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por Gustavo Henrique de Lucena

 

Nascer de novo


Existe um pensamento predominante entre os educadores de que as crianças são como uma tábua rasa ou folha em branco e que a relação com o meio constrói as estruturas de pensamento e do ser da criança. Nos relacionamentos sociais, no que a criança vivencia, está a base de seu caráter. Na revista Nova Escola[1] encontramos o eixo basilar deste pensamento. Ele provém do pensador inglês John Locke. No artigo de Márcio Ferrari, escrito na referida revista, ele descreve: “um aprendizado coerente com sua mais famosa afirmação: a mente humana é tábula rasa, expressão latina análoga à ideia de uma tela em branco.

São possíveis várias linhas de pensamento sobre esta posição filosófica. Contudo, enfocaremos a criança como um ser humano que está em uma jornada de aprendizado através de um novo nascimento. Jesus nos ensina sobre este nascer de novo no encontro com Nicodemos. Respeitosamente, Nicodemos pergunta a Jesus: “...que deverei lançar mão para conhecer o Reino de Deus?” Jesus com seu poder de síntese, nos oferece esta profunda frase como resposta: “Ninguém poderá ver o Reino de Deus se não nascer de novo”.[2]

É uma referência clara à reencarnação, porém, nós temos no íntimo que a reencarnação é real? Ou a reencarnação é uma ideia sem grande importância para os dias atuais? Reflitamos! Quem nos alerta sobre a importância da reencarnação é Jesus. Nascer de novo está como condição para encontrar o reino de Deus.

Podem nos pairar algumas dúvidas: Como existem outras vidas, se não me lembro nada? Não há comprovação sobre isso: se já reencarnamos. Esta pode ser uma resposta racional quando pensamos em vidas sucessivas. Em contraponto a estas dúvidas, existem diversos estudos, livros sobre lembranças de outras vidas, mas mesmo assim as questões podem persistir e a reencarnação não se tornar algo concreto que se possa observar sua veracidade no cotidiano. Assim, no íntimo podem surgir dúvidas sobre outras existências, mesmo para os espíritas, que podem minimizar a importância do processo reencarnatório para evoluirmos.

Será que os espíritas, de certa forma ainda estão como Nicodemos? Um fariseu de bom coração, inteligente, mas ainda sem conseguir compreender a lei do nascer e renascer. Jesus respondeu para Nicodemos assim, ante sua dúvida: “Se vos falei de coisas terrestres e não crestes, como crereis se vos falar das coisas celestiais?[3]

O saber sobre as múltiplas vidas é pôr em prática no íntimo e nas ações exteriores a compreensão da lei reencarnatória. Para tanto, é importante empreender o nosso melhor no ambiente humano que nascemos. O berço é o melhor lugar, ele molda-se às necessidades da evolução do Espírito.

“De conformidade com a regra, porém, nosso berço no mundo é o reflexo de nossas necessidades, cabendo a cada um de nós, quando na reencarnação, honrá-lo com trabalho digno de restauração, melhoria ou engrandecimento, na certeza de que a ele fomos trazidos ou atraídos, segundo os problemas da regeneração ou da mordomia de que carecemos na recomposição de nosso destino, perante o futuro.” (Emmanuel/F. C. Xavier: Pensamento e Vida. Cap. 11, p. 49. 19ª edição, FEB.)

A morada na Terra foi o lugar que escolhemos pela lei da sintonia, seja esta por sentimentos bons, ruins ou até pela nossa feição psicológica. O que temos no interior do ser se exterioriza a todo momento e atraímos aqueles com mesmo padrão vibrátil; é a parte psicológica a influenciar o renascimento. Emmanuel nos explica com propriedade:

“A chamada hereditariedade psicológica é, por isso, de algum modo, a natural aglutinação dos Espíritos que se afinam nas mes­mas atividades e inclinações.

Um grande artista ou um herói preemi­nente podem nascer em esfera estranha aos sentimentos nos quais se avultam. É a ma­nifestação do gênio pacientemente elaborado no bojo dos milênios, impondo os reflexos da sua individualidade em gigantesco trabalho criativo. Todavia, na senda habitual, o templo doméstico reúne aqueles que se retratam uns nos outros.” (Emmanuel/F. C. Xavier: Pensamento e Vida. Cap. 12, p. 52. 19ª edição, FEB.)

A nossa vida, como um todo, está entrelaçada de renascimentos. Não temos ideia de quanto o Espírito aferiu de aprendizado nas oportunidades do nascer novamente. Portanto, não temos tempo a perder, viver bem é harmonizar-se com o criador no trabalho diário de fraternidade e compreensão.

Por outro lado, não seria importante sabermos o passado reencarnatório, para bem encaminharmos o que fazemos no hoje? A título de reflexão, imaginemos que nesse instante, todas as lembranças, sentimentos bons, ruins, ações boas, destrutivas, que cometemos, surgissem na nossa tela mental. Como seria? Aguentaríamos equilibrar tantas informações a embaraçar o discernimento? Acredito que não teríamos maturidade para compreender se toda a estrada que percorremos nos diversos renascimentos brotasse toda de uma vez. Não conseguiríamos equilíbrio com o turbilhão de ideias, remorsos, perdas, acertos, ganâncias, encontros, desencontros a pulularem na mente. Não lembrar concretamente certos fatos também é imperioso para não trazermos o erro do passado para interferir no presente. Prejudicaria o propósito reencarnatório de harmonização.

O esquecimento é uma forma de permanecermos mais centrados, em harmonia interior com os propósitos de reajuste. Deus é sábio. Portanto, não somos uma tábua em branco, uma folha de papel para se escrever. O ser humano é muito mais complexo, temos uma verdadeira biblioteca no interior da mente. Muitas vidas e muitos aprendizados.

Por outro olhar, o renascer não acontece somente em uma nova vida. Quantos momentos passamos em que a estrada muda, se transforma em grandes desafios existenciais. Um trauma, uma dor profunda, afastamentos, encontros, reencontros, muitas vezes significam mudanças tão impactantes que poderemos dizer, metaforicamente, que foi um nascer de novo. Quem poderá dizer que não foi um renascer para Saulo encontrar Jesus no caminho de Damasco? Ele caiu vergado, cego, pela força poderosa do amor de Jesus. A proposta de renovação do mestre do amor ainda nos ofusca? Para Saulo, Jesus ofereceu a compreensão de Ananias que, com afeto, retirou a crosta dos seus olhos, fazendo-o ver novamente. Quem sabe, para nós, Jesus tenha ofertado o Espiritismo a nos banhar os olhos, para nos fazer enxergar as potencialidades de transformação que possuímos?


Nota da Redação:

O texto acima foi contemplado no concurso A Doutrina Explica – 2020-2021, promovido pelo Jornal Brasília Espírita (www.atualpa.org.br), com o objetivo de sensibilizar para a leitura, o uso da biblioteca espírita e levar a conhecer alguma metodologia de pesquisa para apoiar o estudo doutrinário, além de incentivar os participantes para o potencial de racionalização e explicação da realidade social e espiritual pela Doutrina Espírita.

 


[1] Revista Nova Escola - 01 de Outubro de 2008 – ou pelo site:

[2] Humberto de Campos/Fco. C. Xavier: Boa Nova. Cap. 14, p. 115. 3ª edição, FEB.

[3] Novo Testamento - S. João, 3:12

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita