Tios
muito amados
“Novo mandamento vos
dou: que vos ameis uns
aos outros; assim como
eu vos amei, que também
vos ameis uns aos
outros. Nisto conhecerão
todos que sois meus
discípulos, se tiverdes
amor uns aos outros.” Jesus
(Jo., 13:34/35)
Sempre me vêm à
lembrança a palavra e a
entonação de pura
ternura da voz daquele
tio, ao me reconhecer,
ao telefone:
– Amigo!!!
Essa voz – a alegria e a
sinceridade que sempre
expressava – jamais se
apagará de minha
memória!
Ele e a esposa, hoje na
Pátria espiritual, são
tios amigos e muito
queridos.
Os poucos fatos que
conheci de sua vida a
dois – residiam em
Santos, muito distante
de Goiânia –,
oferecem-nos bons
exemplos da boa
convivência de ambos,
pela serenidade de suas
condutas.
Ela goiana, ele baiano.
Pelo hábito de os
baianos saírem pelas
estradas, eles
‘casualmente’ se
encontraram e se
entenderam. Ele já era
pai de um filho, o que
não foi obstáculo para
ela aceitá-lo.
Ele foi hábil artesão:
trabalhava a madeira,
esculpindo belas
figuras. Ao
aposentar-se, dedicou-se
ainda mais a essa bela
arte. Recebi dele
algumas garças, com a
finalidade de vender e
aplicar os recursos em
obras sociais.
Ambos eram muito afáveis
e isto, associado ao
baianismo dele, pleno de
paciência e discrição,
resultou em diálogos
saborosos, dentre os
quais ouso registrar
alguns, não só pelo
encanto que revelavam na
boa convivência, mas
pelos exemplos de
paciência e tolerância,
que lhes preservou o
casamento com alegria e
bom humor.
Quando ele reclamava ao
sentir um pouco mais de
sal naquele bife
habitual – naqueles
tempos era comum esse
costume, pelos preços
acessíveis da carne
sempre de vaca, já que
os açougues não oferecem
carne de boi –, ela
ponderava:
– Ô João! Eu pus tão
pouco sal...
E o assunto se encerrava
aí, nesse breve e sereno
diálogo.
O mesmo ocorria, quando
ele sentia que o café
estava doce em excesso:
– Ô João! Mas eu pus tão
pouco açúcar!
E a vida seguia suave em
seu lar; ele dedicado ao
trabalho nas docas de
Santos, como soldador, e
ela nas lides caseiras,
a cuidar da casa e dos
rebentos.
***
Numa ocasião, em que ela
tentava, por todos os
meios, impedir a briga
entre dois de seus
filhos, ao perceber que
não obteria sucesso,
mesmo após ameaças e
alteração da voz,
recorreu ao marido, para
solucionar o impasse que
a aborrecia.
Encontrava-se ele a meio
caminho entre ela e os
filhos, sentado
confortavelmente em
cadeira de balanço, a
ler seu jornal, quando
ela o chamou. Com a
paciência de seu
temperamento
soteropolitano –
ilustrado à saciedade
por Dorival Caymmi –
respondeu:
– O que foi, ‘Verja’? –
como se não estivesse a
ouvir a algazarra dos
filhos e o diálogo que
ela mantinha com eles.
– A briga dos meninos,
João! Dá um jeito!
Ele, serenamente, sem
levantar-se, interrompeu
a leitura e dirigiu-se
ao mais velho dos dois:
– Fulano! Abre o olho,
meu filho! Abre o olho!
Prontamente encerrou-se
a disputa entre os dois,
revelando para nós o que
pode a força moral de um
pai que não usa
violência em hipótese
alguma, mas dialoga e
conquista o amor e o
respeito dos filhos!
Com esse saboroso
tempero, mantinham a
harmonia e a paz.
São belas lições que me
ficam – a mim, que lhe
invejo a serenidade e a
postura equilibrada em
toda sua longa vida!
***
A vida nos é concedida
para evoluirmos e
conquistarmos a
felicidade plena. Só
obteremos esses
resultados cuidando de
nos melhorarmos, amando
e servindo ao
semelhante, como nos
exemplificou Jesus.
Será que para conquistar
esse temperamento terei
que renascer na Bahia?
Ou bastar-me-á cuidar,
atentamente, da própria
reforma íntima –
corrigindo defeitos e
conquistando virtudes –,
onde quer que me
encontre?
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