A fé que
move as
montanhas
que
somos
Sinto que devo começar por dizer que tenho um gosto
muito especial pelas parábolas evangélicas.
Uma das razões é a simplicidade tão sábia com que o
Grande Mestre as apresentou e usou para difundir
verdades profundas. Demonstram a visão própria dAquele
cujos ensinamentos visavam muito mais longe, outros
tempos, outros povos e outras eras em que as Suas
palavras deveriam ser entendidas com maior
discernimento, mas que conhecia as gentes da Sua época,
com as suas peculiaridades, fragilidades e limitações, e
que também desejava por eles ser entendido.
Outra razão é a forte ligação à terra, à natureza, que
tanto admiro e respeito, e de onde, sem sombra de
dúvida, podemos, se estivermos suficientemente atentos,
colher lições sublimes. Jesus sabia disso. Tinha a
sabedoria imensa de pegar nas coisas mais simples e
quotidianas e transformá-las em mensagens de um alcance
tal que, ainda hoje, não temos a capacidade de as
entender em toda a sua plenitude.
Muito esquecidos andamos dessa simplicidade do
Evangelho. Ou, se assim quisermos dizer, da simplicidade
da Natureza, da qual deveríamos colher as maiores
bênçãos. Na ânsia de avançarmos a todo o vapor na senda
da intelectualidade, da ciência, da tecnologia, de
vencermos todo e qualquer obstáculo que nos afaste do
que pensamos ser o objetivo da existência, ou seja, o
prazer. Deixamos de visar ao crescimento espiritual,
moral e ético. Esquecemos tudo o que aqui nos
trouxe: as decisões tomadas na Espiritualidade, os
compromissos, os ensejos de libertação da matéria, do
egoísmo, do orgulho, dos defeitos e imperfeições.
Corremos atrás da felicidade, mas esquecemos que
ela será sempre proporcional a um aperfeiçoamento de nós
mesmos que, lamentavelmente, estamos a descurar.
É a grande montanha que temos de vencer. É uma montanha
dura, agreste, muito difícil de escalar. Foi erguida por
nós próprios, ao longo de séculos, milênios até, de
dolorosos equívocos, em que colocamos todo o nosso
querer em coisas e situações que só nos acarretaram dor
e sofrimento, pelo afastamento das Leis Eternas criadas
pelo Pai para nossa felicidade. Somos nós mesmos essa
montanha a ser vencida. Vale a pena? Certamente. Quando,
enfim, chegarmos ao cume, contemplaremos toda a grandeza
do Bem, da Harmonia, da Paz interior que leva à exterior
abrangente e universal, do Belo, do Equilíbrio… O que
ficou para trás, imperfeições, erros, sensações
egoístas, baixas e mesquinhas, tudo nos parecerá tão
pobre, tão pequeno, tão insignificante, que nos custará
a entender e aceitar que houve tempos em que,
equivocadamente, estivemos agrilhoados a tais interesses
e anseios.
Por enquanto… é, mais do que tudo, necessário dar início
à grande viagem pelo nosso íntimo, com decisão e
frontalidade, buscando em nós tudo o que nos entrava,
sem nos apegarmos aos erros passados, mas fortemente
determinados a superar e vencer. Vencermo-nos. Jesus
falou dessa Fé que move montanhas. Que Fé será essa que
fará de nós vencedores dos obstáculos que colocamos no
próprio caminho? Uma Fé cega? Milagreira? Realmente,
essa parábola do Mestre foi entendida como milagreira,
sim. Mover montanhas… só pelo poder milagroso de Deus.
Não entendemos o que Jesus queria dizer. Não entendemos
que Jesus falava de nós e da nossa ignorância, as
montanhas a vencer. Não entendemos que a Fé teria de ser
a força interior fundamentada na crença inabalável no
Amor de Deus e nos Seus propósitos, a convicção profunda
da necessidade de ajuste às Suas Leis que nos tornaria
fortes, a força de seguir os ensinamentos simples mas
sublimes de Jesus, que nos impulsionariam a transcender
a nossa pequenez e a alcançar a Força de subir
montanhas, ou de lhes dizer “Afastem-se, movam-se!”
e vê-las obedecer-nos.
Não entendemos. Por isso, perdemos muito tempo.
Deixamo-nos ficar pelo sopé, amortecidos, fracos,
aprisionados. As montanhas dos nossos desejos e
interesses, sem conexão com os objetivos para que fomos
criados por Deus, permaneceram por um tempo infindável
entre nós e o Bem. Estacionamos. Atrasamos a Felicidade.
