Em agosto de 1865, mais um livro de Kardec apareceu: O
Céu e o Inferno, ou A Justiça Divina segundo o
Espiritismo
A primeira notícia sobre a obra saiu na Revista
Espírita de julho de 1865, nos seguintes termos:
“No prelo, para aparecer em 1º de agosto: O CÉU E O
INFERNO, ou Justiça divina segundo o Espiritismo, por
Allan Kardec. 1 grande vol. in-12. Preço: 3 fr. 50 c.;
pelo correio, 4fr.”
Na edição de agosto da Revista Espírita nada foi
dito a respeito do lançamento, o que afinal apareceu na
edição de setembro, na seção de “Notícias
bibliográficas”, a saber:
NOTÍCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(À venda)
O CÉU E O INFERNO, OU A JUSTIÇA DIVINA SEGUNDO O
ESPIRITISMO. Contendo: o exame comparado das doutrinas
sobre a passagem da vida corpórea à vida espiritual, as
penas e as recompensas futuras, os anjos e os demônios,
as penas eternas, etc.; seguido de numerosos exemplos
sobre a situação real da alma durante e após a morte.
Por ALLAN KARDEC.
Em seguida à nota acima reproduzida, Kardec escreveu:
“Como não nos pertence fazer nenhum elogio, nem a
crítica desta obra, limitar-nos-emos a dela dar o
objetivo, pela reprodução de um extrato do prefácio.”
O prefácio citado por Kardec é o que constou da primeira
edição da obra, mas não apareceu na 4ª edição, que é a
que, de ordinário, tem servido de base às traduções
publicadas no Brasil.
Conforme consta da Revista Espírita de setembro
de 1865, eis a parte do prefácio transcrita pelo
codificador:
O título desta obra indica claramente seu objeto.
Reunimos aqui todos os elementos capazes de esclarecer o
homem sobre seu destino. Como em nossos outros escritos
sobre a doutrina espírita, não pusemos aqui nada que
seja produto de um sistema preconcebido ou de uma outra
concepção pessoal que não teria nenhuma autoridade: tudo
aqui é deduzido da observação e da concordância dos
fatos.
O Livro dos Espíritos contém
as bases fundamentais do Espiritismo; é a pedra angular
do edifício; todos os princípios da doutrina estão ali
colocados, até aqueles que devem servir-lhe de
coroamento; mas era preciso dar seus desenvolvimentos,
deduzir dali todas as consequências e todas as
aplicações, à medida que elas se desenrolavam pelo
ensinamento complementar dos Espíritos, e por novas
observações; é o que fizemos no Livro dos Médiuns e
no Evangelho segundo o Espiritismo de pontos de
vista especiais; é o que fazemos nesta obra, de um outro
ponto de vista, e é o que faremos sucessivamente
naquelas que nos restam por publicar, e que virão a seu
tempo.
As ideias novas não frutificam a não ser quando a terra
está preparada para recebê-las; ora, por esta terra
preparada, não se deve entender algumas inteligências
precoces que só dariam frutos isolados, mas um certo
conjunto na predisposição geral, a fim de que, não só
ela dê frutos mais abundantes, mas que a ideia,
encontrando pontos de apoio mais numerosos, suscite
menos oposição, e seja mais forte para resistir a seus
antagonistas. O Evangelho segundo o Espiritismo era
já um passo à frente; O Céu e o Inferno é um
passo a mais cujo alcance será facilmente compreendido,
pois ele toca no âmago de certas questões, mas não devia
vir mais cedo.
Se considerarmos a época em que o Espiritismo apareceu,
reconhece-se facilmente que veio em tempo oportuno, nem
cedo demais, nem tarde demais; mais cedo, ele teria
abortado, porque, sem desfrutar de simpatias
suficientes, teria sucumbido aos golpes de seus
adversários; mais tarde, teria perdido a ocasião
favorável de se produzir; as ideias poderiam ter tomado
outro curso, de onde teria sido difícil desviá-las. Era
preciso dar tempo para que as velhas ideias se
desgastassem e se provasse sua insuficiência, antes de
apresentar outras novas.
As ideias prematuras abortam, porque não se está maduro
para compreendê-las, e a necessidade de uma mudança de
posição ainda não se faz sentir. Hoje é evidente para
todo o mundo que se manifesta um imenso movimento na
opinião; realiza-se uma reação formidável no sentido
progressivo contra o espírito estacionário ou retrógrado
da rotina; os satisfeitos da véspera são os impacientes
do dia seguinte. A humanidade está em trabalho de parto;
existe alguma coisa, uma força irresistível que a impele
para diante; ela é como um jovem saído da adolescência
que entrevê novos horizontes sem os definir, e se livra
dos cueiros da infância. Deseja-se algo melhor,
alimentos mais sólidos para a razão; mas esse melhor permanece
vago; é procurado; todo mundo se dedica a isso, desde o
crente até o incrédulo, desde o trabalhador agrícola até
o cientista. O universo é um vasto canteiro de obras;
uns demolem, outros reconstroem; cada qual talha uma
pedra para o novo edifício, cuja planta definitiva só o
grande Arquiteto possui, e cuja economia se compreenderá
apenas quando suas formas começarem a desenhar-se acima
do solo. Foi esse momento que a soberana sabedoria
escolheu para o advento do Espiritismo.
Os Espíritos que presidem ao grande movimento
regenerador agem portanto com mais sabedoria e
previdência do que os homens podem fazer, porque eles
contemplam a marcha geral dos acontecimentos, ao passo
que nós vemos apenas o círculo limitado de nosso
horizonte. Tendo chegado os tempos da renovação, segundo
os decretos divinos, era preciso que, em meio às ruínas
do velho edifício, o homem, para não esmorecer,
entrevisse as fundações da nova ordem de coisas; era
preciso que o marinheiro pudesse distinguir a estrela
polar que deve guiá-lo ao porto.
A sabedoria dos Espíritos que se mostrou no surgimento
do Espiritismo, revelado quase instantaneamente em toda
a Terra, na época mais propícia, não é menos evidente na
ordem e gradação lógicas das revelações complementares
sucessivas. Não depende de ninguém coagir a vontade
deles a esse respeito, pois eles não medem seus
ensinamentos pelo grau de impaciência dos homens. Não
nos basta dizer: “Gostaríamos de ter tal coisa,” para
que ela seja dada; e convém-nos ainda menos dizer a
Deus: “Julgamos que chegou o momento de nos dardes tal
coisa; julgamo-nos suficientemente avançados para
recebê-la."; pois seria dizer-lhe: “Sabemos melhor do
que vós o que convém fazer.” Aos impacientes, os
Espíritos respondem: “Começai primeiro por saber bem,
compreender bem, e sobretudo praticar bem o que sabeis,
a fim de que Deus vos julgue dignos de aprender mais;
depois, quando chegar o momento, nós poderemos agir e
escolheremos nossos instrumentos.”
A primeira parte desta obra, intitulada Doutrina,
contém o exame comparado das diversas doutrinas sobre o
Céu e o Inferno, os anjos e os demônios, as penas e as
recompensas futuras; o dogma das penas eternas é aqui
encarado de uma maneira especial, e refutado por
argumentos tirados das próprias leis da natureza, e que
lhe demonstram, não só o lado ilógico, já assinalado cem
vezes, mas a impossibilidade material. Com as penas
eternas desaparecem naturalmente as consequências que se
acreditara poder tirar daí.
A segunda parte encerra inúmeros exemplos apoiando a
teoria, ou melhor, que serviram para estabelecer a
teoria. Eles devem sua autoridade à diversidade de
tempos e lugares em que foram obtidos, pois se emanassem
de uma única fonte, poder-se-ia vê-los como produto de
uma mesma influência; eles devem-na, além disso, à sua
concordância com o que se obtém todos os dias em toda a
parte onde há dedicação às manifestações espíritas de um
ponto de vista sério e filosófico. Esses exemplos
poderiam ter sido multiplicados ao infinito, pois não há
centro espírita que não possa fornecer notável
contingente deles. Para evitar repetições fastidiosas,
precisamos fazer uma escolha entre os mais instrutivos.
Cada um desses exemplos é um estudo, em que todas as
palavras têm seu alcance para todo aquele que as meditar
com atenção, pois de cada ponto jorra uma luz sobre a
situação da alma após a morte e sobre a passagem, até
agora tão obscura e tão temida, da vida corpórea à vida
espiritual. É o guia do viajante antes de entrar num
país novo. A vida de além-túmulo desenrola-se aí sob
todos os seus aspectos, como um vasto panorama; cada
qual extrairá daí novos motivos de esperança e de
consolo, e novos apoios para reforçar sua fé no futuro e
na justiça de Deus.
Nesses exemplos, tirados na sua maioria de fatos
contemporâneos, dissimulamos os nomes próprios todas as
vezes que julgamos útil, por motivos de conveniência
fáceis de apreciar. Aqueles a quem esses exemplos podem
interessar reconhecê-lo-ão facilmente; para o público,
nomes mais ou menos conhecidos, e às vezes muito
obscuros, não teriam acrescentado nada à instrução que
daí se pode retirar.
Eis os títulos dos capítulos:
PRIMEIRA PARTE.
Doutrina. I - O futuro e o nada. - II Da apreensão da
morte. - III O céu. - IV O inferno. - V Quadro
comparativo do inferno pagão e do inferno cristão. - VI
O Purgatório. - VII Da doutrina das penas eternas. -
VIII As penas futuras, segundo o Espiritismo. - IX Os
anjos. - X Os demônios. - XI Intervenção dos demônios
nas manifestações modernas. - XII Da proibição de evocar
os mortos.
SEGUNDA PARTE.
Exemplos. - I A passagem. - II Espíritos felizes. - III
Espíritos numa condição mediana. - IV Espíritos
sofredores. - V Suicidas. - VI Criminosos arrependidos.
- VII Espíritos endurecidos. - VIII Expiações
terrestres.