Nascer de novo
Existe um pensamento predominante entre os educadores de
que as crianças são como uma tábua rasa ou folha em
branco e que a relação com o meio constrói as estruturas
de pensamento e do ser da criança. Nos relacionamentos
sociais, no que a criança vivencia, está a base de seu
caráter. Na revista Nova Escola encontramos
o eixo basilar deste pensamento. Ele provém do pensador
inglês John Locke. No artigo de Márcio Ferrari, escrito
na referida revista, ele descreve: “um aprendizado
coerente com sua mais famosa afirmação: a mente humana é
tábula rasa, expressão latina análoga à ideia de uma
tela em branco”.
São possíveis várias linhas de pensamento sobre esta
posição filosófica. Contudo, enfocaremos a criança como
um ser humano que está em uma jornada de aprendizado
através de um novo nascimento. Jesus nos ensina sobre
este nascer de novo no encontro com Nicodemos.
Respeitosamente, Nicodemos pergunta a Jesus: “...que
deverei lançar mão para conhecer o Reino de Deus?” Jesus
com seu poder de síntese, nos oferece esta profunda
frase como resposta: “Ninguém poderá ver o Reino de Deus
se não nascer de novo”.
É uma referência clara à reencarnação, porém, nós temos
no íntimo que a reencarnação é real? Ou a reencarnação é
uma ideia sem grande importância para os dias atuais?
Reflitamos! Quem nos alerta sobre a importância da
reencarnação é Jesus. Nascer de novo está como condição
para encontrar o reino de Deus.
Podem nos pairar algumas dúvidas: Como existem outras
vidas, se não me lembro nada? Não há comprovação sobre
isso: se já reencarnamos. Esta pode ser uma resposta
racional quando pensamos em vidas sucessivas. Em
contraponto a estas dúvidas, existem diversos estudos,
livros sobre lembranças de outras vidas, mas mesmo assim
as questões podem persistir e a reencarnação não se
tornar algo concreto que se possa observar sua
veracidade no cotidiano. Assim, no íntimo podem surgir
dúvidas sobre outras existências, mesmo para os
espíritas, que podem minimizar a importância do processo
reencarnatório para evoluirmos.
Será que os espíritas, de certa forma ainda estão como
Nicodemos? Um fariseu de bom coração, inteligente, mas
ainda sem conseguir compreender a lei do nascer e
renascer. Jesus respondeu para Nicodemos assim, ante sua
dúvida: “Se vos falei de coisas terrestres e não
crestes, como crereis se vos falar das coisas
celestiais?”[3]
O saber sobre as múltiplas vidas é pôr em prática no
íntimo e nas ações exteriores a compreensão da lei
reencarnatória. Para tanto, é importante empreender o
nosso melhor no ambiente humano que nascemos. O berço é
o melhor lugar, ele molda-se às necessidades da evolução
do Espírito.
“De conformidade com a regra, porém, nosso berço no
mundo é o reflexo de nossas necessidades, cabendo a cada
um de nós, quando na reencarnação, honrá-lo com trabalho
digno de restauração, melhoria ou engrandecimento, na
certeza de que a ele fomos trazidos ou atraídos, segundo
os problemas da regeneração ou da mordomia de que
carecemos na recomposição de nosso destino, perante o
futuro.” (Emmanuel/F. C. Xavier: Pensamento e Vida.
Cap. 11, p. 49. 19ª edição, FEB.)
A morada na Terra foi o lugar que escolhemos pela lei da
sintonia, seja esta por sentimentos bons, ruins ou até
pela nossa feição psicológica. O que temos no interior
do ser se exterioriza a todo momento e atraímos aqueles
com mesmo padrão vibrátil; é a parte psicológica a
influenciar o renascimento. Emmanuel nos explica com
propriedade:
“A chamada hereditariedade psicológica é, por isso, de
algum modo, a natural aglutinação dos Espíritos que se
afinam nas mesmas atividades e inclinações.
Um grande artista ou um herói preeminente podem nascer
em esfera estranha aos sentimentos nos quais se avultam.
É a manifestação do gênio pacientemente elaborado no
bojo dos milênios, impondo os reflexos da sua
individualidade em gigantesco trabalho criativo.
Todavia, na senda habitual, o templo doméstico reúne
aqueles que se retratam uns nos outros.” (Emmanuel/F. C.
Xavier: Pensamento e Vida. Cap. 12, p. 52. 19ª
edição, FEB.)
A nossa vida, como um todo, está entrelaçada de
renascimentos. Não temos ideia de quanto o Espírito
aferiu de aprendizado nas oportunidades do nascer
novamente. Portanto, não temos tempo a perder, viver bem
é harmonizar-se com o criador no trabalho diário de
fraternidade e compreensão.
Por outro lado, não seria importante sabermos o passado
reencarnatório, para bem encaminharmos o que fazemos no
hoje? A título de reflexão, imaginemos que nesse
instante, todas as lembranças, sentimentos bons, ruins,
ações boas, destrutivas, que cometemos, surgissem na
nossa tela mental. Como seria? Aguentaríamos equilibrar
tantas informações a embaraçar o discernimento? Acredito
que não teríamos maturidade para compreender se toda a
estrada que percorremos nos diversos renascimentos
brotasse toda de uma vez. Não conseguiríamos equilíbrio
com o turbilhão de ideias, remorsos, perdas, acertos,
ganâncias, encontros, desencontros a pulularem na mente.
Não lembrar concretamente certos fatos também é
imperioso para não trazermos o erro do passado para
interferir no presente. Prejudicaria o propósito
reencarnatório de harmonização.
O esquecimento é uma forma de permanecermos mais
centrados, em harmonia interior com os propósitos de
reajuste. Deus é sábio. Portanto, não somos uma tábua em
branco, uma folha de papel para se escrever. O ser
humano é muito mais complexo, temos uma verdadeira
biblioteca no interior da mente. Muitas vidas e muitos
aprendizados.
Por outro olhar, o renascer não acontece somente em uma
nova vida. Quantos momentos passamos em que a estrada
muda, se transforma em grandes desafios existenciais. Um
trauma, uma dor profunda, afastamentos, encontros,
reencontros, muitas vezes significam mudanças tão
impactantes que poderemos dizer, metaforicamente, que
foi um nascer de novo. Quem poderá dizer que não foi um
renascer para Saulo encontrar Jesus no caminho de
Damasco? Ele caiu vergado, cego, pela força poderosa do
amor de Jesus. A proposta de renovação do mestre do amor
ainda nos ofusca? Para Saulo, Jesus ofereceu a
compreensão de Ananias que, com afeto, retirou a crosta
dos seus olhos, fazendo-o ver novamente. Quem sabe, para
nós, Jesus tenha ofertado o Espiritismo a nos banhar os
olhos, para nos fazer enxergar as potencialidades de
transformação que possuímos?
Nota da Redação:
O texto acima foi contemplado no
concurso A Doutrina Explica – 2020-2021,
promovido pelo Jornal Brasília Espírita
(www.atualpa.org.br), com o objetivo de sensibilizar
para a leitura, o uso da biblioteca espírita e levar a
conhecer alguma metodologia de pesquisa para apoiar o
estudo doutrinário, além de incentivar os participantes
para o potencial de racionalização e explicação da
realidade social e espiritual pela Doutrina Espírita.
Humberto
de Campos/Fco. C. Xavier: Boa Nova. Cap.
14, p. 115. 3ª edição, FEB.
Novo
Testamento - S.
João, 3:12
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