Queríamos, e continuamos a querer, tanto ser felizes,
que apenas confiamos na ciência. Inventamos a genética,
tentando contornar as Leis sábias do Criador para acabar
com os seres que vemos como imperfeitos, selecionando
genes que, achamos nós, criarão artificialmente seres
mais belos, inteligentes, longe da dor e das
dificuldades. Queríamos, e continuamos a querer, tanto
ser imortais, que engendramos mil e uma formas de
aumentar a longevidade, contornar a doença, substituir
órgãos deficitários, pensando enganar a morte. Queríamos
tanto acabar com a dor e o sofrimento, que nos tornamos
impreparados para a enfrentar. Sem capacidade de
aceitação, inventamos a eutanásia e o suicídio,
buscando, já que não vencemos a morte, pelo menos
abreviar o tempo de vida e de dor e, corajosamente
(achamos nós! doloroso equívoco!), enfrentá-la como e
quando bem entendemos. Esquecemos que somos e
sempre fomos Seres Imortais, e que uma coisa de que
nunca fugiremos é de nós mesmos. Vamos aonde formos,
aqui, no Além ou noutra existência física, sempre lá
estaremos à nossa espera. Sempre a nossa consciência nos
seguirá e exigirá a retomada do caminho interrompido,
infelizmente com agravo das dores e sofrimentos de que
intentamos fugir.
Nada temos contra a ciência (a genética, o transplante
de órgão, ou qualquer outra das suas realizações), é bom
que se faça o esclarecimento. Muito pelo contrário. A
inteligência é um dom sublime, um germe que está conosco
desde os primeiros momentos da nossa criação, prontinho
a crescer e nos levar a profundas realizações que farão
de nós cooperadores da Espiritualidade na construção de
um mundo melhor. O conhecimento intelectual vai-nos
sendo dado proporcionalmente ao trabalho de
aprimoramento e é sempre destinado à construção do Bem.
Quem se dedica à investigação, nas diferentes áreas e
campos da Ciência, realiza um sublime tributo e
contributo, mesmo que não o saiba e até se julgue ateu,
ao Trabalho do Pai e é cocriador com Ele. Será sempre
abençoado o seu trabalho, se for no sentido do Bem, com
ética e responsabilidade, destinado à construção de um
mundo melhor para todos, com menos dor. Até porque, à
medida da nossa evolução moral e espiritual, cada vez
teremos menos necessidade de viver em sofrimento e só
ganharemos com um ambiente harmonioso e equilibrado,
menos atribulado pelas necessidades de ordem física, que
será mais propício a outras realizações. O mal nunca
está na ciência, está no mau uso das possibilidades que
ela põe ao nosso alcance. Não podemos esquecer que
qualquer conhecimento só nos é dado à medida da nossa
capacidade de o entender e de o aplicar de forma
correta. Se Deus permite que, num dado momento, a
ciência faça determinadas descobertas, ou a tecnologia
crie e invente algo, é porque nos vê preparados para
avançar e progredir nesse sentido. Se assim não
acontece, se damos rumos errados ao saber que
conquistamos, é de nossa inteira responsabilidade. Temos
o livre-arbítrio, somos livres e responsáveis.
Quando dissemos que apenas confiamos na ciência,
queríamos sublinhar essa mesma ideia “apenas”.
Faltou-nos a compreensão da Mensagem do Cristo;
faltou-nos o propósito no Bem; faltou-nos a compreensão
das verdadeiras realidades da Vida e dos propósitos das
existências terrenas; faltou-nos até (e muito
importante) a consciência do fato de a Vida ser
constituída por existências e não uma única
existência, que nos poderia ter feito direcionar os
interesses (e até o objeto das investigações da ciência,
por que não?) para o crescimento espiritual, em
detrimento da materialidade exagerada a que nos
habituamos e submetemos. Faltou-nos porque, durante
demasiado tempo, descuramos um pormenor imprescindível:
a Ética que deve e tem mesmo de ser o contrapeso da
ciência. Faltou-nos tudo isso e, como consequência
inevitável, a ciência desiludiu-nos. Não por culpa dela,
mas porque descuramos os nossos verdadeiros objetivos.
Mais uma montanha a vencer: criar, dentro de nós mesmos,
um sistema em que a Ética, a Ciência, a Moral, a
Religião sejam as diversas facetas da Vida em
crescimento para a Espiritualidade. Um sistema interior
em que todas essas facetas nos ajudem a vencer a
montanha aparentemente intransponível em que nos
transformamos.
Que não nos falte agora a Fé verdadeira e inabalável e
que saibamos dizer ao Espírito Imortal que somos:
Move-te! Ergue-te! Segue em frente! Foi isso o que Jesus
nos ensinou. É isso que continua a dizer-nos. É isso que
Ele e o Pai esperam de nós.
Bibliografia:
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec.
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec.