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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

Como seguimos o Cristo?


Allan Kardec, em O Evangelho segundo o Espiritismoprocura trazer uma obra que faça o diálogo das máximas morais do Cristo com o novo paradigma trazido pelo Espiritismo, mostrando a relação desse novo mundo com o que se tinha no cristianismo em relação aos seus aspectos mais universalizantes.

Ao ouvir dizer por aí que o Espiritismo é cristão, uma sentença coerente, cabe a pergunta decorrente de a que viés se refere o uso da expressão cristianismo. Kardec, na obra citada, tem muito cuidado em relacionar o Espiritismo a um cristianismo raiz, na sua essência, resumido sem reducionismos a ideia de amor ao próximo.

Cabe recordar que a Idade Média presenciou as cruzadas, uma guerra sangrenta em nome do Cristo, utilizando-se da religião como subterfúgio para a ocupação de terras, na busca de interesses econômicos e geopolíticos. A fé no Cristo impulsionou muitos a sair de suas casas para combater o inimigo muçulmano.

Também mais à frente na história, nos tribunais da inquisição, na busca de combater inimigos, mais uma vez o nome do Cristo foi utilizado para torturar, destruindo famílias e vidas, em uma sanha persecutória que se expandiu não só pela Europa, mas também pelas américas colonizadas, destruindo tudo que não fosse o padrão imposto.

O fenômeno da escravidão também recebeu a benção dos seguidores do Cristo, que com malabarismos filosóficos, de seres sem alma, ou que não fossem filhos de Deus, legitimaram a dominação do homem pelo homem, repetindo as crueldades da tortura e da opressão.

Outros eventos lamentáveis da história se fizeram com a benção e a participação de indivíduos que ostentavam símbolos e palavras que remetiam a figura de Jesus. Hoje ainda desfilam cenas inimagináveis nas quais as ideias do Cristo, a sua essência, são deturpadas ao limite, na busca de acomodar toda ordem de interesse político e econômico.

Ao ouvir que o Espiritismo é cristão, faz-se mais do que necessário identificar a que cristianismo está se referindo. O binômio Espiritismo e cristianismo precisa ser coerente, fazer sentido. Não pode o sentido atribuído por muitos a mensagem do Cristo, de legitimação de ódio e violência, ser o que se encaixa no Espiritismo. Não por outra razão Kardec escreveu uma obra que fazia esse diálogo, para que não se use retalho de pano novo em roupa velha.

O Espiritismo traz em si ideias revolucionárias, de múltiplas existências e a possibilidade de se comunicar com o mundo espiritual. Visões que mudam a forma de interpretar a realidade, inclusive em relação às questões trazidas pela mensagem do Cristo, fazendo luz sobre esses fatos e palavras. O Espiritismo é a lupa para ressignificar alguns aspectos do cristianismo.

Mas, se o caminho é o inverso, e as vicissitudes interpretativas do cristianismo ao longo dos séculos contaminam o Espiritismo, mexendo na sua essência, a coerência se perde, sendo apenas a repetição de modelos que não cabem mais no mundo atual, distantes da essência da mensagem do meigo nazareno.

O Espiritismo não é cristão porque pretende se agregar à maioria, mas porque, como indica Kardec em O Evangelho segundo o Espiritismo, existem ideais convergentes, e o Espiritismo vem reforçar aspectos essenciais trazidos pelo conhecimento evangélico. Uma lição complexa, e que em muitos casos ainda temos dificuldades de captar. Mas chegaremos lá!

 
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita