Em janeiro de 1962, Chico Xavier disse a D. Aparecida, a
enfermeira que sonhava então com a construção do futuro
hospital do fogo-selvagem:
– Você pode pôr os ovos para chocar, que agora vêm os pintinhos.
Não espere pelos poderes públicos, São Paulo é que vai ajudar.
D. Aparecida voltou então à capital paulista para pedir
donativos. Com doentes ao redor, ela começou a abordar os
transeuntes embaixo do Viaduto do Chá. Resultado: foi presa por
mendigar em nome de entidade fictícia. Ficou atrás das grades
oito dias até provar sua honestidade, com atestados e cartas da
Prefeitura, Câmara de Vereadores, juiz e delegado de Uberaba.
Ela levantaria o prédio e seria vítima de acusações constantes.
Uma delas: ganhava dinheiro à custa dos doentes. E a cada nova
sala, os boatos se multiplicavam. Um dia, Aparecida pensou em
parar. Ouviu então de Chico, já acostumado com a desconfiança
geral, uma contraordem firme:
– Se desistir, vão dizer que roubou o suficiente.
Numa tarde, para estimular a enfermeira, ele cometeu uma rara
indiscrição: revelou a d. Aparecida a última encarnação dela.
Ela tinha sido responsável pela morte de muitos "hereges" nas
fogueiras da Inquisição e na atual temporada resgatava sua
dívida. Os doentes também. As vítimas do fogo-selvagem, tratadas
por ela, tinham obedecido às suas ordens e incendiado os corpos.
D. Aparecida se aproximou do Espiritismo. Numa noite, foi a um
centro espírita em São Paulo e sentiu vontade de sair de
fininho. Ninguém a conhecia, mas o presidente da sessão chamou
até a mesa a dirigente do hospital do fogo-selvagem. Queria que
ela aplicasse um passe na presidente do centro, vítima de uma
paralisia repentina, que a impedia de andar. D. Aparecida nem se
moveu. Nunca tinha dado passe em ninguém. O sujeito devia estar
mal-informado.
No fim da sessão, ele repetiu o convite. Era o próprio mentor
espiritual do centro quem pedia a ajuda de Aparecida. Ela tomou
coragem e se apresentou. Em seguida, subiu três lances de escada
para se encontrar com a doente. Todos se concentraram em torno
da cama. D. Aparecida sentiu algo estranho nas mãos, no corpo,
na cabeça. Sentiu medo. Mesmo assim, com suas rezas, realizou um
"milagre". A doente se levantou no dia seguinte e se tornou não
só amiga de Aparecida como sua companheira em várias campanhas
de assistência aos doentes do fogo-selvagem.
A enfermeira mudou. Começou a aplicar passes curadores em seus
doentes, com resultados surpreendentes. O Hospital do Pênfigo
viraria Lar da Caridade e, além de vítimas do fogo-selvagem,
atenderia a "desamparados em geral". E D. Aparecida se
transformou em mais uma devota de Chico Xavier. Baseou seu
tratamento em valores fundamentais para o discípulo de Emmanuel:
os doentes deveriam trabalhar e estudar, com disciplina, para
ter melhoras, e passou a reverenciar o aliado: - Quando Chico
vem ao hospital é como se Jesus chegasse.
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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