sem o Evangelho e sem a
prece estaria em uma situação melhor?
Kardec afirma que o verdadeiro espírita ou o
“espírita-cristão” seria caracterizado pela sua
“transformação moral e pelos esforços que empreende para
domar suas más inclinações”.
Resta questionar por que Kardec precisa enfatizar que
verdadeiro espírita é o “espírita-cristão”?!
Certamente, Kardec não desejava fazer “adeptos
igrejeiros”, mas ainda assim enfatizou esse compromisso
com os ideais evangélicos.
Tanto em “O Evangelho segundo o Espiritismo” como em “A
Gênese”, Kardec associa o advento do Espiritismo com um
processo de evolução de Revelações que passou por Moisés
e Jesus.
Kardec faz questão de enfatizar essa linearidade e
inserir o Espiritismo dentro do contexto do
Cristianismo. E essa atitude não parece ter sido uma
“leitura” exclusiva do Codificador, uma vez que os
Espíritos da Falange do Espírito da Verdade também
enfatizaram sempre que possível essa correlação.
Vale ressaltar que toda a primeira parte da obra “O Céu
e o Inferno ou A Justiça Divina segundo o Espiritismo”
consiste em análise de tópicos profundamente associados
à religião cristã, e mais especificamente ao catolicismo
(vide capítulo em que Kardec discute o “purgatório”).
Muitos alegam que Allan Kardec não utilizou a expressão
“tríplice aspecto”, pelo menos para se referir aos
aspectos científico, filosófico e religioso nessa
espécie de tripé conceitual.
De fato, a expressão foi consolidada no movimento
espírita brasileiro (MEB), o que não quer dizer que
tenha sido uma “criação” brasileira propriamente dita.
Mesmo sem utilizar especificamente a expressão “tríplice
aspecto”, Allan Kardec demonstra essa forte correlação
em toda a obra da Codificação.
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