Entrevista

por Orson Peter Carrara

Amparo às gestantes carentes: do passe ao enxoval, feito com amor

Vinculado ao Centro Espírita Paulo de Tarso, em Brasília (DF), cidade onde reside desde 1968, e atuando como colaborador da instituição, José Maurício de Mello Brito (foto), nosso entrevistado de hoje, é natural do Rio de Janeiro (RJ). Formado em Comunicação Social – Jornalismo, concedeu-nos entrevista sobre sua experiência no trabalho social com gestantes. Sua vivência espírita traz informações interessantes para o leitor:

 

Como se tornou espírita?

Participei aos 8 anos, entre 1964 e 1966, no Centro Espírita Jesus, Maria e José, no bairro de Marechal Hermes, no Rio de Janeiro, da evangelização com a querida educadora Georgina, onde travei os primeiros contatos com a Doutrina Consoladora por meio dos ensinos convertidos para a mente infantil. Em 1974, acompanhava meu pai no trabalho espiritual no Sanatório Espírita de Brasília, dirigido pelo Sr. Lauro Carvalho. Em 1979, ingressei na Mocidade da Comunhão Espírita de Brasília, passando a estudar os livros do Codificador de maneira mais organizada, metódica e produtiva na mesma instituição. Dirigindo este grupo (Mocidade) em 1985/1986. A partir também do ano de 1986, fui facilitador (ou monitor) de Estudo Sistematizado. Em 1988, construí com um grupo de amigos o Centro Espírita Bezerra de Menezes na cidade de Santo Antônio do Descoberto-GO e em 1990 construímos a Fraternidade Espírita Cáritas, também na mesma cidade, distante 50 km de Brasília. Estes dois centros atuavam tanto na questão educacional-doutrinária, quanto na assistência caritativa, por meio de doação de sopa, alimentos e passes. Em 2003, a convite do Sr. Lambach, então presidente da Comunhão Espírita, assumi os deveres juntos ao Departamento de Evangelização daquela Casa, onde podemos dar sequência aos trabalhos já organizados.

A tarefa de assistência a gestantes, inclusive com fornecimento de enxovais para recém nascidos, é praticada por grande parte de instituições, inclusive espíritas. O que pensar da nobre iniciativa?

 

É um ato de excelência moral muito grande porque permite aos colaboradores não somente atuarem no campo da doação de recursos materiais, mas também propicia o esclarecimento, reconforto e amparo aos problemas que afligem a gestante muitas vezes, tais como: relacionamento familiar, conflitos psicológicos, dúvidas relacionadas à própria gravidez no tocante a temas médicos, etc. É importante que o grupo, sempre que possível, tenha em seu efetivo profissionais, espíritas ou não, médicos, enfermeiros assistentes socias e psicólogos, que possam atuar com segurança nos assuntos pertinentes. Caso este efetivo de pessoas com esta características não seja possível, importa direcionar para os locais públicos que atendam este quesito. Deixando claro que a participação destes no grupo é para facilitar o entendimento do processo pelo qual a gestante passa. O acompanhamento da gravidez de forma efetiva deve ser feito por profissionais escolhidos pela própria gestante junto a clínicas ou hospitais públicos e/ou privados.

Há um detalhe sobre um desejo de Lívia, descrito no livro Há 2.000 anos, de Emmanuel, que se relaciona diretamente à questão, inclusive com a iniciativa do escritor e redator Wallace Leal V Rodrigues. Comente sobre o estímulo desse detalhe descrito na obra.

O estímulo das palavras de Lívia, benfeitora citada no livro, é quando ela afirma:
“(...) 
mas meu propósito materno de amparar aquelas mulheres desprezadas e aquelas crianças andrajosas, que viviam ao desamparo...” – trecho do livro Há Dois Mil Anos (Emmanuel/Chico Xavier – edição FEB) - cap. V - Nas catacumbas da fé e no circo do martírio.

Conquanto as Políticas Públicas em nosso país tenham melhorado muito nos últimos anos, as mulheres ainda continuam desprezadas em relação a uma melhor qualidade nos serviços. Isto porque os profissionais são poucos e o número de atendimento cresceu em demasia, incluindo gravidezes em jovens ainda não preparadas psicologicamente para a missão.  Não podemos perder de vista que muitas mulheres chegam a estes pousos de socorro com a queixa de companheiros que “desaparecem” do convívio, ou, quando juntos, estão vivenciando problemas de desemprego ou penúria material.

Fale-nos de seu envolvimento com o assunto.

Já tinha lido o livro de Clóvis Tavares Amor e Sabedoria de Emmanuel (edição do IDE – 4ª. edição, 1983), mais de uma vez, mas conforme vai se acentuando a experiência com o passar dos anos, vamos nos detendo em determinadas particularidades do texto. Chico Xavier e Divaldo Franco em suas entrevistas e palestras falam sobre isso. Assim, um determinado trecho do referido livro me chamou a atenção quando estava atuando, entre 1984 a 1990, no Centro Espírita Maria de Nazaré e também na Fraternidade Espírita Cáritas, ambos em Santo Antônio do Descoberto-GO. Várias gestantes nos procuravam, ora com problemas financeiros, materiais; ora com problemas maternais preocupantes (dúvidas quanto ao que estava sentindo; se podiam tomar ou não determinados remédios, e o que fazer com os sintomas desagradáveis da gravidez, em alguns casos, e também sintomas oriundos dos remédios prescritos por médicos). Outras tinham dúvidas por problemas que tinham passado em gravidezes anteriores (eclâmpsia, por exemplo). Enfim, era toda uma gama de dúvidas que me chegavam que eu passei a me preocupar em “como atender melhor” aquele grupo. Em razão da minha exiguidade de conhecimento no campo médico-farmacológico, fiquei algumas semanas procurando resolver a questão. Foi quando eu li o capítulo do livro de Clóvis Tavares, onde o excelente espírita e querido biógrafo de Chico Xavier fez constar em seu livro o capítulo 7 (na parte III): “Um Flash-Back de Wallace Leal Rodrigues”. Este texto, parece-me, foi elaborado pelo próprio Wallace, pois é narrado em primeira pessoa e Clóvis não fez qualquer edição ou comentário. Deixou-o límpido e carregado de sentimentos do autor. Certamente, Wallace fez chegar a Clóvis Tavares a descrição. Wallace, entre tantos assuntos, diz:

“(.....) Começo a trabalhar. O dinheiro que ganho é todo meu. Tenho amigas que são visitadoras sociais. Depois do meio-expediente, saio com elas. Na primeira casa em que entro, um choque!! Recém-nascido, o garoto tem apenas jornais em que se enrolar. Eu não posso esquecer a face triste da mãe. Mas, ainda, há outra, e esta é a que enrolou o filhinho no paletó velho do pai. Com uns trapos. Eu penso que o ventre materno é cálido e acolhedor. O mundo cá fora é frio e ríspido. Sim, eu fui criança pobre e...esqueci...(...)”

Continua Wallace:

“(....) Não posso conciliar o sono. No dia seguinte começo a campanha do enxoval. Nada tão estranho: um rapaz envolvido em cueiros, mantas e alfinetes. Mas o trabalho se avoluma. É possível constatar a simpatia dos companheiros que surgem. Um ano depois, Cleide Braga me diz:

- É preciso organizar esse trabalho, dar-lhe personalidade jurídica. Você que começou tudo, escolha. Vamos lá, um nome!”

Alterado em meus pensamentos, eu digo:

- Lívia Cornélia

- Por que Cornélia?

- Por causa do Há Dois Mil anos...”

O restante do texto explica tudo: a referência a Lívia, o encontro de Wallace com Chico Xavier, e citação do capítulo “Nas Catacumbas da Fé e no circo do Martírio”. Mais ainda: o diálogo entre Lívia e Ana, que Chico faz lembrar a Wallace o porquê da intuição dele (Wallace) ter dado o nome de Livia Cornélia ao trabalho junto às gestantes.

Foi exatamente lendo tudo isso que “também” me veio a mesma ideia de criar um grupo de assistência às mãezinhas grávidas. Com as mesmas caraterísticas do grupo de Wallace. Lembrando que ele fez referência a assistentes-sociais amigas dele, que o levaram para o primeiro atendimento. Eu, lendo isso, pensei: porque não ter no grupo, se possível, pessoas espíritas com esta formação? Ou seja: assistente-social, médico, enfermeiro e psicólogo, além da equipe (em maioria) de irmãos espíritas sem esta qualificação profissional.

Importantíssimo destacar que em todas estas atividades eu sempre tive o apoio moral, espiritual, material, e principalmente profissional da minha esposa, que me orientava por ser Médica Pediatra. Ela, em determinados momentos das tarefas, atuava como médica (nos esclarecimentos), ora em trabalho espiritual (passes) ou na distribuição de pratos de sopa etc.

Relate sua convivência com dedicada seareira que atendia às gestantes e casais em Brasília-DF.

Comecei a trabalhar com Dna. Oneide em 1996, em um grupo de Passes para Gestantes e Crianças. Era assim que ela o denominava. Havia uma palestra antes (das 18 às 18:30). Das 18:30 às 19:30 era toda dedicada aos passes.  Depois de atender todas as gestantes e crianças, ela atendia os adultos em geral. Lembrando que já vinha com a experiência de atendimento a gestantes desde 1984/1990, já citado.

Dna. Oneide, além deste grupo de Passes à Gestante, dirigia um outro grupo, às segundas-feiras, 16 horas, dedicado ao “Tratamento Físico-Espiritual”. Lá, também ela recebia gestantes com questões mais difíceis no campo orgânico. Mas neste grupo o atendimento era para todos em geral. Era somente composto por senhoras.

Dna. Oneide era uma médium excepcional, caridosa ao extremo. Não tinha quem chegasse aos seus ombros que ela não amparasse. Às vezes, dependendo da situação, ela usava daquela “energia com voz de avó”, que todo mundo ouve, gosta e ainda sai agradecendo.
A experiência que obtive com ela no campo mediúnico foi de extrema importância na minha vida de médium. Era vidente de excelência, vendo quadros passados, atuais e futuros no campo da assistência moral, indicando livros, atitudes e orações para quem a procurasse. Tudo pautado na excelência doutrinária. Seu livro de eleição era Passos da Vida, de diversos espíritos com Chico Xavier como psicógrafo. O Evangelho era seu livro também de cabeceira. Desencarnou com mais de 90 anos agora em 2023.

Dna. Oneide tinha uma benfeitora espiritual chamada Irmã Maria, que era de uma solicitude extrema. Além da vidência, Dna. Oneide possuía um poder magnético de cura impressionante. Quando associada aos benfeitores (e isso acontecia sempre) a pessoa já saía do grupo ou fortalecida organicamente, ou com o psicológico alterado “pra melhor”, reunindo esperanças para o dia-a-dia.

De suas observações desses atendimentos, quais foram os principais benefícios sentidos em favor dessas famílias?

Equilíbrio psicológico, financeiro, e, principalmente de saúde geral. Sem falar no encaminhamento seguro para as áreas públicas de eleição (clínicas, exames, hospitais), que em, muitas vezes, a gestante não sabe (ou não tem condição de saber). Note-se que, hoje, em 2023, mesmo com o celular em mãos, e com o Google “achando tudo”, é tanta informação que a gestante necessita sempre de um direcionamento.

O que gostaria de relatar sobre o trabalho de passes às gestantes?

É um trabalho que nos traz uma experiência enorme no campo mediúnico, moral e caritativo. Vezes tantas fomos surpreendidos por lições no caminho, recolhendo em espírito as lições que todos nos passavam, sejam os espíritos, sejam os encarnados. 

Falando especificamente da prática espírita, muitos tarefeiros e instituições dedicam seu tempo a essa nobre tarefa. Quais experiências, em sua opinião, foram as mais colhidas dessa iniciativa?

A experiência com o sofrimento dos outros tem alguns capítulos convidativos em O Evangelho Segundo o Espiritismo:  O Cristo Consolador, Bem-Aventurados os Aflitos, os Pobres de Espíritos, etc. E para entender e minimizar as dores do próximo existem duas condições para isso: ou você já sofreu igual e sabe o que a pessoa pode estar passando; ou ainda que não tenha passado “aquela situação específica”, compreende por extensão de alguma experiência que já tenha vivenciado.

A piedade é o maior presente que o trabalho de passes nos faculta, quando estamos dispostos a isso. É preciso, antes de tudo, entender que o passe, seja para gestante ou não, deve ser precedido de “intensa preparação”. Digo intensa porque noto um certo amornamento(1) em nossas instituições neste quesito. Não podemos perder de vista que vamos ter acesso a problemas morais “dos outros”; problemas físicos “dos outros”. E se atentarmos para o que nos diz André Luiz, no livro Nos Domínios da Mediunidade, o médium não é apenas um transmissor de energias (sejam somente dele, ou em associação com os benfeitores). Há que se ter uma certa cautela (sem ser rígido) e higidez espiritual neste campo de trabalho. Já vi inúmeros trabalhadores caírem doentes por falta de cuidado. Não passamos incólumes nesta atividade. O médium, acima de tudo, é uma pessoa que deve “sentir” para servir.

De suas lembranças e vivências, o que mais te marcou?

A atuação dos benfeitores espirituais, sanando problemas; ajudando no resgate de corações amargurados, aflitos e desesperançados, seja com problemas materiais, seja com problemas de saúde.

Existe um caso mais emocionante que gostaria de citar?

Tenho vários casos que me vêm à mente: um deles, em 1990, era de uma senhora que se medicava (por orientação médica) com remédios fortíssimos, relacionados a questões, se não me engano, de epilepsia, depressão, ansiedade, entre outros. Alguns médicos proibiram-lhe de engravidar, em razão de possíveis consequências na formação fetal. O que complicava o quadro era que o marido era usuário de drogas, também fortíssimas, e se recusava a usar preservativo... E ela, muito triste e preocupada, nos procurou e pediu-nos ajuda. Procurei falar com o marido, mas ele relutava. De forma alguma usaria preservativo...Ela, se quisesse, que usasse. A situação ainda se agravava porque ela não podia usar anticoncepcional, talvez pela interação medicamentosa e/ou efeitos colaterais.

Diante da situação, logicamente ela engravidou. Só nos restou orar, aplicar passes semanalmente, de forma bastante intensa...Nela e também nele, o marido. O nome da irmã e do companheiro foram endereçados para vibrações. E como não engravidaria em face da recusa do companheiro? Resultado: a criança nasceu linda, forte e sem problema algum. E o marido também compreendeu a situação depois do nascimento da criança e conseguiu se empregar.

Algo mais a acrescentar?

Gostaria de acrescentar mais um caso: uma mãezinha procurou o grupo reclamando que não conseguia engravidar, apesar de estar há mais de 3 anos tomando suplementos e hormônios para tal fim. Pela vidência a irmã dirigente percebeu que a situação estava ligada ao marido, que “temia perder” as vantagens e benefícios que o casal dispunha sem a criança. Este caso é muito parecido com o de Segismundo, em “Missionários da Luz”, no que diz respeito à questão do magnetismo que o pai “derramava” sobre os centros de força e que determinavam uma qualidade inferior da célula masculina, impossibilitando-a de engravidar a esposa. Pois bem...Depois de alguns meses de passe sobre a mãezinha, direcionando-a também para o grupo de tratamento mais específico, aliado a um trabalho de conversação com o pai, a mãe conseguiu engravidar... Sabem quem é o mais ligado à criança depois que ela nasceu? O pai.

Suas palavras finais.

É imprescindível atentar que o trabalho a que me refiro considero uma tarefa genuinamente espírita, “sem ser proselitista”, com o espírito (modo de ser) de Lívia, Chico Xavier e Wallace Leal Rodrigues. O que quer dizer isso? Quando nos propomos a realizar um trabalho desta natureza é importante (a meu ver) declarar que somos um grupo espírita, mas que não envidaremos pelos caminhos da doutrinação ideológica espírita, mas sim, pelo direcionamento da Espiritualidade como entendemos que deva ser nos moldes espíritas, forjados nas atitudes de Jesus e das 3 pessoas citadas anteriormente neste item. O que quer dizer isso? Ao recebermos as pessoas que nos procuram estabelecemos informar a elas que somos um grupamento espírita e que usaremos o Evangelho do Senhor, comentado e estudado por Allan Kardec; Bíblia, quando necessário, e outros livros da lavra de Chico e outros medianeiros (mensagens sempre edificantes e de esperança). Informamos o que é o passe, como se efetua, lembrando as ações do Cristo. Lembramos que usamos a oração e a meditação dirigida também como forma de alívio e busca do auxílio de Deus. E sempre perguntamos: vocês aceitam? Incrivelmente, sempre tivemos mulheres católicas, evangélicas, de outros credos, que sempre confiaram no trabalho (eu disse “sempre”) e nunca nos apontaram qualquer dificuldade. Pelo contrário. Adoravam o trabalho. Algumas nos diziam que o marido não gostava por ser de outra denominação religiosa. Quando acontecia isso, eu convidava o marido para assistir as reuniões, e surpreendentemente, eles também sentiam a assistência espiritual, apoiavam e ajudavam. Isso porque usávamos de honestidade na afirmação daquilo que é a nossa maior alegria: ser espírita. Além disso, e não menos importante, é salientar que se fôssemos realizar um trabalho somente no campo material, forçosamente não faríamos diferente do que as instituições públicas fazem (e muitas vezes com maior alcance na quantidade) e também as organizações religiosas. Dessa forma, o nosso trabalho há de ter um diferencial: qual seria? A Piedade por meio do sentimento que Jesus praticou, Chico e Wallace nos exemplificaram, piedade essa distribuída no campo também material e, principalmente, no campo espiritual, na solução de óbices instransponíveis no campo da obsessão e/ou problemas psicológicos oriundos de diversas situações. Além disso, não esquecer que ao lado deste trabalho espiritual, tínhamos as orientações médicas, de enfermagem, de assistência social e psicológica. Minha esposa fez parte da primeira equipe (como Pediatra) que começou os trabalhos junto às gestantes em Santo Antônio do Descoberto, tanto no Centro Espírita Maria de Nazaré quanto na Fraternidade Espírita Cáritas.

 

(1) Amornamento, vocábulo não registrado em dicionário, vem do verbo “amornar”, que significa tornar morno ou, figuradamente, fazer perder ou perder energia, ânimo.

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita